112. O Aniversário do Sicrano**
Jober Rocha*
Depois dele haver passado o seu aniversário de sessenta anos sozinho, em casa e sem a presença de nenhum parente ou amigo (em razão do constante mau humor e da irritabilidade pelos quais era conhecido por todos aqueles que com ele privavam), resolveu, no dia seguinte, como uma pequena vingança pessoal a todos os amigos, parentes e conhecidos, que nem haviam se dado ao trabalho de lhe telefonar desejando votos de felicidade, enviar correspondências pelos Correios, para quantos constavam do seu caderno de notas; bem como, mandar e-mails com aquele mesmo texto, aos demais cujos endereços eletrônicos estavam nos seus arquivos na internet.
Uma destas correspondências chegou às minhas mãos, por sermos ambos velhos conhecidos dos bancos escolares, muito embora não nos víssemos há inúmeros anos. Assim, passo a reproduzi-la aos meus leitores, a continuação, para que percebam ate que ponto podem chegar a canalhice e a desfaçatez na alma de um mísero ser humano:
Caro amigo Fulano,
Foi, realmente, uma pena você não ter comparecido ao meu aniversário, transcorrido nos salões do conhecido e tradicional Hotel Copacabana Palace, alugados por amigos comuns que, fazendo questão do anonimato e procedendo de forma sigilosa, queriam me proporcionar comemoração natalícia a altura das nossas velhas amizades. Assim, me forneceram estes benfeitores, gratuitamente, cerca de cinqüenta e poucos convites para que eu os distribuísse entre os meus amigos e parentes mais chegados, e você é um daqueles para quem eu enviei convite; embora, infelizmente, não tenha podido contar com a sua presença.
A magnífica decoração dos salões (sim, pois eram três os salões alugados) estava inspirada em um tema bastante interessante; isto é, baseava-se na exaltação de virtudes como a cordialidade, a camaradagem, a estima, o apreço, a afeição e a ternura. Creio que escolheram o tema para retratar os sentimentos que os uniam a mim e eu a eles, desde longa data.
Imagino que o convite que lhe enviei pelos Correios tenha se extraviado ou que acabou retornando à agência, em razão do fato de você não se encontrar em sua residência por motivo de alguma viagem de estudos ao interior do país ou, até mesmo, ao exterior, coisa que sempre gostava de fazer segundo me recordo.
O bufete não poderia ter sido melhor escolhido pelos organizadores: Caviar, camarões, lagostas e frutos do mar variados; tudo isto, regado com muita champanhe Veuve Clicquot. Carnes de todos os tipos, saladas diversas e finas iguarias da cozinha francesa, saboreados pelos presentes nos intervalos entre um e outro gole dos melhores Chiantes italianos, dos vinhos espanhóis de Rioja e dos franceses das regiões de Bordeaux e de Bourgogne.
As sobremesas eram tantas e tão variadas que mesmo os convidados tendo saboreado, durante horas, aquele tão lauto jantar, ainda desfrutaram, por longo tempo, de todas aquelas doces iguarias preparadas pelos diversos ‘Chefs de Cuisine’ franceses.
A orquestra, tocando durante toda a comemoração, possuía um repertório enorme de musicas da nossa época de rapazes. Lembra-se daquele tempo em que os casais dançavam juntos, enlaçados e de rostos colados? Pois foi exatamente isso mesmo que aconteceu.
A maior parte das moças presentes, todas jovens e convidadas em uma sauna próxima pelos organizadores, acharam a maior novidade dançar de rosto colado com velhos sessentões como eu e os nossos contemporâneos que lá estavam. Eu, inclusive, presenciei várias trocas de cartões, com telefones e endereços, entre aquelas jovens e os velhos sessentões presentes. Alguns casais, até mesmo, saíram juntos da festa com destino ignorado.
Recorda-se daquela jovem por quem você era apaixonado em sua juventude? Acho que foi a sua primeira namorada; pois é, ela estava lá, sozinha. Parece a mesma pessoa que conheci na juventude, pois os anos não modificaram em nada o seu belo corpo nem o seu lindo rosto. Passou a noite toda sem dançar com ninguém. Quando lhe indaguei o motivo pelo qual também não dançava, respondeu-me que estava aguardando a sua chegada. Foi uma pena que você não tenha podido estar presente. Vi quando ela, depois de tanto esperar, foi embora com lágrimas nos olhos e suspirando.
Eu recebi tantos presentes que estou com um quarto cheio deles, aqui em casa. Muitos presentes não vieram com a indicação do remetente e, por esta razão, estou sem poder agradecer aqueles amigos e parentes que os enviaram.
Rogo a você, meu velho amigo, que me diga qual o presente que eventualmente mandou, mesmo sem ter ido, para que eu possa agradecê-lo. Se ainda pretende enviar algum presente, mesmo atrasado, meu endereço atual é: Rua tal, número tal, CEP tal.
Segundo ouvi de um dos organizadores, eles pretendem repetir esta comemoração do meu aniversário durante os próximos anos, variando apenas o local onde a festa será realizada. Você, certamente, será convidado para o próximo evento (independente de haver mandado presente ou não, neste meu aniversário que passou); bem como, convidarei também, novamente, aquela sua bela e fogosa primeira namorada, que acabou me convidando para um drinque, hoje à noite, em sua casa, ao qual não poderei faltar.
Aceite um forte abraço do velho amigo de sempre,
Sicrano.
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Conto premiado em segundo lugar no 3º Festival Literário de Poesia e Prosa de Porto Feliz, SP. Prefeitura de Porto Feliz, SP. 2016.
_**/ Conto premiado em segundo lugar no 3º Festival Literário de Poesia e Prosa de Porto Feliz, SP. Prefeitura de Porto Feliz, SP. 2016.
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