sexta-feira, 1 de julho de 2016


72. Continuação de Diário de um ‘Maluco Beleza’ (Capítulo 10)


Jober Rocha

Capítulo 10
Quinta Feira, 13 de março



           Neste dia, tendo acordado bem disposto, resolvi caminhar pela comunidade. Fazia uma bela manhã de sol e o céu estava de um azul magnífico. Chegando a uma pracinha onde se reuniam todos os ébrios da região, alguns velhos e muitas crianças, eu notei que a conversa dominante era a respeito do filho de um dos moradores que, tentando fugir da polícia que viera prendê-lo a noite anterior, havia sobrevivido aos cerca de quinze disparos que recebera durante a fuga.
                  Diziam que aquilo havia sido um milagre, idêntico ao ocorrido com a filha de dona Hercília que, ao se deparar com traficantes rivais em disputa, escapara com vida da chacina que eles praticaram: tendo ela caído ao solo sem ser atingida pela fuzilaria, logo depois dois outros corpos caíram sobre o dela e, quando os traficantes chegaram para os disparos de misericórdia na nuca, vendo que os de cima estavam mortos, não repararam que ela não havia sido ferida e, em seguida, foram todos embora.
         Pensando sobre aqueles fatos e sobre a atribuição de milagres dada pelo povo àquelas ocorrências, me lembrei das palavras que já lera sobre este assunto, formuladas por alguns filósofos acerca dos denominados ‘milagres’. Inúmeros pensadores, muito mais sábios do que eu e sem problemas mentais como os meus, já meditaram sobre esta matéria anteriormente e as conclusões a que alguns deles chegaram foram às seguintes:
                 O filósofo e escritor Jean Marie Arouet, conhecido como Voltaire, em seu ‘Dicionário Filosófico’, afirmava que: - “Segundo as idéias aceitas, os milagres seriam violações das leis matemáticas, divinas, imutáveis, eternas. Mediante essa exposição, o milagre seria uma contradição; já que uma lei não pode ser violada”. Voltaire afirmava, ademais: - “Deus nada pode fazer sem razão, sendo impossível conceber que a natureza divina trabalhasse para algum homem, em particular, em detrimento dos outros; se constituindo a mais absurda das loucuras, imaginarmos que o Ser Infinito invertesse, em favor de alguns, o movimento dessas imensas molas que fazem mover o Universo inteiro. Assim, ousar supor que Deus realiza milagres é realmente o insultar (se é que os homens podem insultar a Deus), e desonrar de certo modo a divindade”. Voltaire citava, ainda, que, ao perguntarem a um filósofo o que diria se visse o sol deter sua marcha e os mortos ressuscitarem, este teria respondido: - “Me tornaria Maniqueísta e diria que existe um principio que desfaz o que o outro fez”.
                   O filósofo Baruch de Spinoza afirmava: - “Contra a natureza ou acima da natureza, o milagre não passa de absurdo e Deus era mais bem conhecido graças à ordem e à necessidade da natureza do que por pretensos milagres”.
                    Alguns autores modernos especulam que, na impossibilidade da alteração de leis universais, imutavelmente por Ele mesmo criadas, Deus atuaria, apenas, nos eventos probabilísticos. Assim, se um indivíduo tem grande probabilidade de contrair uma doença mortal, ou sofrer algum revés, o Criador poderia, em razão das súplicas e do merecimento deste, reduzir esta probabilidade o livrando completamente do mal.
                   A questão, pelo visto, continua e ainda continuará por muito tempo em aberto, na ausência de um pronunciamento oficial do Criador a respeito do assunto. O fato é que muitas religiões usam esta possibilidade para angariar prestigio e fortuna em nome Dele.
                    A maioria das igrejas e o próprio Espiritismo enfatizam para os seus adeptos a ideia do milagre, da cura sobrenatural ou mediúnica, como forma de manter seus fiéis ou adeptos sempre vinculados àquelas instituições e aos seus sacerdotes, médiuns ou dirigentes.
                   A igreja católica chegou a criar centros onde tais milagres, supostamente, aconteceriam com certa freqüência, como Lourdes (na França), Fátima (em Portugal) e Aparecida do Norte (no Brasil).
                   As igrejas evangélicas fazem com que os supostos milagres ocorram dentro dos próprios templos (com pastores fazendo supostas curas milagrosas nos cultos ao vivo e naqueles transmitidos pela televisão, exorcizando os demônios dos fiéis); da mesma forma, o Espiritismo também propicia supostas curas mediúnicas nos próprios centros espíritas. Em um destes centros, em meu país e no Estado onde resido, um médium que supostamente receberia o espírito de um médico alemão para fazer curas mediúnicas, está respondendo a dezenas de processos, cíveis e criminais, por lesões corporais graves, ocorridas em cirurgias mediúnicas, por ele realizadas em frequentadores do centro espírita onde atua, com a utilização de facas e tesouras não esterilizadas.
                   Em minha modesta opinião, concordando com as afirmações dos filósofos citados, creio que o Criador, com a Sua onisciência, há muito já disporia do conhecimento antecipado acerca das necessidades evolutivas, das aflições e dos sofrimentos de todas as suas criaturas. Estou convencido de que os pedidos que, eventualmente, algumas pudessem Lhe dirigir, não seriam suficientes para que Ele alterasse todo o planejamento já anteriormente elaborado, prévio à encarnação e conduzido por espíritos de luz quando ainda na dimensão etérea, que teria como objetivo à evolução espiritual daquelas mesmas criaturas.
           Entretanto, como a maioria da população pensa de modo diferente do meu, estou certo de que devem estar mais próximos da verdade do que eu e do que os filósofos que citei. Pensando bem, me ocorreu agora que os referidos filósofos, da mesma forma que comigo ocorre, poderiam estar passando também por moléstias mentais graves, que prejudicassem os seus modos de pensar e de entender a realidade do seu tempo, razão pela qual teriam desenvolvido teses e teorias incompreendidas pela maior parte das populações até o presente. Não é possível que a maioria das pessoas esteja totalmente errada e uma pequena minoria de filósofos esteja certa. 
              Com esses pensamentos ainda na cabeça, voltei para casa onde, após uma lauta refeição constituída de um bom pedaço de pão e algumas grandes e saborosas bananas, me pus a ler o ‘Tratado Lógico Filosófico’, de Ludwig Wittgenstein, que, em sua introdução, promete uma ‘solução final’ para todos os problemas da Filosofia. Espero que não seja semelhante àquela proposta por Adolf Hitler durante a Segunda Grande Guerra...

(Continua no dia seguinte - nota do autor)

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