108. Eu sou do tempo...
Jober Rocha*
Eu sou do tempo em que os da minha geração eram todos patriotas, que acreditávamos e confiávamos em nossas autoridades e em nossos governantes. Estes, por sua vez, sabiam que eram representantes do povo e que, tão somente, para servi-lo haviam sido investidos em seus cargos e em suas funções.
Naquele tempo era uma alegria, para mim, torcer emocionado para o time de futebol do meu país ou pelas nossas equipes esportivas, em qualquer partida de qualquer esporte e em qualquer lugar. Ainda não existiam os resultados de partidas negociados antecipadamente, o comércio dos atletas de esportes profissionais e amadores, que transformou tudo apenas em cifras, em busca das quais, vendem-se tudo, inclusive a honra e a soberania. É o caso da Copa do Mundo que, pela primeira vez, foi realizada no Brasil a um custo exorbitante, muito mais elevado do que o de todas as copas anteriores juntas e, hoje sabemos por denuncias, com muita corrupção e resultados negociados (que motivaram a prisão e a extradição para os USA de dirigentes da FIFA e da CBD).
Hoje, muitos de nós, sentimos vergonha do nosso país, das nossas autoridades, da nossa falta de civilidade, da cultura de violência em que estamos inseridos, das nossas carências em meio a tanta abundância
Hoje, muitos de nós, sentimos vergonha do nosso país, das nossas autoridades, da nossa falta de civilidade, da cultura de violência em que estamos inseridos, das nossas carências em meio a tanta abundância
Como aplaudir uma equipe nacional na qual a maioria dos seus integrantes joga por times estrangeiros, recebe salários milionários pelo pouco que faz pelo nosso país (quando comparados com outras categorias profissionais), vive e mora fora do Brasil e não se importa com a situação política, econômica e social de nossa gente?
Como vibrar pelo sucesso de um evento como as Olimpíadas, que custou ao nosso povo milhões de dólares (bilhões de reais); recursos estes que tanta falta fazem para a saúde, a segurança, a educação, o transporte e a alimentação das nossas populações carentes e que foram parar, superfaturados, nos bolsos de políticos, governantes e empresários, conforme inquéritos policiais em curso.
Como ficar satisfeito com a péssima imagem que passamos aos demais países, de falta de organização, de cidades sujas, sem transporte de massas, sem saneamento, sem hospitais adequados, com muita violência e com autoridades corruptas e empresas corruptoras?
Como torcer pelo sucesso de um empreendimento onde muitos espertos ganharam rios de dinheiro e o nosso próprio povo sequer tem recursos para adquirir ingressos, embora as obras bilionárias tenham sido construídas com verbas arrecadadas do povo mediante uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo?
Como estar contente sabendo que, terminado este atual evento das Olimpíadas, igual ao ocorrido nas copas do mundo de futebol realizadas na Grécia e no Brasil, anos atrás, os estádios e as demais obras faraônicas, edificadas para o referido evento, serão abandonados e corroídos pelo tempo (por falta total de recursos para conservação e manutenção), tornando evidente o desperdício de dinheiro público?
Como me alegrar, ao ver que as verbas inexistentes para as escolas, para os hospitais e postos de saúde, para as polícias (civil e militar), para o aparelhamento das Forças Armadas, para o pagamento do funcionalismo municipal e estadual, além dos aposentados e pensionistas, para a manutenção das estradas e rodovias, etc., etc. e etc.; milagrosamente, aparecem em grande quantidade, em se tratando de um evento tão supérfluo quanto este em um país tão carente quanto o nosso? A prioridade destes eventos, que consomem tantos recursos, é, tão somente, a da sua contribuição para a alienação da população e para engordar as contas bancárias dos políticos e dos empresários envolvidos nas obras.
Assim, amigos leitores, não encontro - por mais que procure - qualquer motivo de alegria, que justifique alguma comemoração da minha parte pela simples vitória do nosso time em uma partida de futebol, contra algum time estrangeiro, ou por algumas medalhas eventualmente alcançadas por nossos atletas. Isto (ao contrário do que propalam aqueles que possuem interesses comerciais, políticos, financeiros e econômicos no futebol e em outros esportes, bem como em uma eventual vitória de nosso time, de nossas equipes ou de nossos atletas), não significa que somos melhores do que quaisquer outros povos ou países e não constitui razão para ufanismos da nossa parte. Significa, tão somente, que somos um povo frívolo, despolitizado e ignorante, que gasta recursos escassos em atividades supérfluas; ao contrário de ouros países que se recusaram a sediar eventos desta magnitude, por terem a exata consciência de suas prioridades.
Você, caro amigo, neste exato momento deve estar se perguntando: - Afinal, de que tempo é esse que você fala, já que as coisas sempre foram assim em nosso país?
Claro que sempre foram assim, embora ocorressem em bem menor escala; só que, muito do que foi dito anteriormente, além de valer para o nosso país, vale, também, hoje em dia, para a maior parte dos países participantes destes eventos esportivos, onde os interesses financeiros e comerciais sobrepõem-se a todos os demais.
O tempo de que falo, para finalizar, é aquele que forjou o meu caráter e faz parte da minha infância. Lembro-me de que em pequeno eu respeitava o meu pai, a minha mãe, os mais velhos e as autoridades do meu país, era patriota e torcia sempre pelo Brasil. Respeitava os meus mestres e professores, sabia cantar os hinos nacionais e cedia o lugar e a primazia aos mais velhos, nas conduções ou em qualquer outro local em que estivesse. Aqueles eram tempos de inocência, de crenças, de sonhos, de honestidade e de patriotismo.
Mudaram-se os tempos ou eu, infelizmente, é que acabei mudando?
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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