85. Continuação de Diário de um ‘Maluco Beleza’ (Capítulo 25)
Jober Rocha
Capítulo 25
Sexta Feira, 28 de março
Na manhã seguinte, não a encontrando no leito, fui informado por sua governanta que ela havia viajado para visitar a avó na Bielorússia, não tendo data prevista para voltar. A partir daquele dia resolvi que seria celibatário para o resto da vida.
Desde então, deixei de pensar em mulheres e passei a me dedicar a estudos filosóficos. De tanto estudar, ler e interpretar o que diziam os filósofos, aos poucos, finalmente eu consegui formular minha própria Teoria Filosófica. Pude inclusive estabelecer, após muita meditação introspectiva, alguns princípios básicos, que se resumem nos pensamentos apresentados a seguir, aos quais denominei de ‘Leis Fundamentais da Filosofia’:
. Não penso, logo, não consigo terminar uma frase seque...
. Ser ou não ser não é a questão; a questão é quando os outros
começam a desconfiar que você seja.
. Só sei que nada sei, mas, se algum dia souber que sei, então saberei, ou não, se sei ou se não sei.
Sou, certamente, sem falsa modéstia, o primeiro filósofo ocidental a prever, com anos de antecedência, a falência do Sistema Comunista Internacional e a Crise Econômica do Capitalismo, ao afirmar: - “A Dialética Transcendental perder-se-á para sempre, entre Antinomias e Paralogismos, a menos que a Teologia Racional supere a Tradição Epistemológica!”
Tendo a Teoria Filosófica por mim desenvolvida pouca aceitação no meio dos filósofos e desiludido com a economia, com as mulheres e com as ciências, eu decidi dedicar-me em profundidade à religião. Por esta altura, já havia gasto tudo aquilo que acumulara ao longo dos anos e estava passando fome. Às vezes, me via até falando sozinho.
Entrando ao cair da tarde em uma igreja, para informar-me com o padre sobre como fazer para ingressar nas ordens monásticas, ele, ao me observar falando sozinho, supôs que eu orava e, ao observar meu corpo esquelético, me perguntou com doçura há quantos dias não me alimentava.
Ao responder-lhe que havia três dias só bebia água, o padre, com visível alegria, disse-me: - “Que bom que você veio, meu filho, pois vejo que jejua com freqüência e que ora baixinho o tempo todo. Estamos começando, agora mesmo, um grupo de orações e jejum e você veio mesmo a calhar. Pode aguardar ali naquele canto, que a reza e o jejum já vão começar e se estenderão até amanhã pela manhã. Já vou escalar você para os grupos de segunda, quarta e sexta-feira!”
Morto de fome e de sede, eu abandonei aquele local e comecei a vagar, sem rumo, pelas ruas da cidade. Ao passar por uma viela pouco movimentada naquela hora do dia, tive a atenção despertada para uma placa colocada em uma casa, que dizia: ‘Bolsa-Família – Cadastramento’.
Entrando pelo portão aberto, deparei com uma fila de aproximadamente quinze pessoas. Instalando-me no final da fila, aos poucos, fui fazendo amizade com os demais participantes. Um deles até me ofereceu um pedaço da banana que comia, vendo a expressão de fome com que eu o fitava.
Entabulando conversação com o individuo que estava à minha frente, dele obtive preciosas informações. Disse-me, após as apresentações de praxe, que era professor universitário de Física Quântica, com pós-graduação na Inglaterra. Desempregado há quatro meses, vinha recebendo o seguro desemprego. Havia se candidatado ao Vale-Gás e para os filhos menores ao Bolsa-Escola. O filho mais velho, que havia puxado à mãe, entrara para a universidade pública através do sistema de quotas. Outro filho, condenado por roubo, recebia o auxílio reclusão. Como o professor havia sido de esquerda em sua juventude e militado em um grupo revolucionário, entrara, recentemente, com um pedido de aposentadoria e salários retroativos, junto a um chamado “Comitê de Indulto e Esquecimento”.
Enquanto aguardava o desfecho do seu caso, estava ali, na fila, para solicitar a Bolsa-Família. Sugeriu-me que eu arranjasse uma esposa grávida para pleitear, também, o Auxílio-Natalidade. Deu-me, a seguir, o endereço do restaurante e do hotel onde se comia e dormia a um Real, que ficavam nas proximidades. Como a fila estivesse demorando muito a andar, já que a quantidade de documentos solicitados era enorme e o funcionário encarregado do cadastramento estava assumindo as suas funções naquele dia; isto é, não possuía nenhuma experiência prévia em cadastramentos, despedi-me do professor de quem já ficara amigo e, novamente, continuei a andar sem destino.
No entanto, sem que eu me apercebesse, a mão da providencia divina conduzia-me, diretamente, para o sopé de uma favela. Em lá chegando, os moradores ao verem o meu estado cadavérico e andrajoso, julgaram que se tratava de um mendigo doente e alcoólatra e me deixaram ficar em um barraco desabitado. Deram-me de comer e de beber e, aos poucos, fui retomando as minhas antigas condições físicas.
Em agradecimento, comecei a prestar pequenos serviços àquela comunidade, seja levando determinados embrulhos bastante pesados a um barraco situado no alto do morro, onde vários moradores de binóculos apreciavam a vista do mar, seja conduzindo envelopes fechados que deviam ser entregues aos membros de uma determinada viatura policial; viatura esta que, todos os dias e ao anoitecer, circulava por aquela comunidade. Imagino que os envelopes continham a relação das pessoas da localidade necessitadas de auxílio do poder público e que, para não melindrá-las, os seus nomes eram mantidos em sigilo escritos em uma folha guardada naquele envelope.
Com isto adquiri, com o passar do tempo, grande conhecimento e amizade junto ao meio policial, já que era sempre saudado com alegria pelos integrantes de várias outras viaturas que circulavam pelas imediações daquele morro.
Recuperado completamente, um dia recebi a visita de vereador cuja base eleitoral situava-se justamente naquela localidade e que, após dizer que admirava muito o meu trabalho comunitário junto àquelas famílias carentes, oferecia-me um lugar de assessor em seu gabinete na Câmara. Confesso que fiquei bastante entusiasmado, principalmente quando soube do elevado valor do salário, aceitando de imediato a vaga que ele me oferecia. Apenas estranhei, após haver assinado todos os papeis, quando, em resposta à minha pergunta sobre a data em que começaria a trabalhar, ele respondeu: - “Não precisa se incomodar não, parceiro. Vai trabalhando por aqui mesmo, pois a Câmara está em obras e não tem nem lugar para sentar!” Despediu-se de mim colocando os papéis em sua pasta e, desde então, nunca mais o vi.
Jamais recebi o salário que ele me prometeu; mas, acredito que ele o estivesse guardando para entregar-me ao final das obras, quando, então, eu teria o meu lugarzinho a seu lado, no gabinete da Assembléia Legislativa. Enquanto este dia não chegava, em razão do grande conhecimento que eu possuía do mercado financeiro, por ter feito o curso técnico de Contabilidade, fui convidado por alguns investidores importantes da comunidade, a prestar assessoria econômico-financeira sobre como aplicar bem e com segurança, o enorme volume de recursos financeiros ali gerados pelas atividades econômicas locais, relacionadas com a indústria do fumo e dos fármaco-químicos.
Iniciei, a partir de então, um período de intensas e prolongadas viagens ao Paraguai; pois, os investidores da favela (todos com cargos de gerente) faziam questão de que os seus recursos fossem aplicados exclusivamente naquele país. Tantas vezes fui ao país vizinho, que já era até conhecido dos guardas da fronteira, os quais me saudavam efusivamente após brindá-los, como eu freqüentemente fazia, com algumas garrafas de uísque doze anos.
Certa ocasião, hospedado em um hotel na cidade de Pedro Juan Caballero, na divisa entre o Brasil e o Paraguai, conheci um senador que, após saber do meu trabalho junto aos investidores da favela, convidou-me a ir até a capital, onde apresentaria outros colegas senadores e deputados, todos interessados naquele tipo de consultoria que eu desenvolvia.
(Continua no dia seguinte – nota do autor)
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