sexta-feira, 29 de julho de 2016


114. Cantigas de Ninar e Cantigas de Roda

Jober Rocha*


           Certa ocasião, o amigo de um amigo meu encontrava-se perdido em uma mata, na qual havia penetrado durante caminhada ecológica com um grupo de companheiros seus admiradores da natureza; todos eles, na ocasião, fugitivos do mesmo presídio naquele dia.
                Perdendo-se dos demais companheiros de fuga e sem encontrar a saída daquela mata, ele resolvera acampar por ali mesmo, pois já anoitecia e decidira aguardar o dia clarear para procurar uma boa rota de fuga.
                 Já deitado foi surpreendido por vozes distantes, que pensou serem as de seus companheiros do presídio ou das equipes de busca da polícia. Resolveu, então, caminhar na direção daqueles sons para verificar.
              Chegando bem perto pode contemplar, sentados em uma clareira e em volta de uma fogueira, um grupo de pessoas vestidas de preto e usando capuzes da mesma cor, onde apenas se viam os orifícios dos olhos.
            Prestando atenção ao que um deles, com atitudes de chefe, falava aos demais, ouviu a seguinte conversa: 
- “Companheiros de organização, a nossa ordem, desde mais de uma centena de anos, vem se dedicando a malévola iniciativa de incutir o vício e o mau caráter em todas as crianças de nosso país. Sabemos que é de pequeno que se torce o pepino e, portanto, se queremos transformar a nossa nação em uma nação voltada inteiramente para mal, temos que começar a trabalhar a mente dos cidadãos desde a mais tenra idade”.
- “Por isto, os poetas do mal e os músicos maléficos da nossa organização, vêm desenvolvendo canções de ninar e canções de roda, que, cantadas inocentemente pelas mães, babás, avós e pelas próprias crianças, ao longo dos anos, incutem mensagens subliminares nas mentes infantis, de modo a que, quando estas crianças crescerem e forem maiores de idade, já tenham sido inseridas em seus cérebros as sementes do mal”.
- “A teoria por detrás desta técnica é a de que, sendo repetidas inúmeras vezes como um verdadeiro ‘mantra’, estas cantigas, veiculando conceitos, modos de proceder e juízos de valor, serão absorvidas pelo inconsciente das inocentes crianças e, mais tarde, o individuo já formado adotara determinada maneira de encarar a vida, achando que aquele modo de agir vem de dentro de si mesmo, de sua própria natureza interna”.
- “Com o progresso da ciência e o desenvolvimento das sociedades, nós temos, todavia, de nos adaptar aos tempos e aos costumes, como já percebia o filósofo Cícero ao afirmar: Ó tempora, ó mores”.
- “Assim, as canções envelhecem, as palavras caem em desuso, os ritmos e os gostos musicais mudam com o transcorrer do tempo; portanto, o nosso objetivo aqui, nesta noite e neste local isolado, é de discutir quais serão as novas canções e os novos ritmos que lançaremos para as nossas crianças, durante os próximos anos, de modo a manter suas mentes infantis eternamente sob a nossa maléfica influência”.

            Não aguentando mais ouvir o que aquele ser maligno dizia, ele saiu dali, sorrateiramente, tentando, em vão, encontrar um caminho que o levasse ao encontro de alguém a quem pudesse denunciar tudo aquilo que ouvira no interior da mata e torcer para que esta pessoa se dispusesse a conduzir as autoridades policiais até o local onde se encontravam aqueles conspiradores; já que ele, como fugitivo, não podia procurar diretamente qualquer autoridade.
             Finalmente encontrou uma saída daquela mata fechada, porém, como ainda trajava o vistoso uniforme do presídio (cor de laranja), resolveu dirigir-se direto para a sua casa localizada próxima do presídio (aproveitando-se das brumas da noite) e cair logo na cama, pois estava exausto em razão das inúmeras emoções daquele dia.
              Já em casa, no dia seguinte, ao meditar sobre tudo aquilo que havia presenciado e que, até então, parecia fruto de um sonho alucinado, percebeu que, na realidade, as nossas canções de ninar e as cantigas de roda (antigamente cantadas por pais e avós nas cabeceiras das camas de filhos e netos), muito mais do que simples passatempo para embalar crianças, possuíam, intrinsecamente, um caráter ideológico e, até mesmo, maquiavélico; já que, seus idealizadores (identificados quase sempre como ‘autores desconhecidos’; porém, que agora, como uma organização que conspirava para o mal, ele ficara conhecendo) enviavam, através delas, às desprotegidas mentes infantis, valores negativos através de mensagens subliminares de pessimismo, de ignorância, de incompetência, de autoritarismo, de discriminação, de apologia aos vícios, etc.
                Para que ninguém pensasse que tudo o que ele vira e ouvira era pura invenção, ou que padecia de demência-senil estando, no momento, sob os efeitos de um grave surto psicótico ou feito uso de alguma substância química estupefaciente, ele mencionou apenas como exemplo as seguintes canções que tivera o cuidado de ouvir e de guardar as letras, alertando a todos para as terríveis mensagens que transmitiam:

Mensagem subliminar de incompetência e/ou de apologia da violência
1.“Atirei o pau no ga to to, mas o ga to to não morreu, reu, reu,..”;
2.“A canoa virou, pois deixaram virar. Foi por causa do fulano que não soube remar...”;
3.“Eu fui ao Itororó beber água e não achei, achei bela morena que no Itororó deixei...”;
4.“Terezinha de Jesus, numa queda foi ao chão...”

Mensagem subliminar de pessimismo e/ou conformismo
5.“Eu sou pobre, pobre, pobre de marré, marré, marré..”..

Mensagem subliminar de vanglória ou de orgulho
6.“Eu sou rico, rico, rico, de marré, marré, marré”...

Mensagem subliminar de apologia a ignorância

7.“Palma, palma, palma, pé, pé, pé, palma, palma, palma, caranguejo peixe é.”

Mensagem subliminar de apologia ao desvio de conduta sexual 
8.“Escravos de Jó, jogavam caxangá, tira, bota, deixa ficar. Guerreiros com guerreiros fazem zig, zig, zá.”
Mensagem subliminar de incitação ao medo e/ou a discriminação racial e/ou apologia a violência
9.“Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta...”;
10.“Samba crioula que veio da Bahia, pega na criança e joga na bacia...”;
11.“Eu sou o lobo mau, lobo mau, lobo mau, eu pego as criancinhas pra fazer mingau...”;
12.“Nana neném que a cuca vem pegar...”

Mensagem subliminar de discriminação social e/ou incentivo ao autoritarismo e/ou incompetência
13.“Marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso pro quartel. O quartel pegou fogo, a polícia deu o sinal...”

Mensagem subliminar de incentivo a má fé e/ou ao ludibrio e/ou a ambição desmedida

14.“O anel que tu me destes, era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco se acabou.”;
15.“Dizei, senhora viúva, com quem quereis se casar; se é com o filho do conde ou é com o seu general, general, general.”; 
16.“Quem quer casar com a dona baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha.”

Mensagem subliminar de incentivo a lassidão e/ou a preguiça e/ou a desconfiança e/ou ao medo
17.“Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar...”;
18.“Cai, cai, balão, cai, cai, balão, aqui na minha mão; não vou lá, não vou lá, não vou lá, tenho medo de apanhar.”

Mensagem subliminar de apologia à mentira e/ou a discriminação social
19.“A barata diz que tem sete saias de filó; é mentira da barata, ela tem é uma só...”.
20.“A barata diz que só faz viagem de avião; é mentira da barata, ela vai é de busão...”

Mensagem subliminar de incentivo à violência conjugal
21.“O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada, o cravo saiu ferido e a rosa despedaçada.”

Mensagem subliminar de discriminação religiosa e/ou de incentivo a preguiça e/ou ao desleixo e/ou a ambição
22.“Mas uma feiticeira má, muito má, muito má, adormeceu a Rosa assim, bem assim. O mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor. Um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei, que despertou a Rosa assim, bem assim”.

                Ainda tendo em mente o que ouvira no interior daquela mata, e analisando o assunto, ele pudera constatar que, nos dias atuais, em razão da crescente urbanização e de suas principais mazelas, (dentre as quais destacava a violência, a falta de espaço para o lazer das crianças e a necessidade dos pais trabalharem fora), a maioria dos nossos jovens, na atualidade, perdeu o costume de brincar na rua, local onde eles aprendiam as citadas cantigas de roda. 
               Assim, hoje em dia, no interior das suas casas ou nos colégios, através dos meios eletrônicos disponíveis (computadores, televisores, rádios, toca fitas, etc.), as nossas crianças, sempre brincando sozinhas, recebem os sucedâneos daquelas antigas canções, que são os modernos Rap’s e os Funk’s, também estes com apelos contrários às virtudes, porém, agora, adaptados aos novos tempos e as novas realidades (feitos por aquela mesma organização maligna, porém, que já não mais necessita fazer uso das mensagens subliminares de antigamente, que eram atenuadas e disfarçadas, em razão de uma eventual censura exercida pelos familiares, sempre presentes junto das crianças), pois a liberdade de expressão, tão comum à chamada ‘democracia brasileira’, chegou até nós para ficar.
              Como aquelas antigas canções fizeram parte de nossa infância, nelas não percebemos nenhum mal, nenhum inconveniente e, pelo contrário, as julgamos, até mesmo, divertidas e instrutivas. Da mesma forma, as crianças de hoje criadas livres nas favelas, nas periferias ou nas mansões condominiais, também encaram os Rap’s e os Funk’s (criados por aquela ordem do mal) como simples canções, sem nenhuma conotação perniciosa.
                 É evidente que as mensagens subliminares contidas naquelas antigas canções infantis, vistas sob a ótica de hoje, podem ser consideradas suaves, ingênuas, divertidas e infantis; face ao ataque direto proporcionado pelos Rap’s e Funk’s, que pregam abertamente a apologia ao crime, através da confrontação armada direta com os poderes constituídos, o consumo e o tráfico de drogas, a violência, os roubos, os assaltos, etc.
                  Embora tendo ele denunciado, posteriormente e através de carta anônima, às autoridades policiais competentes, tudo aquilo que presenciara naquela terrível noite dentro da mata (e, certamente, não tendo sido levado á sério pelas mesmas autoridades), estava cada vez mais convencido de que o Ministério da Cultura e o Ministério da Justiça, além do Ministério Público e da Promotoria dos Direitos Difusos (entidades diretamente responsáveis pelo assunto), iriam continuar atentas, como sempre faziam, fiscalizando à preservação dos valores culturais e morais da sociedade. 
                  Se até o presente nenhuma medida ou ação fora, ainda, tomada para coibir tais práticas, é porque estas autoridades, com certeza, esperavam o momento oportuno para dar o bote e prender toda a ‘corja de mal intencionados daquela organização criminosa’ (que elaborava e divulgava as antigas e malignas canções de ninar e de roda; bem como os atuais Rap’s e Fank’s incentivando a prática de crimes), escondida, muitas vezes, sob o pseudônimo de ‘autor desconhecido’...

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.


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