97. A Sociedade Esotérica
Jober Rocha*
Juvenal sempre fora interessado pelas coisas esotéricas. Toda vez que lhe caia à mão alguns livros ou revistas, que porventura falassem de magia, levitação, alquimia ou quaisquer segredos ocultos, lia-os avidamente. Possuía um colega de trabalho membro de uma Sociedade Esotérica que, veladamente, havia–lhe segredado algumas coisas da ordem que frequentava. Dissera-lhe que os membros da sua organização comunicavam-se, entre si, por meio de sinais, toques e palavras. Através deste processo, segundo lhe dissera o amigo, podiam reconhecer qualquer irmão – pois era assim que se tratavam - em qualquer lugar do mundo.
Interessadíssimo no assunto Juvenal havia tentado, por intermédio do colega, entrar para aquela ordem esotérica a que este pertencia.
Sua tentativa havia sido infrutífera, pois, apresentado pelo amigo tivera seu nome recusado, por maioria plena, no escrutínio secreto realizado na Loja (era assim que se chamavam os locais onde os adeptos se reuniam) à qual desejava filiar-se.
Pouco depois, tendo visto um anuncio na imprensa sobre uma determinada Ordem Esotérica que fazia propaganda em jornais e revistas, preenchera alguns papéis e enviara pelo correio para a caixa postal indicada no anuncio. Algumas semanas depois recebeu um comunicado, informando que seu nome não havia sido aprovado, em razão dos inúmeros processos a que respondia na justiça.
Tentou também a Ordem dos Cavaleiros da Virtude, a Ordem dos Filhos do Profeta, e os Iluminados da Terra Santa, sem o menor sucesso. Algumas delas nem se davam ao trabalho de responder às cartas dele.
Uma ocasião, ao folhear um jornal de determinada seita religiosa, veio-lhe à mente a ideia: - Porque não criar a minha própria sociedade esotérica secreta?
Da ideia passou à ação. Durante alguns meses procurou desenvolver um arcabouço teórico que vinculasse a sua ordem ao antigo Egito, aos mistérios de Isís e Osíris e à Escola Pitagórica. Criou palavras código, sinais e toques de mão, para serem usados pelos membros da sociedade.
Obteve emprestado de um primo um pequeno galpão, perto de um depósito de lixo, que transformou em local de reunião da ordem, à qual denominou “Irmandade de Lanevuj”. Achou que Lanevuj, além de parecer o nome de um ‘guru’ indiano, ainda prestava homenagem ao seu próprio nome Juvenal; já que, simplesmente o havia escrito de trás para diante.
Seu maior problema, agora, era conseguir seguidores. Para tal iniciou campanha junto aos catadores de papéis e garrafas, naquele depósito de lixo próximo.
Dizia aos catadores que, após entrarem para a Irmandade e tomarem conhecimento dos segredos e mistérios da ordem, poderiam transformar lixo em ouro. Apontava para a montanha de lixo e dizia: - Imaginem vocês, tudo isto aqui transformado em pepitas de ouro!
A filiação foi maciça, em que pese os dez reais que cada iniciante era obrigado a pagar mensalmente.
A Irmandade que ele havia criado era dividida em graus, existindo um total de cem deles. Para ascender de grau, o irmão – pois era assim que todos passariam a se chamar, após a filiação – deveria pagar vinte reais. Para cada grau existia uma palavra, um sinal e um toque de mão. Começando sempre pelo sinal, palavra e toque do grau mais baixo (isto é, o primeiro) e fazendo sinais, dizendo palavras e dando toques de graus mais elevados, em determinado momento, ao ter algum sinal, palavra ou toque não correspondido, ficar-se-ia sabendo qual o grau do irmão interlocutor; ou seja, o correspondente aos últimos sinais, toques ou palavras respondidos.
Cada grau, por sua vez, possuía um nome pomposo: Príncipe Catador de Papéis, Soberano das Garrafas de Cerveja, Mestre das Caixas de Papelão, Grande Monarca das Latas Vazias, etc.
Além dos Sinais de Reconhecimento, havia também outros, de Perigo, de Socorro, de Cólera, de Espanto, de Fome, de Cansaço, de Fastio e o de Me Empresta um Dinheirinho que Estou sem Nenhum (este, na maioria das vezes, mantinha os irmãos afastados daqueles que o faziam).
Tendo alguns neófitos sido treinados nos sinais, palavras e toques do primeiro grau, vários destes (louvando-se nas afirmações de Juvenal de que a Irmandade era milenar e possuía sedes e adeptos em todos os países do mundo) foram às ruas, convencidos de que, ao fazerem tudo o que haviam aprendido, seriam, logo, reconhecidos e ajudados por inúmeros membros anônimos daquela Irmandade Esotérica a que secretamente pertenciam.
Um deles, justamente sem dinheiro para a condução, foi para a porta de um movimentado ‘Shopping Center’ procurar um irmão que lhe emprestasse algum. Começou por colocar, segundo havia aprendido com Juvenal, uma mão na orelha e outra no nariz, revirar os olhos e ficar falando as palavras código: - “Quero alegria e paz no seu lar”, seguidas vezes. Em breve viu-se cercado por vários seguranças do shopping. Chamada a polícia, foi conduzido para a delegacia mais próxima sob a suspeita de tentativa de assalto; já que, um dos fregueses – segundo disse na delegacia policial - ao passar por ele, havia escutado este dizer-lhe: - “Quero o seu telefone celular”.
Desfeito o engano e tendo, antes, tomado algumas bordoadas dos seguranças, foi solto.
Outro adepto, encontrando-se na plataforma dos trens de subúrbio para a Baixada Fluminense e sentindo-se mal, resolveu fazer o sinal de socorro. A plataforma estava cheia de trabalhadores que retornavam às suas casas, após um dia estafante de trabalho.
Ao piscar os olhos, seguidamente e colocar as mãos na cintura, viu aproximarem-se dois mulatos altos e fortes. Pensando estar entre irmãos, sorriu-lhes e disse: - “Oi, meus queridos irmãos, estou que não me aguento”!
Um dos mulatos, o mais forte, segurando-o pelo colarinho, disse com uma voz que parecia o ribombar de um trovão: - "Olha aqui, meu camarada, nós não gostamos de ‘frescura’ não. Se você esta que não se aguenta de vontade de arranjar homem, vai procurar em outro lugar"!
Dando-lhe, a seguir, alguns empurrões, deixaram-no de lado, pois a composição já parara na estação e estava prestes a partir.
Outro neófito, estando parado na porta de uma creche-escola, onde vendia balas nas horas vagas, quis testar seus conhecimentos sobre o que havia aprendido com Juvenal.
Assim é que para ver se algum irmão, anônimo, com ele se comunicava, colocou a língua para fora e, a intervalos regulares, coçava acintosamente as partes íntimas, murmurando seguidamente: - “Ai, que coisa boa”!
Os pais que por ali passavam para deixar seus filhos na escola, vendo aquele seu comportamento e julgando-o um pedófilo, reuniram-se e iniciaram um linchamento, só não consumado em razão da chegada da polícia.
Mais uma vez, desfeito o engano, ele foi solto para ir diretamente ao hospital, onde permaneceu internado por vários dias.
Em uma segunda-feira ensolarada, Juvenal, ao retornar das férias em Itaboraí e dirigir-se à sede da Irmandade, fazia as contas de quanto arrecadaria naquele mês com as mudanças de grau. Ao chegar próximo ao lixão, sentiu um forte cheiro de queimado. Julgou tratar-se de fogo no lixo, o que era comum nos dias de sol forte.
Ao virar a esquina, porém, deparou-se com os escombros da sede da Irmandade de Lanevuj. O fogo havia consumido tudo, desde as cadeiras até o trono de espaldar alto, onde, sentado ereto, Juvenal ensinava aos neófitos os mistérios da ordem.
Repentinamente, ouviu um grito ao longe: - “Lá esta ele pessoal”!
Olhando na direção daquela montanha de lixo, avistou uma turba que descia correndo pela encosta, portando paus, enxadas, latas e garrafas.
Juvenal partiu correndo em direção à estação ferroviária, gritando as palavras e fazendo os gestos de socorro que havia inventado.
Ao ser apanhado pela turba enfurecida, para acalmá-los, ainda conseguiu murmurar antes de cair desfalecido: - “Calma, meus irmãos, era hoje que eu ia ensinar a vocês como transformar o lixo em ouro”!
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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