segunda-feira, 11 de julho de 2016

93. Uma simples ida ao centro da cidade


Jober Rocha*



                    O episódio que passarei a narrar ocorreu no ano de 1999, na cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. De tão inusitado, a principio não acreditei em sua veracidade; porém, após conhecer os seus protagonistas principais, pude constatar que era a mais correta expressão da verdade.
                             Na época em que tais fatos se deram, a principal personagem possuía apenas quinze anos. Embora uma menina esperta e inteligente, nunca havia ido sozinha ao centro da cidade.
                              Filha única, residia com os pais em um bairro na periferia do município e estudava em uma escola pública próxima de sua casa.
                           Certo dia, a pedido dos pais, saiu mais cedo, antes da hora da entrada do colégio, para uma simples ida ao centro comprar material escolar.
                          Tomou o ônibus que por ali passava, achando que ia para o centro; porém, após rodar quase meia hora por lugares totalmente desconhecidos para ela, não tendo chegado ao centro, indagou a razão ao motorista. Este afirmou que aquele ônibus não ia para o centro e pediu-lhe que descesse e apanhasse outro. Pegando outro ônibus, após mais meia hora rodando, foi novamente informada pelo motorista do novo coletivo, para que descesse e apanhasse outro, pois aquele também não passava no centro da cidade.
                               Já fazia duas semanas que ela trocava de ônibus, constantemente, sem conseguir chegar ao seu destino final, o centro da cidade. Como estava de uniforme colegial não pagava as passagens.
                                Os dias e as noites se sucediam infindáveis, sem que ela chegasse ao seu destino Havia sofrido em pé durante engarrafamentos intermináveis, passara horas sob o sol sentindo um calor infernal. Andava em ônibus vazios, em ônibus cheios e em ônibus lotados.
                                 Um dia, notou que a sua ‘regra’ não havia vindo aquele mês. Mais alguns meses se passaram, até notar que a sua barriga crescia e que havia movimentos lá dentro.
                                Pensou, consigo mesma, enquanto aguardava o sinal vermelho abrir para que o veículo pudesse prosseguir na via em que seguia: -“Será que foi naquele engarrafamento, quando o ônibus estava lotado e eu fiquei imprensada entre aqueles dois camaradas baixinhos?”.
                              A barriga crescia a olhos vistos e, agora, felizmente, já lhe davam lugar para sentar nos ônibus lotados.
                              Por volta do oitavo mês de gravidez, ao passar sob um viaduto, observou uma placa rodoviária onde conseguiu ler:

                   São Gabriel da Cachoeira - Estado do Amazonas – Centro da Cidade - 15 KM.

                                   Resolveu descer após os 15 quilômetros, pois, pelo menos, havia chegado a um centro de cidade e aqueles solavancos da estrada de terra a incomodavam bastante, fazendo com que o bebe se movesse dentro da sua barriga.
                                  Atendida no posto de saúde local, onde procurou auxílio médico, teve o bebê ali mesmo. Aquela era uma criança bastante saudável que, realmente, segundo ela mesmo constatou, possuía os traços fisionômicos de ambos os indivíduos baixinhos, que a haviam imprensado durante aquela viagem no ônibus lotado de gente.
                             Uma enfermeira do posto, compadecida de suas desditas, ofereceu-lhe a residência na periferia de São Gabriel da Cachoeira, para que ela ficasse hospedada até o bebê crescer um pouco mais.
                                Meses depois, necessitando ir ao centro de São Gabriel com o filho pequeno, para comprar fraldas, tomou um ônibus, logo depois outro, a seguir mais outro e, aproximadamente oito meses depois, desembarcou na estação rodoviária de Petrópolis, na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, sua cidade de origem.
                                Ao dirigir-se à casa dos pais com aquele bebê no colo, enquanto caminhava (pois ela foi a pé para lá, já que por razões de segurança evitava pegar novos ônibus), pensava temerosa: 
- Eles não vão acreditar em mim. Vão me expulsar de casa e o que é pior, eu ainda perdi o ano letivo!.
                              Anos depois um amigo meu, que me contou toda esta estória durante um velório, veio a conhecê-la em uma feira nordestina, no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro; feira esta a qual ela sempre comparecia, na esperança de algum dia encontrar aqueles dois indivíduos baixinhos (que lhe pareceram nordestinos, na ocasião), para pleitear uma pensão alimentícia para o filho. O meu amigo e ela acabaram se enamorando perdidamente, um pelo outro, após aquele primeiro encontro em São Cristóvão.
                    Querendo viver integralmente aquele amor, ele propôs assumir a paternidade da criança e se casar com ela, em uma cerimônia simples de casamento comunitário, na catedral de Petrópolis.
                        No dia marcado para o enlace dos dois, meu amigo chegou cedo à catedral, quase junto com os padrinhos e os convidados. Com o passar do tempo, como ela tardasse a chegar, ele ligou para os pais da moça que, adoentados, haviam ficado em casa.
                          Estes, ainda em casa, afirmaram que ela havia saído pela manhã, bem cedinho, para, em uma simples ida ao centro, comprar alguma coisa para a cerimônia do casamento e, até àquela hora, ainda não havia retornado. O noivo, os padrinhos e os convidados, finalmente, depois de muito esperar e já com a catedral vazia, retornaram desolados para suas casas.
                           Recentemente meu amigo recebeu uma carta dela, postada no correio da cidade de Tarauacá, na fronteira do Acre com a Colômbia, dizendo que esperava a baixa das águas do rio para poder, em uma pequena canoa, navegar até o município vizinho, distante trinta léguas do local em que estava, onde tentaria tomar um ônibus com destino a Petrópolis...

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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