sábado, 4 de junho de 2016


33. A História que se repete como Farsa**

Jober Rocha*


           No início do século XX, a Rússia imperial era comandada pelo Czar Nicolau II e por sua esposa, a imperatriz Alexandra Feodorovna (princesa Alix de Hesse-Darmstadt, alemã de nascimento). 
            Nicolau, um imperador fraco e despreparado, passou a ser comandado pela imperatriz, também despreparada, e pelo grande amigo desta, o mago Rasputin. A grande amizade surgida entre este e a imperatriz era devida ao fato de Rasputin, em inúmeras ocasiões, haver salvo a vida do filho dos imperadores, o infante Alexei (o czarevich), hemofílico. Alguns autores afirmam que existia algo mais por detrás desta amizade, porém, isto jamais foi comprovado. Rasputin acabou sendo assassinado por um membro da família imperial, ajudado por outros dois cortesãos. Pouco antes do ocorrido, talvez temendo ou adivinhando algo, em uma carta ao Czar, Rasputin afirmou que se ele fosse morto por alguém da família imperial, a dinastia russa seria extinta em dois anos e o imperador e sua família mortos.
               Naquela ocasião, com a entrada da Rússia em guerra contra a Áustria-Hungria, em defesa da sua aliada Sérvia, invadida pela Áustria sob o argumento de que aquela havia planejado o assassinato do arquiduque Francisco José, o conflito se estendeu a outros países da Europa. A Inglaterra e a França vieram em auxílio da Rússia e a Alemanha socorreu a Áustria-Hungria. Assim, portanto, teve início a Primeira Guerra Mundial.
          Meu objetivo não é o de recontar a História russa nem a da Primeira Grande Guerra, mas, apenas, o de estabelecer um paralelo entre as condições vigentes, na época, naquele país (na realidade um vasto império, por sua extensão territorial) e aquelas que encontramos, na atualidade, em nosso país (também um vasto império, por sua extensão territorial e pela importância da sua economia).
           Karl Marx, em cujas teorias os revolucionários se apoiaram para implantar o Comunismo na Rússia, afirmou, como um visionário: - “A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. É sobre esta frase de Marx que centrarei o presente texto.
          As causas da tragédia que fez desmoronar o império russo são por demais conhecidas: um imperador fraco e despreparado, comandado pela esposa (também despreparada) aliada a um charlatão, o mago Rasputin, que indicava ministros e altos dirigentes, ao Czar, a troco de propina; o país despreparado militarmente, sustentando uma guerra contra a Alemanha e a Áustria-Hungria; a indústria, ainda incipiente, tendo de voltar-se para o abastecimento das forças armadas, deixou a população carente de gêneros de primeira necessidade; um sistema de transportes deficiente (a malha ferroviária era pequena para um império tão grande e os poucos comboios disponíveis passaram a ocupar-se com o transporte de tropas, armamentos e munições, deixando as cidades sem abastecimento de gêneros, carvão, etc.); a elite, totalmente insensível à crise pela qual passava o povo, preocupava-se, apenas, com festas, banquetes, viagens, namoros e mexericos; ministros incompetentes, que desconheciam os negócios de suas pastas, eram nomeados apenas por serem apadrinhados de Rasputin e pela eventual fidelidade que demonstravam aos imperadores; a derrota na guerra travada contra a Alemanha e os milhões de mortos, vitimados pela mesma, dentre o povo russo; uma desenfreada corrupção promovida pelas elites imperiais e pela alta administração da burocracia do império; por se tratar de um império autocrático, as instituições eram excessivamente burocratizadas.
           Uma DUMA (Assembléia Legislativa criada no final do império russo), cujo objetivo era o de introduzir algumas liberdades civis básicas, que permitissem conter as revoltas populares, foi convocada quatro vezes (sendo dissolvida sempre que contrariava os interesses do Czar). As duas primeiras foram dissolvidas logo após serem criadas, em razão da maioria de seus membros fazer parte da oposição ao império autocrático do Czar. As duas últimas duraram cinco anos cada, por contarem com deputados oriundos da alta burguesia, donos de terras e empresários; isto é, deputados a serviço do Czar. Durante a vigência da última DUMA, ocorreu a Revolução de março de 1917, que obrigou a abdicação do Czar e, posteriormente, condenou à pena de morte toda a sua família, extinguindo, para sempre, a Dinastia dos Romanov.
           Os membros da alta administração, e os próprios integrantes da família imperial, percebiam que algo de muito grave estava ocorrendo no país, mas não acreditavam que pudessem ser destronados, em razão da índole tradicional do povo russo: obediente, acostumado a passar necessidades, religioso, monarquista.
           Embora em nosso país não estejamos travando nenhuma guerra externa (mas, sim, vivendo uma guerra social interna, cujo número anual de mortos é maior do que o de muitas guerras travadas na atualidade), creio que os leitores já vislumbraram algumas similaridades entre as pré-condições existentes na Rússia Czarista, no início de 1900 (condições estas que, acirrando-se a partir do ano de 1914, acabaram por conduzir aquele país à Revolução de 1917), com as nossas condições brasileiras no início da década de 2000; condições estas que, acirrando-se a partir de 2014, poderão trazer surpresas às nossas elites por volta do ano de 2017, fazendo à História tornar a se repetir, agora, porém, como farsa.
           Nossas elites, salvo algumas poucas exceções, da mesma forma que as da Rússia, naquela ocasião, preocupam-se apenas em consumir de forma intensa e em acumular riqueza (não importa que de maneira, muitas vezes, desonestas e ilegais), não tendo maiores preocupações com as nossas populações e com o nosso futuro como potência mundial.
              Nossas Dumas (Câmara e Senado) são formadas, em grande parte, por políticos oportunistas, descompromissados com o povo e, apenas, compromissados com os governantes do momento e com os partidos no poder. Nossos ministros, em sua maioria, são apenas políticos, não sendo especialistas nas áreas de seus ministérios ou, mesmo, desconhecendo tudo ou quase tudo a respeito da pasta que ocupam. Ao contrário do império russo, onde a Czarina mandava, aqui manda o Czar dos sindicatos (que é quem comanda o governo por detrás dos bastidores, conforme muitos dizem e apregoam). A corrupção grassa nos três poderes, conforme a imprensa, com freqüência, denuncia.
        Nossos portos, nossas estradas e nossa malha ferroviária são de péssima qualidade e incompatíveis com um país da dimensão do nosso, que necessita produzir e escoar sua produção para abastecer uma população de 200 milhões de indivíduos e para exportar os excedentes.
             O descontentamento é grande entre a população; seja em razão dos baixos salários; seja da alta no custo de vida; seja da deficiência dos transportes urbanos; seja da crise na saúde e da falta de atendimento médico-hospitalar; seja da falta de segurança e do congestionamento das cidades (com carência de água, esgotos, coleta de lixo, etc.); seja da impunidade para os membros das elites empresarial, política, administrativa e judiciária (quando são apanhados cometendo ilegalidades).
             Embora nosso país seja, na teoria, uma República Democrática e não um Império Autocrata, nós somos, ainda, um país capitalista onde uma elite empresarial produz, enriquece, paga impostos e gera empregos. Entretanto, diversos países em nosso entorno, em união com o Brasil, criaram, no ano de 2008, a União das Nações Sul-Americanas – UNASUL (formada por Argentina, Bolívia, Chile, Equador, Guiana, Peru, Brasil, Suriname, Venezuela, Uruguai, Colômbia e Paraguai). As propostas da UNASUL para este conjunto de 12 países são, dentre outras: A criação de uma unidade técnica de coordenação eleitoral (talvez para que os partidos no poder jamais percam as eleições); criação de uma escola sul-americana de defesa (para o estabelecimento de uma doutrina comum entre as forças armadas dos países membros); implantação de projetos multinacionais de infra-estrutura (com certeza, financiados pelos bancos oficiais brasileiros); abertura do espaço aéreo dentro da UNASUL (para facilitar o deslocamento de pequenas aeronaves, levando e trazendo seja lá o que for); livre circulação de pessoas entre os países membros (objetivando facilitar o deslocamento dos desempregados dos países mais pobres para aqueles países mais ricos); unificação das forças armadas dos países membros (esta unificação, certamente, conduzirá a uma padronização futura de armamentos e de doutrinas de emprego. 
             Ainda que a nossa Indústria de Defesa possa participar deste novo mercado armamentista que surgirá com a padronização, a unificação de forças armadas é algo muito perigoso, notadamente, quando se tem em mente que cada país possui distintos Objetivos Nacionais Permanentes e é comum o conflito de interesses nas relações políticas e econômicas internacionais. 
           Por detrás da UNASUL existe um projeto político-ideológico. Nosso país, como o maior e o mais rico destes doze, talvez tenha muito pouco a ganhar com tais medidas; sendo estas, sim, do interesse daqueles países em pior situação que a nossa e daqueles partidos políticos e organizações não governamentais, interessados na implantação de uma nova ideologia no Continente Sul-Americano. 
          Como exemplo do que acabamos de expor, poderemos nos deparar, de uma hora para outra, com nossas cidades cheias de imigrantes destes outros onze países que, somados aos africanos e haitianos que para cá têm vindo em grandes quantidades, estarão tomando empregos de brasileiros, concorrendo com empresas e indústrias brasileiras e recebendo auxílios financeiros do governo federal pagos com o dinheiro dos nossos impostos. Ocorre, ainda, que uma união como esta retirará, de nosso país e de nossas autoridades, o poder de decisão e a autonomia sobre muitas questões importantes para nossa soberania.
          Por outro lado, da mesma forma que na Rússia Czarista, nossas elites e parte substancial da população lúcida deste nosso país, percebem que algo de muito grave está ocorrendo com nossas instituições, mas, como os russos naquele passado distante, não acreditam que possa haver uma reviravolta total no Sistema, haja vista a boa índole do nosso povo e a sua religiosidade.
Finalmente, para que a nossa situação atual e a da Rússia Czarista sejam idênticas, falta-nos, tão somente, um Rasputin; mas, creio que este logo acabará aparecendo com o andamento das ações da Operação Lava Jato.

-*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado em Leitura Recomendada de 12.01.2015, www.reservaer.com.br



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