92. O condenado
Jober Rocha*
Ele era deputado na capital federal e havia sido condenado, em última instância, a vinte anos de prisão em regime fechado, como o único responsável por um grande crime envolvendo corrupção passiva, formação de quadrilha, fraude em concorrência, desvio de recursos públicos, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
O crime havia sido descoberto e denunciado por dois jornalistas investigativos que atuavam na capital da república. Segundo ele, que desde o início negara tudo com convicção, não cometera nenhum daqueles ilícitos penais; embora afirmasse, em sua defesa, que havia perdido todos os documentos em uma viagem de ônibus de sua casa, no Lago Sul, para a Câmara dos Deputados. O fato, todavia, não foi levado em consideração pelos procuradores federais e pela justiça; ainda que as únicas provas que o incriminassem fossem algumas cópias Xerox de seus documentos, encontradas em um cofre, no gabinete de um rico e famoso empresário.
Encontrava-se, assim, em um presídio de segurança máxima, em cela isolada, já há quase cinco anos. Nos poucos momentos destinados ao banho de sol, misturava-se com outros detentos, em sua maioria gente pobre e desesperada por haver perdido a liberdade; alguns deles, até mesmo, já quase dementes.
Ele costumava dizer a todos os companheiros de cárcere, que o Estado havia prendido, apenas, o seu corpo e que a sua alma era e sempre seria livre.
No interior da cela onde ficava, logo que a porta era fechada pelo carcereiro, sua mente viajava por lugares distantes, que já visitara como deputado nos tempos em que era político poderoso. Imaginava mil locais, acontecimentos e diálogos. Nunca estava só, tendo sempre por companhia, em sua mente, homens e mulheres agradáveis com os quais convivia (muitos deles autoridades federais dos três poderes da república ou diplomatas de potências estrangeiras), conversando, saboreando drinques, degustando finas iguarias e interagindo tranquilamente. Assim, passaram-se os dias, os meses e os anos.
Em uma noite quente de verão foi acordado pelo carcereiro, ordenando-lhe que se aprontasse para uma entrevista com o diretor. Conduzido à presença deste, foi-lhe dito que haviam descoberto o verdadeiro culpado pelos crimes que lhe atribuíram (em delação premiada, um empresário preso havia informado que o verdadeiro culpado era o zelador da equipe da noite, que, interrogado, havia confessado) e, por conseguinte, ele estava sendo libertado naquela ocasião.
Abriram-lhe, então, os portões do presídio, no dia seguinte pela manhã, e ele voltou para a sua casa funcional no Lago Sul (que ainda estava cedida a ele, desde o inicio de todo o processo). Como chegou cedo, resolveu ir dar um passeio a pé pela orla do lago.
Após passar a manhã e a tarde tomando sol e se banhando nas águas do lago, retornou para casa ao anoitecer. Após jantar e ver um pouco de TV, recolheu-se para dormir.
A noite inteira sonhou com sua cela na prisão. Nos meses e anos que se seguiram à sua libertação, dia e noite, não conseguia afastar da mente a velha cela, onde passara tantos anos como recluso.
Horrorizado constatou que, embora tendo soltado o seu corpo, finalmente haviam conseguido prender a sua alma.
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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