segunda-feira, 11 de julho de 2016


94. A Humildade

Jober Rocha*



                                                                                                  
                      Reza a lenda que em um reino distante do Oriente, um dedicado monarca, certa vez, resolveu premiar o seu súdito mais humilde. Para tanto, aconselhado por seus Ministros, instituiu um concurso em que os candidatos deveriam ser submetidos a diversas provas relacionadas com a Humildade. O vencedor seria, então, aclamado como o mais humilde dos súditos e coberto de muitas honras e glórias.
                              Divulgado o Édito Real em todos os recantos do reino, aguardou o rei a inscrição de eventuais candidatos.
                              Ao final de alguns poucos dias o número de candidatos inscritos era tão grande, que o soberano resolveu reformular seu édito e, ao invés de submeter os candidatos a várias provas, determinou ao sábio do reino que elaborasse uma única pergunta, cuja melhor resposta indicaria o súdito mais humilde.
                         O velho sábio, em seus aposentos na torre do castelo, passou a noite em claro tentando formular uma única pergunta, que permitisse a seleção do mais humilde dentre tantos candidatos.
                            Na manhã seguinte o sábio dirigiu-se ao rei e entregou-lhe um pergaminho dobrado, onde estava escrita a pergunta que formulara durante a noite. O rei, abrindo o pergaminho, leu a seguinte pergunta: Diga-me o que é ser uma pessoa humilde?
                             Nos dias que se seguiram, aquela pergunta foi constantemente formulada a cada um dos candidatos. O sábio que a formulara ficou, assim, encarregado de selecionar a melhor resposta.
                            Após semanas ouvindo o que diziam os concorrentes, o sábio foi surpreendido pelas palavras do último dos candidatos, um jovem que ao ser inquirido respondeu:

- Meu pai, que era uma pessoa humilde, me ensinou que ser humilde é ser conformado sem fraqueza, é ter dignidade sem soberba, autoridade sem despotismo e piedade sem sentimentalismo. É ter fé no espírito humano e a certeza de que o melhor prêmio é a consciência do dever cumprido. É desprezar as futilidades, apreciar a franqueza, jamais sendo rancoroso e estar sempre pronto ao perdão e a reconciliação. É cultivar a liberdade de espírito e ser firme nas decisões, jamais se fechando a razão. É ter sempre bom animo nas grandes dores e ser, ao mesmo tempo, rígido e suave, aceitando sem demérito e recusando sem dureza. É ter gravidade sem estupidez e, sobretudo, ter paciência com os ignorantes. É jamais demonstrar cólera nem nenhuma outra paixão, sendo o mais impassível e o mais terno dos indivíduos. É elogiar com discrição, ser culto sem pedantismo, corrigir sem melindrar. É jamais demonstrar indiferença às queixas de um ser humano contra outro, mesmo que infundadas, mas procurar sempre apaziguar as relações entre ambos. É dedicar a família afeto verdadeiro e amor à verdade e à justiça. É ser senhor de si mesmo, nada fazendo ao acaso e cumprir, sem teimar, com suas obrigações. É ceder, sem inveja, a primazia a quem se distinguir por qualquer superioridade. É ter assiduidade e amor ao trabalho, recompensando a cada um segundo seus méritos. É ser fiel aos amigos e bastar-se a si mesmo, evitando todo movimento irrefletido, toda transgressão apaixonada das leis da razão, toda dissimulação, toda vaidade e toda revolta contra o destino. Finalmente, é ser um indivíduo inteligente e sociável.
- É isso que eu tenho procurado fazer ao longo da minha vida, seguindo sempre os ensinamentos do meu pai - finalizou o jovem.
                  Ouvindo aquelas palavras, o sábio teve a certeza de estar diante do vencedor. Conduzindo-o, imediatamente, a presença do rei, afirmou a este que havia finalmente encontrado o seu súdito mais humilde.
                    O rei, entusiasmado com o que lhe dizia o velho sábio, convidou aquele jovem para sentar-se ao pé do trono e indagou-lhe sobre quem era e o que fazia.
                       O jovem disse chamar-se Hiran e tratar-se de um filósofo por vocação e de um pedreiro por profissão.
                    Perguntou-lhe, então, o rei, quais as honras e as glórias que desejava por ter sido o vencedor daquele concurso.
                  O jovem respondeu ao monarca: - Majestade, quando respondi à pergunta que me formulou o sábio do reino me esqueci de mencionar algo.
- Pois mencione, então, agora! - disse-lhe o rei.
- Esqueci-me de dizer-lhe que ser humilde é, principalmente, desdenhar a vanglória das chamadas honrarias - falou o jovem.
                     Ante aquela resposta franca do jovem, o rei, imediatamente, levantou-se indignado. Chamou seus guardas e mandou que o prendessem e que atirassem o insolente jovem no calabouço.
 - Afinal, quem esse rapaz pensa que é para desdenhar as honrarias, coisa que todos os meus súditos sempre desejaram ardentemente,  inclusive eu mesmo? – murmurou baixinho o velho monarca, enquanto alisava a longa barba branca e se dirigia, sonolento, para os aposentos reais.  No caminho ele seguiu pensando em fazer um novo concurso; mas, desta vez, para eleger o melhor e o mais humilde monarca, dentre todos aqueles do Oriente. Ao chegar à sua cama, já tinha até imaginado qual seria o prêmio deste novo concurso, do qual, sem dúvida alguma, seria ele o grande vencedor.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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