103. Como se tornar um escritor de sucesso
(Capítulo 5)
Jober Rocha
Capítulo 5
Dali, segui para outra parte da comunidade onde fiz a mesma pregação. Ao findar o dia já havia pregado em muitos lugares e era conhecido por quase todos os moradores, que me cumprimentavam efusivamente sempre que me viam. O próprio chefe daqueles homens que portavam fuzis, chegando-se a mim perguntou reservadamente: - Eminência, você acha que o dono desse tal de Reino dos Céus deixaria que nós vendêssemos os nossos ‘bagulhos’ por lá, numa boa?
Respondi-lhe que uma das características do dono daquele reino era ser muito tolerante e muito amoroso. Quem sabe uma boa conversa dele, como chefe da comunidade e daquele grupo armado, não seria suficiente para o convencer a autorizar aquele novo comércio no seu reino?
Satisfeito com a minha colocação, o chefe me abraçou e disse: - Sangue bom, quando eu conseguir implantar o meu império fora da lei, você será meu relações públicas e embaixador para assuntos estrangeiros!
À noite, em meu quarto, fui procurado pelo deputado que fora informado do meu bom desempenho na comunidade. Disse-me, na ocasião, que tinha grandes planos para mim. Pretendia levar-me para trabalhar com ele, diretamente na câmara. Falou que meu potencial era grande e que eu poderia contribuir muito mais, ao seu lado como ‘laranja’, do que como sacerdote na comunidade. Pensei que era alguma brincadeira com relação aquilo que eu lhe dissera na véspera, quando me ofereceu o trabalho de assessor parlamentar: - A política para mim é um verdadeiro ‘abacaxi’! - afirmei na ocasião.
Imaginei que ele estivesse me dando o troco, com aquele sua brincadeira de referir-se a ‘laranja’. O fato é que, a partir de então, tirei aquela batina surrada e passei a trajar um belo terno azul marinho, que seu motorista havia me emprestado, e comecei a frequentar o gabinete do deputado.
Aquilo sim foi uma escola de aprendizado que todos aqueles que almejam conhecer o âmago da Natureza Humana deveriam frequentar.
O gabinete parecia-se muito com uma grande loja de departamentos, pois ali havia de tudo para ser negociado: obras públicas eram planejadas, contratadas e pagas, antes do início das mesmas; vagas em concursos públicos eram vendidas, antes das suas realizações e da divulgação dos resultados; cargos na administração pública eram criados para atender à maioridade dos filhos de vários companheiros, também políticos; grandes verbas publicitárias eram distribuídas para empresas do setor, objetivando a que criassem e divulgassem uma boa imagem pública de determinados políticos amigos; a frota de veículos era trocada todos os anos e os veículos antigos eram vendidos, a preços de sucata, para prepostos dos políticos; ONG’s, pertencentes a ‘laranjas’, eram contempladas com verbas públicas, etc. etc. etc.
Como a lição que recebera do tropeiro era a de que procurasse primeiro ajudar a mim mesmo e aprender mais, fiquei por ali atento a tudo que via, buscando aprender mais para depois poder ajudar.
Durante os meses em que permaneci naquele gabinete, presenciei inúmeras concorrências serem planejadas, os seus ganhadores serem escolhidos antes da realização das mesmas e as comissões para os políticos serem pagas antecipadamente. Muitas vezes, era eu mesmo que carregava a pasta cheia de dólares, euros e reais. Outras vezes, as vultosas quantias eram depositadas em uma determinada conta, aberta em meu nome, na qual minha assinatura havia sido feita pelo próprio deputado que, toda vez que necessitava de dinheiro, sacava daquela conta assinando por mim, como se eu próprio fosse.
Líderes sindicais ali iam, com freqüência, buscar suas ‘mesadas’ pelos serviços prestados na condução da massa trabalhadora, segundo as ordens e orientações que recebiam de diversos políticos. Jornalistas recebiam, com certa regularidade, recursos financeiros para divulgar determinadas notícias, dando-lhes destaque ou, até mesmo, evitando a divulgação de notas que não fossem do interesse de políticos e de partidos. Representantes de países e de empresas estrangeiras ali iam, periodicamente, levar suas contribuições financeiras para aqueles políticos que aprovavam ou vetavam projetos, segundo os interesses daqueles países e daquelas empresas. Ali tudo era negociável e tudo tinha um preço.
Alguns meses naquele ambiente correspondiam, para qualquer político novato, à ‘Graduação em Malandragem’; alguns anos representavam o ‘Mestrado em Negócios Escusos’ e algumas décadas significavam o ‘Doutorado “Cum Laude” em Organizações Criminosas’.
Tendo permanecido naquela assessória durante três anos, sai com o título de Mestre. A causa de minha saída deveu-se mais a fatores supervenientes do que, propriamente, a qualquer desgosto meu com os serviços que fazia. O fato é que o meu deputado viu-se envolvido em inquéritos, instaurados pelo Ministério Público, que apuravam a venda de apoio parlamentar ao Executivo e, tendo ele sido condenado a muitos anos de prisão, fiquei sem ter o que fazer naquele vasto gabinete.
Assim, cansado de comer finas iguarias e de saborear bebidas importadas, de passear de carro oficial pela cidade e de frequentar os cinemas locais durante o horário de expediente, resolvi deixar tudo aquilo e retornar para o meu Estado natal.
(Continua)
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