62. Vocês querem bacalhau?
Jober Rocha*
Acredite, estimado leitor, que durante as últimas festas natalinas (entre lombinhos, rabanadas, castanhas, pernis e postas de bacalhau), lembrei-me do saudoso Abelardo Barbosa, conhecido no rádio e na televisão como ‘Chacrinha’ e como ‘O Velho Guerreiro’.
Seus programas na televisão eram irreverentes e ele, vestido como Carmem Miranda, costumava atirar para a platéia abacaxis, bananas e até mesmo bacalhau. Suas frases prediletas eram: “- Alô, alô Terezinha, vocês querem bacalhau?”, “- Eu vim para confundir e não para explicar!”, “- Quem não se comunica se trumbica!”.
Figura jocosa, todos nós sabíamos que ele falava de gozação para um público interessado nas variedades e nos espetáculos que apresentava. De maneira similar, nossos mandatários políticos, eleitos por milhões de brasileiros para explicar e não para confundir, fazendo de seus palanques e palácios auditórios de onde aplicam as mais modernas técnicas de comunicação de massa disponíveis na atualidade (que dariam inveja ao ‘Joseph Goebbels’, Ministro da Propaganda de Hitler, e ao próprio ‘Chacrinha’, também), após haverem concedido ao populacho que os elegeu todo tipo de benesses, em breve deverão perguntar-lhes, de olho nas próximas eleições: - E agora, vocês querem bacalhau?”
O comando ou a chefia de um país (da mesma forma como o de qualquer um dos Estados que o compõem), principalmente quando seu povo é inculto e pouco sério como o nosso, assemelha-se a um espetáculo teatral. No centro do palco, o mandatário eleito limita-se a ler o seu ‘script’, redigido pelas elites nacionais ou internacionais, que entendem tudo de Bilheteria, um pouco de Roteiro e nada de Literatura Teatral.
O publico, na maioria das vezes, não conhecendo o conteúdo da peça, fixa-se, apenas, no desempenho dos artistas. Repara em seus gestos exuberantes, em suas vozes altissonantes e em suas vestimentas luxuosas. Ao final, aplaude ou vaia, apenas, pela interpretação dos atores e pela magnificência do espetáculo.
As elites repetem a mesma peça de quatro em quatro anos, trocando, eventualmente, aqueles atores cujo desempenho não foi o esperado ou que quiseram modificar o ‘script’ por iniciativa própria, em determinado momento do desenvolvimento da peça ou da cena política.
Em algumas poucas ocasiões o publico, desinformado e inculto, enjoa-se daquela peça e daqueles artistas. Isto dá chance para que outro empresário teatral apresente sua própria peça, que é a mesma que vem sendo levada há anos pelo grupo anterior; porém, estes novos empresários acrescentam algumas pequenas modificações no enredo, substituem os artistas nos papéis principais e modificam os figurinos.
A propaganda, pública e privada, encarrega-se de apresentá-la como inédita; ou seja, como tendo vindo diretamente da ‘Broadway’, onde fez sucesso estrondoso durante anos.
Mais uma vez, o público brasileiro enganado compra entradas e aguarda esperançoso por um final feliz.
A direção deste teatro político, que passa a maior parte do tempo no exterior tratando de seus investimentos e de seus negócios (quase sempre escusos, como as contas secretas que mantêm nos paraísos fiscais), exerce rigorosa censura sobre as peças que serão encenadas, que deverão ter antecipadamente aprovados os nomes dos artistas, o roteiro, o texto e o seu autor.
Um jovem escritor com idéias próprias, neste contexto, dificilmente verá uma peça sua encenada em um teatro oficial de qualidade, na capital da república. Terá de contentar-se com o teatro alternativo, e muitas vezes clandestino, nas periferias e a preços populares.
Ocorre, todavia, que as elites empresariais que comandam o grande espetáculo do teatro político nacional, ao distribuírem meias-entradas e gratuidades ao público de baixa-renda, impedem, na origem, a possibilidade de afirmação e de expansão de um teatro alternativo patriótico e nacionalista.
Os intelectuais nacionais, notadamente os bons escritores, têm tentado, aparentemente sem sucesso, esclarecer ao público para que escolha conscientemente as peças a serem assistidas e os seus respectivos atores.
-“Na falta de boas peças e de bons atores, não vá ao teatro, anule a sua vontade de buscar uma distração de baixo nível, não alimente esta farsa!” – declaram alguns destes intelectuais.
–“Não deixe que a mediocridade de autores e de atores prolifere e que, apenas, o interesse pela glória efêmera, pelo aplauso fácil e pelo interesse pecuniário, leve os jovens brasileiros a motivarem-se pelas artes cênicas!” – afirmam outros.
Intelectuais mais radicais que os anteriores, propõem a destruição, pela força, do atual teatro político oficial e a edificação de outro sobre as cinzas do anterior; bem como, a substituição, tanto dos autores quanto dos atores nacionais, por outros; não importando se nacionais radicais ou, até mesmo, estrangeiros.
Entretanto, o publico brasileiro, cativo e alienado, embora não aprovando algumas vezes as peças e os atores, sonha, também, em ver seus filhos trabalhando na ribalta ou, até mesmo, em conseguir para si mesmo um papel de coadjuvante na peça política em cartaz (papel este bem remunerado e de preferência com uma comissão, uma função gratificada ou um DAS), mesmo que seja apenas para ficar no fundo do palco e sem nada fazer, em qualquer peça do teatro oficial.
Ao saborear uma taça de champanhe, ouvindo ao fundo os acordes de ‘Jingle Bells’, eu meditava que enquanto esse mesmo público brasileiro (principal espectador e mantenedor de todo este espetáculo político teatral que é aqui representado) não se decidir, de uma vez por todas, quer pela comédia, pelo drama ou pela tragédia, o futuro do teatro político nacional deverá, infelizmente, ser aquele previsto com inteligência e hábil manipulação, já há muito tempo, pelos empresários e produtores atuais; isto é, espetáculos de farsa (por vezes incluindo uma tragicomédia), com bilheteria cheia, peças medíocres e atores vulgares.
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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