domingo, 3 de julho de 2016

82. Continuação de Diário de um ‘Maluco Beleza’

 (Capítulo 22)

Jober Rocha



Capítulo 22
Terça feira, 25 de março


                  Revendo algumas antigas fotografias do meu tempo de criança, ocorreu-me um episódio que vivenciei e do qual, ainda hoje, guardo a nítida lembrança.
                           O acontecimento que abalou a pequena cidade de Ribeirópolis, no interior do Estado, ocorreu muito antes de a mídia mundial começar a divulgar, incansavelmente, casos de contatos de primeiro, segundo e terceiro graus com seres extraterrestres ou, até mesmo, episódios de abduções por naves alienígenas. 
                          Os únicos seres que poderiam almejar descer dos céus, conforme a crença local admitia, eram os anjos - que o padre da antiga igreja, construída pelos primeiros desbravadores do sertão, não cansava de elogiar em suas pregações aos domingos e dias santos.
                            Naquele lugar longínquo, onde a televisão ainda não havia chegado, os jornais saiam quinzenalmente e a rádio local apenas irradiava as palavras do vigário e uma ou outra música sacra (dentre as quais a mais tocada era a Ave Maria); era praticamente impossível que uma estória como aquela, que vou contar-lhes por dela haver participado como um dos coadjuvantes, não fosse integralmente verdadeira e aceita, sem questionamentos, pelos habitantes locais.
                       Meu pai, em razão de grave revés financeiro sofrido em decorrência da comercialização de ‘produtos piratas’, mudara-se com toda a família para aquele pequeno município (que possuía alguns garimpos de pedras preciosas e algumas fazendas agro-pecuárias), objetivando livrar-se do assédio diário de alguns oficiais de justiça, bem como entrar no ramo da exportação clandestina daquelas pedras e, com isto, recuperar o seu antigo patrimônio perdido.
                          A casa onde fomos residir ficava as margens de um rio que, embora manso e relativamente pequeno, na época das chuvas tornava-se caudaloso e avançava até quase o nosso quintal.
                             Em uma casa vizinha a nossa residia uma família de gaúchos, que também fora para aquela região, alguns anos antes, buscando tentar a sorte na agricultura. Possuíam duas filhas, uma com dezessete anos e a outra com dezoito. 
                                 As meninas eram lindíssimas. Tinham belos olhos verdes, cabelos louros e corpos que eram olhados com inveja pelas outras mulheres, e com cobiça por todos os homens do local. Sabedoras do valor intrínseco que possuíam, em uma terra onde o tipo físico predominante de mulher era o da cabocla ou da cafuza, vendiam bem caro os seus olhares brejeiros àqueles pobres jovens locais, que as assediavam em suas incansáveis disputas.
                             Entretanto, por força dos hormônios próprios da idade, elas eram vistas, muitas vezes, suspirando pelos cantos e folheando uma ou outra revista que lhes caia às mãos, com fotos de artistas de cinema, de cantores ou de atletas de qualquer modalidade esportiva.
                             Em uma manhã nublada, após uma noite chuvosa com muitos raios e trovões, quando o nível do rio subira quase alcançando a cerca do terreno da casa, seus pais, ao entrarem no quarto que ocupavam as meninas, para acordá-las, constataram que as mesmas haviam desaparecido.
                              Procuraram-nas primeiro pelas vizinhanças, com o auxílio de amigos da família e de admiradores das moças; depois, por todo o município, com o auxilio da polícia. Elas haviam desaparecido totalmente. Parecia que ambas tinham sido conduzidas dali para local desconhecido, sem deixar nenhum vestígio ou marcas. Suspeitou-se de assassinato, de rapto ou, até mesmo, de fuga. Entretanto, por mais que o povo da cidade especulasse a respeito, seus pais não viam qualquer motivo para nenhuma das hipóteses levantadas.
                         Instadas pelo padre e pela congregação de beatas, foram feitas inúmeras novenas milagrosas, rogando aos céus pela volta das duas lindas jovens.
                            Eu, como jovem vizinho e admirador fervoroso de ambas, que costumava espioná-las tomando banho de rio quase desnudas, participei, voluntária e incansavelmente, de todos os esforços promovidos para encontrá-las; pois, ainda não tinha perdido as esperanças de algum dia vir a desfrutar do interesse e dos favores de alguma delas.
                         Por fim, com o passar do tempo, todos assumiram que elas realmente haviam desaparecido, misteriosamente, para não mais voltar.
                            Tendo passado oito meses da data do sumiço das jovens, em uma bela manhã de sol, as duas apareceram no centro da cidade, cada uma carregando uma pequena maleta na mão.Vinham da direção da fazenda de propriedade de dois irmãos, solteiros e ricos, que plantavam café e cacau para exportação.Traziam, além das pequenas maletas, duas enormes barrigas, indicando que ambas estavam lá pelo oitavo ou nono mês de gestação.
                          Em casa, na presença dos pais, do padre e de diversos moradores, elas puderam, finalmente, contar uma fantástica estória sobre o que lhes havia ocorrido. 
                         Segundo relataram, envergonhadas e cabisbaixas, naquela noite de chuva forte, repentinamente, o quarto onde elas dormiam havia sido iluminado por uma intensa luz, que as cegou momentaneamente. 
                           Com a diminuição gradativa da intensidade da luz, puderam ver dois anjos que as convidaram a visitar a morada dos Deuses. Os anjos fizeram-nas entrar em um veículo prateado que, a uma velocidade incrível, as havia conduzido para uma terra distante, em um local do céu para elas totalmente desconhecido.
                             Naquela terra tudo era diferente do que conheciam aqui na Terra. Embora só tivessem ficado poucos dias visitando aquele local, os anjos lhes informaram que no lugar de onde tinham vindo (a Terra) já haviam transcorrido vários meses, em razão do fenômeno físico da relatividade espaço-temporal. 
                              Ao conduzi-las de volta para a Terra, afirmaram que o crescimento de suas barrigas, que elas já haviam notado, era normal e devia-se a um fator gravitacional, que acometia a todos os viajantes espaciais. Com o passar do tempo aquelas barrigas enormes desapareceriam. Disseram, também, que os Deuses, dentro de mais alguns dias, enviariam dois bebês para que elas cuidassem, com vistas a observar se aqueles pequenos filhos de divindades se adaptariam as condições atmosféricas e a vida em nosso planeta.
                          Os seus pais, muito religiosos, ao ouvirem aquela narração ajoelharam-se para orar em agradecimento, no que foram seguidos pela multidão de trabalhadores rurais e de garimpeiros, que a tudo assistia.
                          O padre, demonstrando certo ceticismo, deu início a uma oração em louvor dos Deuses, que foi rezada por todos os presentes, naquela ocasião.
                         Os bebês, que chegaram poucos dias depois, eram (segundo opinião daqueles que os contemplavam) muito parecidos com os dois ricos fazendeiros locais; os quais, rapidamente, prometeram ao padre mandar erguer em suas terras uma capela em agradecimento aos Deuses, por aquela deferência de enviar dois anjos tão parecidos com eles. 
                      Certa ocasião, meses depois, eu realizava um pequeno trabalho a pedido do pai das jovens, no sótão da casa deles, quando, ao abrir um pequeno baú cheio de velharias, encontrei o livro de um autor inglês, traduzido para o português, com uma estória muito parecida com aquela do depoimento que eu ouvira relatado pelas meninas.
                          Muito religioso imediatamente pensei, fazendo contristado o sinal da cruz: - Milagres realmente acontecem. Quando os Deuses querem, até mesmo a ficção pode se transformar em realidade...


(Continua no dia seguinte – nota do autor)


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