segunda-feira, 4 de julho de 2016

83. Continuação de Diário de um ‘Maluco Beleza’ (Capítulo 23)

Jober Rocha

Capítulo 23
Quarta Feira, 26 de março

                      Ocorreu-me, hoje pela manhã, um episódio que vivenciei anos antes de adquirir a enfermidade que ora me acomete. O fato ocorreu, justamente, no dia em que eu saía de férias rumo a casa de campo de um amigo, no interior de Minas Gerais.
                            Entrei naquela oficina mecânica do subúrbio procurando por um alicate, para apertar a porca do terminal da bateria do carro que estava um pouco frouxa, dificultando a partida do veículo ao virar a chave de ignição.
                         O mecânico, tipo magro, de olhar inteligente e fino bigodinho sobre o lábio, ao apanhar o alicate, abrir o capô e apertar a referida porca, disse, como quem não quer nada: - Às vezes a dificuldade em dar a partida é da bobina que está com defeito. Vou dar uma olhadinha para o senhor!
                         Sem esperar a minha concordância, ele começou a retirar a bobina e, logo após, levou-a lá para dentro, para teste. Eu, sem jeito, não falei nada e fiquei apenas olhando.
                            Pouco depois, o mecânico voltou lá do fundo com o seguinte diagnóstico: - Ela esta mesmo condenada. Essa, já era. Quando a bobina dá defeito, sobrecarrega a ignição eletrônica que acaba pifando também; vou dar uma olhadinha para o senhor, patrão!
                         Em seguida, foi retirando a ignição eletrônica, que também levou lá para dentro. Retornando, pouco tempo depois, o mecânico afirmou: - Esta também está condenada. Vou ver as velas e os seus cabos; pois, estes, também dificultam a partida quando estão com problemas!
                          Foi logo retirando os cabos das velas e as próprias, que levou lá para dentro. Ao voltar foi curto e grosso: - Não disse ao senhor, patrão? Os cabos estão cortados e as velas todas sujas. Tem que trocar tudo!
                      Enquanto falava, seu ajudante, tipo baixo e atarracado, com olhar suspeito, ia substituindo as peças condenadas por peças novas.
                        Após ter trocado as mangueiras do radiador, as pastilhas de freio, a bomba d’água, a bomba de gasolina, o cano de descarga e os amortecedores, o mecânico apresentou a conta de dez mil reais, dizendo que o material trocado era todo original e, por isso, havia ficado um pouco mais caro. Disse, ainda, que nem tinha cobrado a mão-de-obra, por haver simpatizado comigo e querer me ajudar naquele momento difícil.
                              Eu, acanhado, peguei o cartão de crédito e paguei o conserto.
                           Ao sair da oficina, sob os cumprimentos e curvaturas do mecânico e do seu ajudante, pensei comigo mesmo: - Puxa vida, ainda bem que meu carro, retirado hoje da concessionária e no qual vou viajar de férias, é zero quilômetro e só tinha esses poucos defeitos. Imagino quantos defeitos o carro poderia ter, se eu, ao invés deste veículo novo, tivesse adquirido um usado. Sou um sujeito de sorte, já que o mecânico descobriu logo aqueles problemas, pois, caso contrário, eu poderia ficar enguiçado no meio de qualquer estrada deserta e acabaria perdendo alguns dias de minhas férias!
                             Enquanto seguia dirigindo, pensava: - Até que não foi tão caro assim. Vou parcelar em doze vezes no cartão, economizarei nos restaurantes e, no final, nem perceberei o impacto da despesa.
                           Hoje, recordando-me do caso, acho que a moléstia que atualmente me acomete o cérebro já devia ter se instalado, naquela ocasião, e, sorrateiramente e sem que eu daquilo me desse conta, vinha prejudicando a minha capacidade de avaliar as situações e de julgar o meu comportamento e o dos demais. Ainda hoje, em que pese alguns amigos terem dito que eu fui enganado pelo mecânico, continuo achando que ele, realmente, queria me ajudar...

(Continua no dia seguinte – nota do autor) 





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