domingo, 5 de junho de 2016


34. A Nova Moral do Politicamente Correto 

                       Jober Rocha*


           O termo Comportamento Politicamente Correto, muito usado em nosso país na atualidade, está relacionado a uma nova abordagem política que busca estabelecer linguagem e comportamento próprios (aparentemente neutros), de modo a evitar que possam ser ou que venham a ser ofensivos ou preconceituosos com relação a pessoas de determinados grupos sociais, principalmente, em razão de raça, sexo ou religião. Linguagem e comportamento, como todos sabem, fazem parte dos hábitos, costumes, usos e regras, que se materializam na assimilação social dos valores morais.
            Neste contexto, sem que muitos se apercebam, está sendo estabelecida uma nova moral, desvinculada daquela de genealogia religiosa vigente no país, até então, sob a ótica eufemística do ‘Comportamento Politicamente Correto’. 
           A expressão ‘Politicamente Incorreto’, por sua vez, é a que trata de nomear formas de expressão e de comportamento que procuram externar supostos preconceitos sociais, sem receios de nenhuma espécie. Este conceito é entendido, por alguns acadêmicos, ditos de esquerda, como uma forma de se expressar e de ter um determinado comportamento, considerados incorretos e utilizados por grupos conservadores de direita. O Comportamento Politicamente Correto, neste contexto, seria aquele que deveria ser seguido pelos cidadãos e de que se já utilizariam  os liberais e os progressistas de esquerda. 
                Os conceitos sobre aquilo que é ou não politicamente correto, entretanto, são estabelecidos em nosso país pelos senhores no poder e pela ideologia de esquerda dominante, sendo expressos, através da Mídia cativa e subserviente, para absorção pelas massas populacionais incultas e inocentes com respeito à Genealogia da Moral.
             Os que criticam o ‘Comportamento Politicamente Incorreto’ o acusam de fascista, enquanto os críticos do ‘Comportamento Politicamente Correto’ o acusam de patrulhamento ideológico de tendência marxista. Como alguém já disse, em algum lugar, ambos os lados buscam denegrir um ao outro, na busca por um espaço na mente dos nossos pacatos cidadãos.
                 Dentre os poucos filósofos que se ocuparam sobre a Genealogia da Moral (como a moral se origina), Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo alemão do século XIX, foi um dos que apresentou as idéias mais revolucionárias sobre o tema. Em sua obra ‘Genealogia da Moral’, o filósofo faz uma crítica à moral vigente em sua época, buscando responder a perguntas tais como: - Sob quais condições o homem inventou os juízos de valor contidos nas palavras bem e mal? Que valores possuem tais juízos? Eles estimularam ou impediram o desenvolvimento da Humanidade até os dias atuais? São eles sinais de indigência, de empobrecimento ou de degeneração da vida humana?
Nesta sua obra, o autor distingue duas classes de seres humanos: a dos senhores e a dos escravos (a aristocracia e a plebe). Pertencentes a classe dos senhores, segundo ele, duas categorias distintas competiriam entre si pelo poder: a dos guerreiros ou dos militares (que praticava as virtudes do corpo e que conduzia as coisas da guerra) e a dos sacerdotes (que praticava as virtudes do espírito e que conduzia as coisas divinas). Desta competição e rivalidade entre as duas categorias, surgiriam duas morais distintas: a dos senhores, oriunda dos guerreiros, e a dos escravos, oriunda dos sacerdotes; já que estes, na luta pelo poder, acabaram por aliar-se aos escravos para, sobrepujando os guerreiros, ocupar o lugar antes pertencente aos senhores.
                Em outro livro seu, ‘O Anticristo’, Nietzsche condena a religião cristã pelos meios de que se utiliza; dentre eles, o aviltamento e a autoviolação do homem por meio do conceito de pecado. Segundo ele, “Para dominar a massa é necessário fazê-la infeliz, criando os conceitos de pecado, de culpa e de castigo”. Assim, o homem deve sofrer de modo a que sempre tenha necessidade do sacerdote. Desta forma, segundo o filósofo, por meio da invenção do pecado é que o sacerdote dominaria senhores e escravos.
           Nietzsche afirmava, ademais, que: “O pecado tem sua origem no sentimento de culpa, instigado nas massas pelos sacerdotes”. Segundo ele, “os sacerdotes, ao serem questionados pelos pobres de espírito (os seres mais fracos perante a Natureza) sobre as razões de seus sofrimentos, indicariam, como resposta, que eles deveriam buscá-la em si mesmo, em uma culpa anterior, e que deveriam entender o seu sofrimento como uma punição”. 
            Assim, o doente foi transformado em pecador e para expiar seus pecados teria que viver atrelado ao sacerdote, pois só ele poderia levá-lo ao reino dos céus, onde se livraria de todos os sofrimentos.
             Os argumentos utilizados por Nietzsche para defender os seus pontos de vista, contrários à moral implantada pela religião cristã, eram os de que a análise do que é bem ou é mal, estabelecida pela religião, iria contra os valores naturais e nobres daqueles que, por seus atributos naturais e seu comportamento guerreiro, desde tempos imemoriais, detinham o poder e a posse dos bens terrenos. Ao estabelecer, a partir de sua impotência e do seu ressentimento, a valoração dos conceitos de bem e de mal que beneficiariam os chamados escravos (utilizando-se de critérios considerados divinos), em detrimento dos denominados senhores, a religião praticou uma transvaloração destes valores, convertendo em mal aquilo que antes era bem e em bem o que antes era mal. 
          Para o filósofo, vontade e poder não se separam. Os fracos, segundo ele, a partir do estabelecimento destes valores morais com base na religião, ocultariam a impotência com a máscara do mérito e da bondade. A baixeza transformar-se-ia em humildade, a covardia em paciência. Os fracos, ainda segundo Nietzsche, seriam, conforme esta transvaloração, os justos que odiariam a injustiça oriunda dos fortes. 
             Assim, a moral estabelecida com base em critérios religiosos e não mais em critérios de ordem natural, como nos primórdios, seria, para o filósofo, algo contra a Natureza do ser humano, negando a realidade da vida e justificando-se em critérios supostamente divinos. 
         A classe dominante, a partir de então, pela aceitação e pela adoção desta nova moral estabelecida pela religião, passou a sofrer de má consciência e criou a ilusão de que deter o poder, acumular riqueza e possuir o mando era algo que devia ser considerado errado. Para o filósofo, a vida humana consistia apenas em vontade de poder, de dominação e, em última instância, em vontade de potência. 
            As verdadeiras virtudes, para ele, eram: o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual, a amizade, a veneração, os bons hábitos, a vontade inabalável, a disciplina intelectual e a vontade de poder. Ele era contrário a qualquer tipo de igualitarismo e, até mesmo, à ideia do Imperativo Categórico de Immanuel Kant. Como ateu, era contra o estabelecimento da moral por critérios religiosos.
       Os argumentos de Nietzsche foram utilizados pelos nazistas, na época da Segunda Guerra Mundial, para defender as teses de supremacia racial alemã, o que fez com que alguns leitores, com pouca leitura, considerassem erroneamente Nietzsche como um precursor do nazismo.
             Voltando, agora, ao Politicamente Correto mencionado, vemos, na atualidade, que em tempos de comunismo ateu ou, simplesmente, de ateísmo puro e simples, uma nova moral está sendo aos poucos estabelecida, não mais por critérios de ordem religiosa, mas por critérios de ordem política; até porque, o grande poder de que dispunham as religiões ocidentais cistãs tem sido substancialmente reduzido, principalmente naqueles países, como o nosso, onde a esquerda assumiu o comando, já há algum tempo, e o Estado se diz laico. 
          A mesma transvaloração apontada por Nietzsche, com respeito à implantação da moral religiosa, sem dúvida, estará ocorrendo com respeito ao estabelecimento daquilo que é considerado politicamente correto, em tempos de uma nova ordem moral sendo implantada pelo ateísmo. 
               Como exemplo, vemos que a Mídia, sustentada com verbas públicas e comprometida com os detentores do poder, não cansa de destacar e incentivar comportamentos considerados imorais (contrários aos bons costumes tradicionais) e amorais (afastados de quaisquer preocupações de ordem moral), com base naquela moral tradicional estabelecida pela religião. 
              No presente, muitos vícios já são considerados virtudes e muitas virtudes consideradas vícios. Leis são feitas para proteger ou acobertar comportamentos viciosos ou, até mesmo, criminosos. Muitos comportamentos imorais, antiéticos, delituosos ou criminosos já são tolerados ou aceitos pelas pessoas, pouco faltando para que sejam considerados comportamentos normais. Muitos intelectuais, empresários e militares, membros estes de uma elite patriótica e voltada para o nosso desenvolvimento sócio-econômico em bases democráticas e capitalistas, já começam a ter receio de se expressar ou de proceder de maneira considerada politicamente incorreta, temerosos de alguma represália ou, até mesmo, por acreditarem, já influenciados pela Mídia, que esta maneira de se expressar ou de proceder é realmente errada (da mesma forma como chegaram a acreditar os senhores de antanho, quando da implantação da moral religiosa, segundo Nietzsche). Por vezes, ao vermos artistas, intelectuais, políticos, autoridades públicas, etc. fazendo determinadas afirmações, totalmente imorais e antiéticas, como se fossem as coisas mais normais e naturais, percebemos que, realmente, a moral em nosso país está mudando.
             Como bem destacou o filósofo, através da transvaloração dos valores morais, o bem pode passar a ser considerado mal e este passar a ser considerado bem, por aqueles que conseguem ver os seus conceitos de moral vitoriosos, implantados e aceitos.
              Não é meu objetivo defender o estabelecimento de uma moral dos senhores nem o de uma moral dos escravos, segundo a concepção de Nietzsche. Também não é meu escopo defender a moral tradicionalmente estabelecida pela religião, nem uma nova moral a ser estabelecida pelo ateísmo marxista, mediante o eufemismo de ‘Politicamente Correto’. 
               Meu objetivo com este ensaio é apenas o de reafirmar que a verdade, qualquer que seja ela, por mais guardada e escondida dos indivíduos, um dia surgirá clara aos olhos humanos, mesmo que tenha sido impedida de ser evidenciada por quaisquer critérios ou meios, sejam de ordem moral ou de qualquer outra ordem. Nada como o tempo para desnudar os acontecimentos.
             Da mesma forma, os nossos pensamentos e as nossas ações, sempre dentro dos marcos legais, devem ser baseados em nossas próprias convicções e concepções do que é certo ou do que é errado, de modo que nos sintamos em paz com as nossas consciências e sem ressentimentos ou sentimentos de culpa por assim proceder, mesmo que estes pensamentos e estas ações estejam em desacordo com os critérios considerados politicamente corretos do momento. Como dizia Cícero: “O Tempora, o mores”!

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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