90. As Moscas Drosófilas
Jober Rocha*
A presente estória, que ouvi ser contada por um amigo meu, de tão inusitada que é merece um lugar de destaque dentre as narrações insólitas, ao estilo de Edgar Allan Poe (1809-1849) e de Ambroise Bierce (1842-1913).
Quando o meu amigo ainda estava em atividade profissional, já casado pela segunda vez, ocorreu-lhe um episódio que, segundo me confidenciou, guardava, ainda hoje, indelével na memória.
Era uma sexta feira do mês de agosto e ele, finalmente, decidira nunca mais discutir sobre assuntos polêmicos como futebol, política, religião e carnaval. Por diversas vezes, em casa de amigos, no trabalho ou no clube, vira-se envolvido em discussões acaloradas, nas quais, em todas as vezes que conseguira fazer o seu ponto de vista prevalecer, perdera todos os amigos presentes que tinham um ponto de vista contrário ao dele.
Decidido a manter os poucos amigos que ainda lhe restavam, tomara aquela drástica decisão. A partir de então, só conversaria sobre moscas, especificamente sobre as ‘moscas drosófilas’; pois nunca vira ninguém falando sobre moscas a ponto de iniciar uma discussão acalorada.
Há pouco comunicara à sua mulher aquela decisão e esta, feliz por não ter mais que interceder para acalmar os ânimos ou apartar brigas, informou-lhe que naquele dia, à noite, teriam de ir ao aniversário de um colega de colégio do filho pequeno deles.
Por volta das dezenove horas chegaram ao salão de festas do edifício, onde se realizaria a festa, que já se encontrava cheio de amiguinhos, de pais e de mães dos colegas do aniversariante.
Buscaram uma mesa grande, onde já haviam sentado dois casais. Sentaram-se ali também e, enquanto a sua mulher saía com o filho para entregar o presente do aniversariante, ele ficou ouvindo as conversas dos demais ocupantes da mesa.
Eles falavam de futebol, novelas, política e outras futilidades. Meu amigo, até então, mantinha-se calado, apenas ouvindo.
Após os convidados presentes cantarem os parabéns para o aniversariante, ele, comendo uma fatia de bolo, perguntou ao cidadão que estava à sua frente: - O amigo se interessa por moscas drosófilas?
O indivíduo, olhando-o firmemente nos olhos, respondeu sério: - De qual você está falando, das selvagens ou das mutantes?
Ele, apanhado de surpresa, respondeu: – Das mutantes é claro!
O cidadão, falando com conhecimento, respondeu secamente: - Não, não gosto das mutantes. Prefiro as selvagens, pois as mutações têm efeito prejudicial sobre as drosófilas!
Tomado, então, por súbito acesso de cólera, meu amigo respondeu de modo rude: - Já vi que você não entende nada desse assunto. As mutações são muito benéficas para as moscas drosófilas, seu ignorante!
A partir daquele ponto ele não se lembrava mais de nada, conforme me segredou com os olhos marejados. Lembrava-se, apenas, de haver chegado à sua casa por volta das duas horas da manhã do dia seguinte, vindo direto da delegacia do bairro onde estivera, até então, prestando depoimento em uma acusação de agressão com lesão corporal grave, já que havia dado uma garrafada na cabeça do pai do coleguinha de colégio do filho, garrafada esta que acabou deixando o seu companheiro de mesa em coma, com traumatismo craniano, por quase trinta dias.
A história correu célere entre todos os pais e mães do colégio e, o meu amigo lembrava-se bem de que em outra ocasião festiva (uma festa junina do ano seguinte), ao perguntar em uma roda de pais se algum deles se interessava por abelhas africanas, notou que todos eles rapidamente se retiraram do local, sem nem se despedir e sem mesmo olhar para trás.
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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