105. Como se tornar um escritor de sucesso
(Epílogo)
Jober Rocha
Epílogo
Uma ocasião, sentado na portaria do hotel onde me hospedava, eu fui abordado por um senhor, de terno e gravata, que se identificou como advogado especializado no mercado de ações. Disse que meu nome havia sido sugerido por alguns grandes empresários locais e ele vinha me propor investimentos no mercado acionário.
Comentou que, em razão de seus inúmeros contatos no governo federal e no meio empresarial, possuía diversas informações privilegiadas que poderiam render muito dinheiro para mim e boas comissões para ele. Soubera que eu possuía algum capital guardado no cofre do hotel, parado e sem nada render.
- Porque não multiplicar aqueles recursos ociosos? – indagou, olhando-me fixamente nos olhos e com um ligeiro sorriso nos lábios.
- Porque não multiplicar aqueles recursos ociosos? – indagou, olhando-me fixamente nos olhos e com um ligeiro sorriso nos lábios.
Seu magnetismo e poder de convencimento eram tão grandes, que resolvi fazer uma experiência. Após assinar procuração passando-lhe poderes para negociar em meu nome, dei-lhe alguns milhares de reais para que comprasse ações pouco valorizadas, mas que, em razão das informações que ele dispunha, logo iriam se valorizar enormemente.
De fato, após alguns dias, meu ganho foi bastante razoável. Depois de ganhar mais algumas vezes, resolvi entregar-lhe tudo o que tinha para que adquirisse ações da Venal & Trampa S.A. , empresa da qual ele dispunha de informações confidenciais indicando que seria, muito em breve, adquirida por grupo multinacional. Certo de que desta vez ficaria milionário, aguardei noticias na imprensa comunicando a aquisição da Venal pela empresa estrangeira. Como nada saísse nos jornais, procurei-o no endereço que havia me dado para seu escritório. Ali ninguém o conhecia e, desde aquele fatídico dia, nunca mais o vi pelo bairro.
Totalmente sem dinheiro, tive de abandonar aquele hotel sem pagar o que devia, deixando para trás os poucos pertences que possuía. Procurei, então, um albergue onde pudesse passar a noite.
No dia seguinte, desanimado, segui pelas ruas, caminhando sem destino. Em um cruzamento, notei uma grande aglomeração de pessoas e algumas viaturas policiais. Chegando mais perto para ver do que se tratava, constatei que era uma passeata de estudantes reclamando contra o aumento das passagens de ônibus. Na exata hora em que afastei um jovem que estava na minha frente, para ver melhor, recebi no rosto o jato do ‘spray’ de pimenta de um policial. Ao mesmo tempo, outro me disparava um cartucho de balas de borracha e outro me dava com o cassetete na cabeça.
Caído ao chão, ensanguentado, fui filmado por várias redes de televisão europeias e fotografado pelos correspondentes de vários jornais espalhados pelo mundo. Levado para um hospital particular, depois de ser medicado e de me encontrar em repouso no quarto, fui surpreendido por alguns advogados que, entrando sorrateiramente no recinto, ofereceram-me seus cartões de visita dizendo que eu teria direito a vultosa indenização por danos físicos e morais.
Um deles disse que eu poderia até ficar muito rico, caso o contratasse como patrono da causa. Pouco tempo depois, alguns jornalistas entraram no quarto querendo gravar meu depoimento para redes de televisão européia. Disseram que bastava que eu lesse um depoimento que eles já traziam escrito. Pelo serviço prestado, mandariam entregar uma pizza de mussarela em meu quarto. Alegando fortes dores na coluna, pedi que me deixassem a sós.
Com a saída dos jornalistas preparava-me para dormir, quando um senhor alto e grisalho entrou no quarto. Pensei que fosse o médico que me atendera, mas era o diretor de uma Organização Não Governamental, que tratava da violação dos Direitos Humanos. Disse que vira o que me ocorrera e propunha que eu, após ter alta, viajasse com ele por várias capitais europeias e pelos Estados Unidos e Canadá, dando entrevistas sobre a violação dos Direitos Humanos no Brasil. Viajaria com ele em primeira classe e me hospedaria em hotéis cinco estrelas. Teria um auxílio de dez mil dólares mensais enquanto durasse o período das entrevistas.
Aceitei, de imediato, o que me propunha e ele ficou de voltar no dia seguinte, trazendo o contrato para que eu o assinasse. Quando ele saiu, eu me senti bastante aliviado. Que sorte tivera. Tendo recebido apenas alguns pequenos machucados iria para a Europa, Estados Unidos e Canadá, com tudo pago pela tal ONG. Estava quase fechando os olhos de sono, quando alguns policiais entraram no quarto pedindo que me vestisse rápido, pois iria ser interrogado na delegacia policial do bairro. Lá fui eu para a tal delegacia.
Como meu depoimento fosse totalmente desconexo, já que de nada sabia, pensaram que, sendo eu o chefe daqueles estudantes, tentava ganhar tempo para permitir que os demais pudessem fugir em segurança do local onde se encontravam. Mesmo tendo tomado mais alguns safanões, como não sabia de nada mesmo, acabei sendo solto na manhã seguinte.
Desanimado, com fome, sede e cansado por não haver dormido direito, sentei-me em um caixote de madeira abandonado na rua, em um vão entre duas casas. Encontrava-me ali, pensando no que iria fazer a seguir, quando se aproximou de mim um jovem com idade em torno de 25 anos. Disse-me que era um escritor e dono de editora especializada em estórias de mendigos. Em alguns casos, eles, da editora, após longas entrevistas, redigiam a história de vida do mendigo. Em outros, eles deixavam que o próprio mendigo escrevesse sobre sua história de vida, ou sobre outras estórias que eventualmente inventasse, caso possuísse veia de escritor e soubesse escrever.
Citou vários casos em que mendigos haviam saído da sarjeta para tornarem-se escritores famosos, reconhecidos mundialmente. Olhando-me nos olhos, perguntou: - Você tem algo para nos contar?
Imediatamente, as lágrimas me correram pela face. Eram tantas as vicissitudes que me haviam ocorrido que não consegui conter o choro. Lembrei-me dos meus últimos anos e de tudo aquilo pelo que havia passado. Respondi a ele que sim, que tinha muito para contar e que eu mesmo gostaria de fazê-lo, sem nenhum intermediário que pudesse distorcer tudo aquilo que desejava tornar público.
A partir daquele dia e após assinar um contrato que daria, ao editor, noventa e oito por cento dos lucros com as vendas futuras, caso o meu livro se tornasse um ‘Best Sellers’, eu passei a conviver com ele na editora, onde dispunha de uma pequena sala nos fundos e um rolo de papel higiênico novo, com o qual dei inicio a minha carreira de escritor.
Alguns meses depois, entreguei-lhe os originais de umas ‘Crônicas do Dia a Dia’, que ele se encarregou de editar e distribuir em várias línguas e em vários países. Há poucos dias mostrou-me edições feitas em Gaélico, Latim Arcaico e Provençal, dizendo que aquelas versões estavam fazendo sucesso entre alguns intelectuais europeus. De concreto, só sei que ainda não recebi um centavo de direitos autorais. Já dei algumas entrevistas para redes de televisão por assinatura e correspondentes de jornais estrangeiros, notadamente da Oceania, da Nova Guiné e de Papua.
Alguns críticos literários me vêem como um novo Paulo ‘Esquilo’ do Esoterismo Mendicante e outros já falam em meu nome até para a Academia Nacional de Letras. Como sei, pelos anos que passei assessorando aquele antigo deputado, que tudo na vida é negociável, inclusive a honra daqueles que fingem que a possuem, pode ser que eu consiga vencer as barreiras que impedem os novos escritores de serem lidos por grandes contingentes humanos.
Até lá, continuo vagando sem destino pelas ruas da cidade, tentando descobrir por que, dentre tantos seres viventes, o Criador foi escolher logo a mim para as suas extravagantes experiências; ou a razão pela qual alguma Entidade maligna, simpatizando com minha aparência, tenha resolvido ‘encostar’ em meu pobre espírito encarnado.
Eu espero que aqueles meus leitores com pretensões literárias (e desejosos de pertencerem à categoria dos escritores de sucesso), possam louvar-se nestas minhas desditas e, da mesma forma que ocorreu comigo, que não cheguem a desanimar em razão dos primeiros insucessos.
Comecem a escrever como se estivessem falando em uma roda de mendigos, onde vocês fossem os mais instruídos e experientes. Não se preocupem com a forma nem com a gramática, mas apenas com o assunto que desejam relatar. Ao imaginarem que escrevem para mendigos, vocês logo perderão a timidez natural daqueles que têm medo de errar e de dizer coisas sem sentido e incoerentes.
Escrevam tentando se convencer de que aquilo que dizem é, razoavelmente, verdadeiro e possui alguma verossimilhança, caso se trate de ensaios. No caso de escreverem contos, crônicas e novelas, por se tratarem estes de ficção, deem asas às suas imaginações: inventem e mintam à vontade. Procurem, sempre, manter o senso de humor ligado (de preferência que ele seja fino, sarcástico e mordaz), pairando por sobre tudo aquilo que estão dizendo.
Tenham vocês próprios como filtros para aquilo que escrevem; isto é, se acharem que o texto está bom, sigam em frente. Não esperem enriquecer ou melhorar de vida com suas obras; pois vocês estão em um país onde quase ninguém lê, e mesmo aqueles que leem não costumam comprar livros. Com certeza, o sucesso chegará bem mais rápido em suas vidas, caso vocês se dediquem a qualquer outra atividade...
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