47. Como presentear a um Filósofo?**
Jober Rocha*
O aniversário daquele filósofo e professor de Filosofia seria na próxima segunda-feira, e os poucos discípulos e amigos que tinha combinaram uma festa surpresa em sua homenagem. A festa seria bem simples com salgadinhos, muita vodca, refrigerantes e um bolo com duas pequenas velas, uma delas com o número seis e a outra com o número zero, pois ele completava sessenta anos; dos quais há pelo menos trinta dava aulas de Filosofia.
No sábado, um dos seus alunos teve a ideia de telefonar aos demais sugerindo que se cotizassem para dar-lhe um presente. Todos concordaram imediatamente; mas, o problema surgiu na hora da escolha do mesmo. Um discípulo sugeriu camisa, mas outro lembrou aos demais que ele tinha apenas uma e que não a tirava nem para tomar banho. Alguém falou em comprar um livro, mas todos concordaram que ele já havia lido tudo, sobre quase tudo, e seria difícil dar-lhe alguma obra que ainda não houvesse lido.
Pensaram em levá-lo para almoçar em algum local próximo, mas reconheceram que ele quase não saia de casa, a não ser para as aulas na universidade, e também não gostava de apanhar sol. Uma aluna sugeriu que lhe comprassem uma poltrona nova, onde pudesse meditar durante todo o dia, como fazia sempre, sentado naquela velha cadeira, já gasta pelo tempo, que havia em seu humilde escritório. Esta ideia, entretanto, embora aceita pelos demais, fugia ao orçamento deles.
Foi sugerido um animal de estimação, que lhe fizesse companhia durante os dias e as noites, já que vivia só; porém, lembraram que era alérgico ao pelo de animais. Tudo aquilo que alguém pensava e sugeria, tinha sempre alguma contra indicação. Não era a toa que ele possuía poucos amigos e, mesmo assim, todos eles seus discípulos e aprendizes de filósofos.
Depois de horas discutindo sobre o presente que lhe ofertariam alguém saiu com a seguinte sugestão:
- Porque não elaboramos cada um de nós, alguns pensamentos filosóficos de nossas próprias autorias, que colocaríamos em uma placa de madeira ou metal e lhe daríamos de presente?
- Certamente seria algo do seu agrado; pois, ademais de tratar-se do assunto que ele mais gosta, seria um presente feito pelos seus próprios amigos e discípulos.
Aprovada a sugestão, cada aluno foi para seu canto pensar naquilo que escreveria, com a promessa de se reunirem no dia seguinte para deliberar sobre o que cada um deles havia escrito.
Domingo à tarde, reuniram-se na casa de um deles para selecionar quais pensamentos filosóficos fariam parte da pequena homenagem que pretendiam prestar ao velho amigo e mestre. Após muito consumo de cerveja e vodca; bem como depois de muita fumaça de cigarros e charutos espalhada pelo ambiente, chegaram, finalmente, a uma conclusão sobre os pensamentos que comporiam a pequena placa emoldurada, que mandariam executar logo na manhã de segunda-feira.
Ao entardecer da segunda-feira os discípulos reuniram-se no térreo do velho prédio de apartamentos onde ele morava, trazendo as bebidas, os salgados, o bolo e o presente. Subiram juntos no pequeno elevador e tocaram a campainha da porta do apartamento dele.
O velho mestre demorou a atender, pois não esperava ninguém naquele dia e naquela hora, além de se encontrar vestido de pijama e preparando-se para dormir. Após haver trocado de roupa, veio abrir a porta e deparou-se com aqueles seus alunos, alegres, cheios de vida e de pacotes.
Depois de ele haver sido abraçado pelos amigos que chegavam, naquele momento, a pequena mesa da sala foi arrumada com o bolo e alguns pratos de sobremesa; como também com os salgados e as bebidas. Algumas alunas começaram a servir a todos os presentes.
Em pouco tempo aquele diminuto apartamento, de quarto e sala, estava todo tomado pela fumaça dos charutos, cachimbos e cigarros, e pelas vozes estridentes dos alunos, todos já meio embriagados.
Após cantarem algumas canções, e o velho professor haver cortado o bolo, seus discípulos retiraram de uma sacola de plástico a placa que haviam mandado fazer em sua homenagem, contendo os pensamentos filosóficos daquela plêiade de amigos sinceros, e a ele entregaram, com discursos e palavras de saudação.
Emocionados, viram quando o velho professor colocou os óculos para poder ler os pensamentos filosóficos, contidos na placa que lhe ofertavam. Logo após focalizar os olhos na mesma, o mestre conseguiu ler o seguinte texto:
Caro mestre e amigo,
Estes pensamentos filosóficos foram modificados por seus próprios discípulos e esta placa constitui um presente, de seus amigos e admiradores, em reconhecimento pela sua grande sabedoria filosófica. A primeira parte dos pensamentos já era conhecida na História da Filosofia, desde há muito; porém, a segunda consiste em uma colaboração de seus alunos para torná-los mais atualizados...
• Só sei que nada sei (Sócrates), mas se algum dia souber que sei, então saberei, ou não, se sei ou se não sei! (aluno Ricardo L.M.);
• Ser ou não ser não é a questão! (Shakespeare) A questão é quando começam a desconfiar que você seja... (aluna Verônica P.R.);
• Se o homem é um caniço pensante (Pascal), sua mulher logo se mudará para a casa do amante! (aluno Henrique Y.F.);
• Conhece-te a ti mesmo (Oráculo de Delfos/ Sócrates); pois, na vizinhança já te conhecem e falam mal de ti pelas costas! (aluno Miguel D.E.);
• Escolhe um trabalho de que gostes e não trabalharas um só dia em tua vida (Confúcio); escolhe uma mulher de que gostes e trabalharas todos os dias! (aluna Carmem S.A.);
• Penso, logo... (Descartes) em seguida me esqueci daquilo tudo que pensei! (aluna Mônica Z.C.);
• Como a dúvida pode ser o principio da sabedoria (Aristóteles), se a verdadeira sabedoria é jamais ter dúvidas? (aluno Oscar H.G.);
• A dialética transcendental perder-se-á, para sempre, entre antinomias e paralogismos, a menos que a teologia racional supere a tradição epistemológica! (pensamento original do aluno Eduardo V.L.).
Ao terminar de ler aqueles dizeres da placa, todos os alunos perceberam os seus olhos marejados de lágrimas. Em seguida, viram-no deixar no chão ao lado da poltrona em que estava aquela placa que recebera e, levantando-se, caminhar com a cabeça baixa até a porta de saída. Observaram quando, lá chegando, ele a abriu e, passando por ela, saiu para o corredor externo fechando-a bem devagar.
Algum tempo depois, seus amigos e discípulos, tendo imaginado que ele, emocionado, havia saído para tomar ar e para que não o vissem chorando de alegria e de satisfação pelo presente recebido, vendo que ele não retornava para o apartamento, foram tentar abrir a porta e constataram que estava trancada, com chave, pelo lado de fora. Tiveram de chamar os bombeiros para retirá-los, bêbados, daquele apartamento apertado e enfumaçado.
O professor não voltou mais para o seu velho apartamento, após aquela noite trágica. Seus discípulos e amigos não o encontraram mais pelas ruas do bairro e ele jamais retornou à sua cátedra de Filosofia, na universidade. Jamais souberam do seu paradeiro; embora um de seus alunos, em viagem de férias pelo interior da Bahia, jurou que havia visto um tipo barbudo, muito parecido com ele, trajando bata suja e esfarrapada, a percorrer o sertão daquele Estado em busca de seguidores, entremeando frases apocalípticas sobre o fim do mundo próximo, com alguns pensamentos filosóficos...
_*/ Economista, M.S. e Douto.r pela Universidade de Madrid, Espanha.
_**/ Conto premiado no lº Concurso Nacional de Contos e Poesias. Premio Flor do Ipê. Antologia 2015. Universidade Feder
al de Goiás. GO
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