quinta-feira, 14 de julho de 2016


104. Como se tornar um escritor de sucesso

(Capítulo 6)

Jober Rocha

Capítulo 6


             Havia-se passado tanto tempo que a minha esperança, naquela ocasião, era de que o filho daquela velha senhora já houvesse deixado o mundo dos vivos pelas mãos de algum policial honesto (que não estivesse a serviço do tráfico) ou, até mesmo, que ele se encontrasse cumprindo longa pena em distante presídio de segurança máxima no interior do país. 
                 Assim, pensando em retornar ao Rio, fiquei na dúvida se iria de avião ou de ônibus. Minhas recordações do passado, ainda vivas na memória, levaram-me a desconsiderar ambos os meios de transporte, e a tomar emprestado um dos diversos automóveis do meu antigo patrão, abandonados em sua garagem; já que - assim pensei na ocasião - no lugar onde ele estava cumprindo pena, aqueles veículos não lhe seriam de nenhuma serventia e, ademais, quando ele fosse solto, dezoito anos depois, nem se lembraria de quantos automóveis tinha antes de ser preso. Enchendo o carro e o porta-malas com várias roupas que encontrei no armário do seu quarto, tomei o rumo da Avenida Brasil, rodovia que liga São Paulo ao meu Estado de origem.
                Depois de oito horas de viagem, pois vim em velocidade moderada para não ser multado em um dos quase duzentos “pardais” existentes naquela via, cheguei a capital do meu Estado. Com satisfação, constatei que nada havia mudado naqueles vários anos em que permaneci ausente: as ruas continuavam sujas e esburacadas; os sinais de trânsito apagados; os policiais todos em suas casas, pois não se via nenhum nas ruas; os ônibus cheios e quase caindo aos pedaços; filas por todos os lugares, principalmente nas portas dos bancos. A contemplação daquilo me deixou alegre e rejuvenescido, pois, afinal, podia finalmente relaxar, já que estava em casa novamente.
                  Encontrei um hotel na zona sul, sem garagem, onde me hospedei pretendendo ficar por alguns dias até conseguir alugar um apartamento. Com os recursos que havia ganhado como assessor parlamentar, acrescido daqueles que encontrei em um pequeno cofre embaixo da cama do deputado (ao procurar um par de chinelos usados para por em minha mala), possuía o suficiente para viver alguns anos sem me preocupar em ter de ganhar a vida trabalhando.
                Depois de um lauto almoço no restaurante do hotel, aproveitei para um passeio pela orla marítima. Como estava bem trajado fui alvo de alguns olhares femininos, certamente, influenciados pelo grosso cordão de ouro que eu trazia no pescoço e pelo relógio Rolex, também de ouro, que carregava no pulso.
              Alguns leitores mais perspicazes logo pensarão: - Ele não possuía cordão de ouro nem relógio Rolex, como é que estas jóias entraram agora nessa estória? 
              A estes leitores, esclareço que ambos encontravam-se, também, dentro daquele cofre do deputado, que mencionei anteriormente. Resolvi trazê-los porque sempre ouvi dizer que o ouro, se não for usado, envelhece e perde a cor. Pretendia devolvê-los, tão logo eu fosse comunicado (daqui a uns dezoito anos) por e-mail, fax ou telex, sobre o alvará de soltura e colocação em liberdade de meu ex-patrão.
                Assim, sentado em uma mesa de bar com vista para o mar, fui abordado por uma linda jovem falando em castelhano, que me pediu algumas informações. Convidei-a para sentar e tomar uma bebida e ficamos ali, os dois, conversando sobre amenidades.
                  Ela, conforme me afirmou na ocasião, possuía nacionalidade norte-americana, mas era de descendência mexicana. Encontrava-se na cidade a negócios e turismo. Disse que resolvera contatar-me, logo após notar aquele grosso cordão de ouro em meu pescoço e julgar que eu fosse um diretor de Escola de Samba. Era louca de vontade de conhecer uma destas escolas e poder participar de uma roda de samba. Teria assunto para contar durante os longos meses de inverno em seu país, quando todos ficavam retidos pela neve em suas frias casas, sem ter o que fazer – segundo confidenciou, olhando-me ternamente nos olhos e segurando a minha mão.
                  Resolvi, então, levá-la a uma escola de samba, que já havia frequentado tempos atrás e que ficava próxima do meu hotel. Após uma noitada de samba e de bebidas, como o hotel dela ficasse muito longe, ela sugeriu que fossemos para o meu, mais próximo, onde poderia descansar um pouco até amanhecer e poder pegar um táxi. Foi o que fizemos. Cheguei tão cansado e meio tonto da bebida, que fui logo dormir. Na manhã seguinte não a encontrei no quarto, nem o meu cordão no pescoço e o relógio no pulso. Imaginei havê-los retirado antes de dormir; mas, ao entrar no banheiro para lavar o rosto, encontrei escrito no espelho da pia, com batom vermelho, uma simples e única palavra: “Otário”.
                    Meus dias, a partir de então, resumiam-se em ir à praia, almoçar, ver televisão e dormir. O carro no qual eu havia vindo de São Paulo, deixado na rua em razão do hotel não dispor de garagem, estava todo arranhado e depenado, com várias multas pregadas no vidro dianteiro. Divertia-me passando por lá, às vezes, para ver quais as novas peças que haviam sido levadas pelos ladrões. O veículo já estava em cima de quatro tijolos, utilizados pelos larápios para calçar o carro enquanto retiravam as rodas. Os bancos já haviam sido levados, junto com a bateria, os faróis, os espelhos e as lanternas.
                   Certo dia um flanelinha, vendo-me contemplar o veículo, disse: - Quer que tome conta? Cinco reais cada hora! 
                    Nem respondi e continuei andando sem destino pelas ruas do bairro.

(Continua)

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