61. A Simbologia e o Simbolismo
Jober Rocha*
O velho professor Herculano, catedrático de Filosofia de uma famosa Universidade, achava-se no interior da biblioteca daquela instituição, procedendo a uma rápida pesquisa para a aula que daria naquela tarde, quando sua atenção foi despertada por um dos leitores, da mesma, que se comunicava com outro através de alguns sinais dissimulados. O motorista do professor, que o esperava sentado em uma cadeira na recepção, também havia percebido aquela comunicação e, rapidamente, dirigiu-se ao catedrático para comentar o que presenciara.
Herculano, já tendo terminado a pesquisa que fazia, saiu com a mão no ombro do motorista que o servia há mais de quinze anos e de quem já se tornara amigo. Sentando no banco de trás do carro, cuja porta Travassos - assim se chamava o motorista - abrira solícito, Herculano esperou que este se aboletasse ao volante e desse a partida no veículo para seguirem rumo a residência do professor.
Após o deslocamento do carro, o motorista comentou:
- “Acho que aqueles dois eram espiões que roubavam segredos da biblioteca. O simbolismo daqueles sinais, com certeza, queria dizer alguma coisa que só eles conheciam!"
Herculano coçou a barba e respondeu:
- “Meu caro Travassos, você ainda é muito jovem e inexperiente. Você confunde simbolismo com simbologia. Os sinais que aqueles dois trocaram entre si, com certeza, eram sinais maçônicos de identificação. A Maçonaria possui sinais, toques e palavras para que seus membros se identifiquem externamente. Além disto, a Maçonaria, da mesma forma que as religiões, possui, ainda, toda uma Simbologia, um Imaginário, uma Semiótica e um Simbolismo Esotéricos; isto é, que são adotados internamente à instituição ou a Ordem Maçônica.
Simbologia, Travassos, é a ciência que estuda a origem, a interpretação e a arte de criar símbolos. Todas as sociedades humanas possuem símbolos que expressam mitos, crenças, fatos, situações ou ideias, sendo uma das formas de representação da realidade. De acordo com alguns pesquisadores, é através da representação simbólica que nos apropriamos do mundo. O Imaginário, por sua vez, meu caro Travassos, pode ser definido, de uma forma simples, como a produção de imagens, idéias, concepções e visões, de um indivíduo ou de um grupo, para expressar sua relação de alteridade com o mundo.
O conceito de Imaginário pode envolver vários significados, remetendo a uma multiplicidade de sentidos, segundo os pontos de vista adotados, os autores consultados ou o campo teórico referido. Quando se fala em Imaginário Social ou em Imaginário Pessoal, faz-se referência a uma noção distinta daquela que o senso comum associa à palavra Imaginação. Trata-se, portanto, da capacidade de um grupo ou de um indivíduo, de representar o mundo com a ajuda de um recurso de associação de imagens, que lhe atribuem um sentido.
Pode-se falar como mencionam alguns autores em um imaginário medieval, da renascença, da idade clássica, etc.; como também se pode falar em imaginário de cada grupo humano, próprio da sua época, da sua história ou da sua cultura.
No plano individual, o imaginário demonstra a subjetividade da pessoa. As imagens que atravessam a mente se fazem presentes antes mesmo de ocorrerem às tentativas de inscrevê-las na normatividade simbólica da linguagem. Elas pertencem à singularidade simbólica da história pessoal.
A Semiótica ou a ótica dos sinais, amigo Travassos, é a ciência geral dos signos e da semiose, que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos; isto é, sistemas de significação. Ambos os termos são derivados da palavra grega sēmeion, que significa "signo"; havendo, desde a antiguidade, uma disciplina médica chamada de "semiologia". Foi usada pela primeira vez em Inglês por Henry Stubbes (1670), em um sentido muito preciso, para indicar o ramo da ciência médica, dedicado ao estudo da interpretação dos sintomas apresentados pelos pacientes com diversas patologias.
Mais abrangente que a linguística, a qual se restringe ao estudo dos signos linguísticos, ou seja, do sistema sígnico da linguagem verbal, esta ciência tem por objeto qualquer sistema sígnico, quer as Artes visuais, a Música, a Fotografia, o Cinema, a Culinária, o Vestuário, os Gestos, a Religião, a Ciência, etc.
O Simbolismo, que não deve ser confundido com a simbologia como você o fez, por sua vez, Travassos, foi uma tendência da Literatura e das outras artes que surgiu na França, no final do século XIX, como oposição ao Realismo, ao Naturalismo e ao Positivismo da época.
O surgimento do Simbolismo, por um lado, reflete a grande crise dos valores racionalistas da civilização burguesa, no contexto da virada do século XIX para o século XX, e, por outro, inicia a criação de novas propostas estéticas precursoras da arte da modernidade.
Assim, ao longo da década de 1890, desenvolveu-se na França um movimento estético, a princípio apelidado de "Decadentismo" e depois de "Simbolismo". Ligado em muitos aspectos ao Romantismo e tendo berço comum ao Parnasianismo, o Simbolismo gerou-se quando escritores passaram a considerar que o Positivismo de Augusto Comte e o demasiado uso da ciência e do ateísmo (procedimentos do Realismo) não conseguiam expressar completamente o que acontecia com o homem e a Natureza.
As principais características do Simbolismo, Travassos, conforme aqueles que o estudaram, eram:
. O Misticismo e o Espiritualismo – A fuga da realidade leva o poeta simbolista ao mundo espiritual. É uma viagem ao mundo invisível e impalpável do ser humano. Uso de vocabulário litúrgico: antífona, missal, ladainha, hinos, breviários, turíbulos, aras, incensos;
. A Falta de Clareza – Os poetas achavam que era mais importante sugerir elementos da realidade, sem delineá-los totalmente. A palavra é empregada para ter valor sonoro, não importando muito o seu significado;
. O Subjetivismo – A valorização do “eu” e da “irrealidade”, negada pelos parnasianos volta a ter importância;
. A Musicalidade – Para valorizar os aspectos sonoros das palavras, os poetas não se contentam apenas com a rima. Lançam mão de outros recursos fonéticos tais como a aliteração – a repetição seqüencial de sons consonantais. A seqüência de palavras com sons parecidos faz que o leitor menospreze o sentido das palavras para absorver-lhes a sonoridade.
Um dos princípios básicos dos simbolistas era sugerir através das palavras, sem nomear objetivamente os elementos da realidade. Por outro lado, também, adotavam a ênfase no imaginário e na fantasia. Para interpretar a realidade, os simbolistas se valiam da intuição e não da razão ou da lógica. Preferiam o vago, o indefinido ou o impreciso.
Assim, meu caro amigo Travassos, a Maçonaria (tanto quanto as religiões) faz uso da Simbologia em sua Liturgia e muitos maçons (como também muitos religiosos) utilizam o Simbolismo em sua Literatura, em sua Música, em sua Pintura, etc. Não devemos, portanto, confundir as duas coisas" - finalizou o professor.
Enquanto conversavam, Herculano e Travassos não perceberam um veículo com placa do corpo diplomático, da embaixada de um país do Leste Europeu, que ultrapassou o carro em que viajavam naquela estrada secundária.
Dentro do veículo diplomático dois espiões, que momentos antes se encontravam na biblioteca da Universidade, ao mesmo tempo em que Herculano e Travassos lá se achavam, separavam calmamente as cópias que haviam obtido da tese de um estudante do curso de doutorado em Física, sobre a construção de um novo e mais avançado modelo de Acelerador de Partículas Atômicas. Um dos agentes, zombeteiramente, comentava com o outro ao ultrapassarem o carro em que estavam Herculano e Travassos:
- “Esses brasileiros são muito bobinhos, não?”
Finalizando a conversa que mantinha com Travassos o professor Herculano, categórico, disse ao seu amigo e motorista:
- “Travassos, não basta ter olhos para ver, ouvidos para ouvir e cultura para conhecer. É preciso inteligência para compreender e sabedoria para discernir. Por isto você ainda continua, até hoje, como meu empregado e eu como seu patrão”.
- “Espiões na biblioteca, ora veja você, era só o que me faltava...”
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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