segunda-feira, 13 de junho de 2016


49. Contradições Dogmáticas

Jober Rocha*


                   Na nossa história contemporânea inúmeros pesquisadores e historiadores, louvando-se em antigos livros e em diversos documentos e evangelhos (apócrifos ou não), têm estudado e questionado aspectos vários da tradicional religião denominada Cristianismo; isto é, aquela baseada nos ensinamentos de Cristo. 
                                     No presente texto que irão ler, um dos mais polêmicos de quantos já foram aqui expostos, procurarei evidenciar, através de argumentos; bem como, tentarei demonstrar, através da Matemática dos Conjuntos, que a Igreja Católica Apostólica Romana (seguida posteriormente pelas demais igrejas de natureza cristã), edificada a partir da iniciativa do Imperador Constantino após o ano de 325 D.C., e que teve a sua criação baseada na figura mitológica de Jesus Cristo, posteriormente a morte deste e de maneira intencional, imputou uma natureza divina ao Cristo, natureza esta não condizente com a realidade dos fatos daquele tempo, e também, posteriormente, não condizente com os fundamentos matemáticos da Teoria dos Conjuntos, surgida esta no final do século XIX. 
                                   Lembro aos meus leitores que não sou movido por nenhum sentimento anti-religioso, ao apresentar este texto. O meu blog, ao ser criado, pretendeu, apenas, constituir-se em um foro de debates sobre temas polêmicos, onde os leitores poderão interagir, expondo, também, os seus pontos de vista e as suas críticas sobre os temas apresentados. Muito do que os meus leitores mais devotos encontrarão neste ensaio poderia soar, talvez, como verdadeiras heresias; caso os nossos propósitos não fossem os da busca da verdade e os da desmistificação de crendices e de superstições, contando, para tanto, com o auxílio da própria Religião, da Filosofia e da Ciência.
                                  Assim, dando seqüência ao nosso tema atual, a possível razão da imputação, posterior, de uma divindade a Jesus Cristo, divindade esta não considerada pelo próprio Jesus, pelos seus contemporâneos e por seus primeiros seguidores, deveu-se ao fato de que, sendo os próprios imperadores romanos considerados deuses (durante a vigência do império), a figura central daquela nova religião que estava sendo por eles criada (e a qual todos os indivíduos sob as leis do Império Romano, estariam submetidos a partir de então, inclusive os próprios imperadores), não poderia deixar de ser também um Deus, superior ou igual, evidentemente, aos próprios deuses  imperadores. 
                               Entretanto, para que isto ocorresse havia ainda um problema adicional, importante, que necessitava ser solucionado na ocasião: como fazer com o pai, a mãe, o irmão, os primos, os tios, e os avos de Jesus (isto é, de Deus); ou seja, com toda a sua família? Seriam eles também considerados Deuses? Se assim fosse eles não deveriam ser tidos, após a morte de Jesus (de Deus), como a linhagem familiar deste Deus e, forçosamente, deveriam ser considerados os sucessores, por direito temporal e divino, daquela nova igreja que o Império Romano estava criando? 
                                   Para retirar da família de Jesus (de Deus) o direito natural de sucedê-lo e transferi-lo para os sacerdotes da nova religião a ser criada pelo império, sacerdotes estes a serem escolhidos, nomeados, conduzidos e comandados pelos imperadores (representantes que eram das elites romanas), os pais biológicos de Jesus não poderiam ser considerados Deuses e, por via de conseqüência, todos os demais familiares, parentes e descendentes. A forma encontrada para não permitir que, posteriormente a morte de Jesus e depois da criação da Igreja de Roma, o direito e os poderes para sucedê-lo, como ‘Pontifex Maximus’ (Sumo Pontífice) da nova religião criada por Constantino, fossem transmitidos para seus familiares, foi uma engenhosa criação da inseminação divina de sua mãe (exemplo este que, não chegando a ser original, foi tomado emprestado da mitologia grega, que já relatava a união carnal entre Deuses e seres humanos, união esta que dava origem aos Heróis). 
                              Com isto a mãe de Jesus (de Deus) teria servido apenas de ‘barriga de aluguel’ para o filho do Criador (para usarmos um termo mais atual); não possuindo, nem mesmo, qualquer vínculo biológico com Jesus, da mesma forma como ocorreu também com seu marido José. Assim, José e Maria, tidos como os pais de Jesus, eram, apenas, aqueles que o teriam criado. Naquela época infelizmente (para os imperadores Constantino, Teodósio e Justiniano, bem como para todos os sacerdotes que participaram dos diversos concílios que estabeleceram as bases e os dogmas da nova religião romana) a Ciência da Medicina, embora conhecesse a importância do sêmen para a gravidez e a reprodução humana, ainda não havia descoberto o espermatozoide e o óvulo e entendido que somente com a fecundação de um no outro o ser humano poderia ser gerado. 
                              Digo infelizmente, para os fundadores da referida religião, porque a descoberta posterior, pela Ciência, do espermatozoide e do óvulo, permitiu a identificação deste ponto controverso e mal explicado na gênese do Cristianismo, criando uma vulnerabilidade até hoje não corrigida. Na hipótese da inseminação divina de um Deus, o espermatozoide e o óvulo a partir de cuja união este novo Deus, Jesus, teria sido gerado, deveriam ser também divinos. Se um Deus foi o pai, doador do espermatozoide, de quem teria sido o óvulo inseminado que gerou Jesus; já que, não foi o de Maria, pois ela era virgem e jamais foi considerada uma Deusa pela Igreja de Roma, sendo considerada, posteriormente, apenas uma santa? 
                                 A resposta a este questionamento, até hoje, não foi dada pelo Vaticano. O Criador, que tudo pode, não necessitaria, evidentemente, caso desejasse enviar alguma mensagem evolucionista ou revolucionária para as suas criaturas humanas terrestres (eventualmente mal geradas ou mal criadas, devido a fatores supervenientes a sua criação), se utilizar de um mecanismo tão complicado quanto o de uma inseminação artificial em uma mulher que, embora já casada, ainda era virgem, conforme prega o próprio Cristianismo. Se não era necessário o espermatozoide do pai, porque Deus escolheria uma mulher casada e não uma solteira? Ainda mais, se não era necessário o óvulo da mãe, porque Deus escolheria uma mulher casada virgem (difícil de encontrar em qualquer época) e não uma mulher solteira virgem (fácil de encontrar naquela época)? 
                                 Para aquele que tudo pode, porque não criar Jesus já homem feito, desrespeitando as regras de nascimento dos seres humanos, ao invés de, ao contrário, havê-lo criado desde o início como um bebe que precisou ser gestado, respeitando as regras da Biologia também no que respeita ao pós-parto? 
                                        Se as regras de nascimento entre os seres humanos teriam que ser respeitadas (como parece que foram, pois ele nasceu de uma mulher, após uma gestação), então, logicamente, seriam necessários esperma e óvulo, humanos ou divinos, para a geração de uma vida como aquela de Jesus. 
                                            Uma possível explicação para a necessidade de Jesus ter nascido de uma virgem, mediante a inseminação do Criador, pode estar vinculada a conotação de pecado, instituída pela Igreja de Roma, em relação a tudo aquilo que se referisse à sexualidade; bem como, a correspondente repressão sexual advinda com a implantação e a expansão do Cristianismo. 
                                       É conhecido que no Oriente os filósofos e religiosos sempre encararam a sexualidade como uma iluminação espiritual; como também, no Ocidente antigo, os gregos e os romanos aceitavam a sexualidade (qualquer que fosse a sua expressão) sem nenhuma conotação moralista, conotação esta originada, apenas, após o surgimento e a expansão do cristianismo. 
                           As culturas e as religiões orientais baseiam-se no equilíbrio e na complementaridade entre o masculino (Yang) e o feminino (Yin). Para tais culturas, o sexo buscava principalmente a transcendência da mortalidade. Segundo vários autores, no próprio Ocidente antigo, o sexo era natural, divino e sempre realizado como forma de adoração, não sendo descriminado e sem senso de pudor; já que, tudo nele era divino e natural, segundo gregos e romanos.
                  O cristianismo, surgido de tradições judaicas, criando a noção de pecado, regulou, mediante uma transvaloração de valores (no dizer do filósofo Friedrich Nietzsche), o comportamento moral do Império Romano e, a partir de então, de todo o Ocidente. A visão cristã, impregnada de valores éticos que transcendem o mundo material, acabou por colocar a sexualidade, situada que estava no plano material, como fonte de pecado e cujas tentações deveriam ser mantidas afastadas. A própria mãe de Jesus ao ser considerada uma virgem, pelos fundamentos da Igreja de Roma, neste contexto objetivaria reiterar ser Jesus filho do Criador; mas, também, seria uma forma de torná-la livre do pecado da carne.
                     Surgiu, assim, uma contradição entre a sexualidade divina e a sexualidade pecado. O cristianismo ficou com a segunda, para justificar a sua origem e os seus objetivos.
                          Por outro lado, ao criar os seres humanos, o Criador poderia haver-lhes inculcado, desde o início, apenas os bons sentimentos, além de inculcar-lhes a noção pré-concebida do Reino dos Céus. Se não o fez na ocasião, isto poderia indicar uma falha no seu projeto humano? Segundo aquela própria religião sendo edificada por Roma, isto não seria possível por tratar-se de uma contradição lógica, devido a uma impossibilidade técnica e filosófica; isto é, já que os seres humanos, conforme afirmam os fundamentos do próprio Cristianismo, foram criados, desde o seu início, a imagem e a semelhança de (e por) um Deus reconhecidamente perfeito. Teria havido uma falha na criação humana, falha esta que precisou ser corrigida mais adiante, com o passar do tempo? 
                                  Todavia, ainda restava a esta nova religião equacionar outro problema crucial: se Jesus Cristo era Deus e filho de Deus, como poderiam coexistir dois Deuses em uma religião reconhecidamente Monoteísta? A solução encontrada pelas elites romanas e pelos pensadores da Igreja, novamente engenhosa, foi a de criar um Espírito de Natureza Santa (isto é, um Espírito Santo), que uniria os dois Deuses transformando-os em um único Deus. 
                               Vê-se, pois, que, inteligentemente e com base nos conhecimentos disponíveis na época, as autoridades romanas e os sacerdotes da nova religião, procuraram criar uma estória factível, utilizando, no entanto, similitudes com outras religiões mais antigas e buscando eliminar (sem total sucesso, em que pesem os trabalhos posteriores de Tomás de Aquino e de Agostinho de Hipo ou Santo Agostinho), as eventuais contradições existentes nos fundamentos desta nova religião, que, aos poucos e com o passar do tempo, foram se apresentando. 
                             Qualquer leitor que milite na esfera do Direito sabe que, quando a estória apresentada por alguma das partes envolvidas carece de ser integralmente verdadeira, as falhas de argumentação aparecem e fazem surgir novas estórias e novas argumentações, que venham preencher e justificar aquelas falhas ou lacunas descobertas. Assim, quando aquilo que se diz não é a representação exata da verdade, as inverossimilhanças se sucedem umas às outras, retirando credibilidade ao depoimento apresentado.
                              Não tendo eu mesmo uma grande formação matemática, mas sendo apenas um observador curioso desta ciência, ousei, no presente texto, fazer algumas suposições e tecer algumas considerações sobre determinado aspecto do Cristianismo (mais especificamente sobre o dogma de que Jesus Cristo é Deus, dogma este não aceito pelos primitivos cristãos, contemporâneos de Jesus, nem pelo próprio Cristo, conforme algumas passagens dos evangelhos deixam claro), que se me afigura de difícil entendimento (ou até mesmo falacioso e contraditório), tendo por base a Teoria dos Conjuntos (parte da Matemática dedicada ao estudo da associação entre objetos com uma mesma propriedade), cuja origem é atribuída ao matemático russo Georg Cantor, em obra divulgada em 1874. 
                                 Em conformidade com esta teoria, dois conjuntos (ou coleção de elementos) são iguais se possuem exatamente os mesmos elementos. Em outras palavras, caso todo elemento do conjunto A pertença ao conjunto B e cada elemento do Conjunto B esteja presente no conjunto A, diz-se que estes dois conjuntos são iguais. Assim, o conjunto A é igual ao conjunto B se, e somente se, o conjunto A está contido no conjunto B e o conjunto B está contido no conjunto A.
                            Como axioma da Teoria dos Conjuntos, temos que um conjunto é completamente determinado pelos seus elementos, cuja ordem é irrelevante e que podem aparecer mais de uma vez no conjunto.
                              Caso todo elemento do conjunto A pertença ao conjunto de B, sem que todos os elementos do conjunto B pertençam ao conjunto A, podemos dizer que o conjunto A é um subconjunto do conjunto B. Ademais, tem-se que o conjunto A será um subconjunto próprio de B, se cada elemento do conjunto A também é um elemento do conjunto B e exista, pelo menos, um elemento do conjunto B que não esteja no conjunto A.
                                Ainda com relação aos conjuntos, tem-se a figura da Intercessão e da União de conjuntos. A União do conjunto A com o conjunto B é o conjunto formado por todos os elementos que pertencem ao conjunto A ou ao conjunto B. A Intercessão do conjunto A com o conjunto B é o conjunto formado por todos os elementos que pertencem ao conjunto A e ao conjunto B, simultaneamente.
                               Considerando os elementos de toda ordem, físicos (ou materiais) e espirituais, que caracterizam a figura humana de Jesus Cristo, poderemos chamá-lo de Conjunto J. Considerando todos os elementos físicos (ou materiais) e espirituais que possam caracterizar o Deus do Cristianismo, poderemos chamá-lo de Conjunto U (conjunto Universo) – lembremo-nos, no entanto, de que Deus é espírito, mas, também, está presente na Natureza.
                                  A intercessão do Conjunto J com o Conjunto U seria, assim, o próprio conjunto J (já que, pela Teoria dos Conjuntos, a intercessão de qualquer conjunto com o conjunto Universo é o próprio conjunto). 
                                 Por sua vez, a União do Conjunto J com o Conjunto U (Universo) seria, no caso, o próprio Conjunto Universo (já que, pela Teoria dos Conjuntos, a união de qualquer conjunto com o Conjunto Universo é o próprio Conjunto Universo).
                           Veja agora, caro leitor, as palavras proferidas por Jesus Cristo, durante seu suplício na cruz, segundo relatam alguns evangelhos: 

- Eloi, Eloi, Lama Sabactani? (Marcos 15 : 34); ou então
- Eli, Eli, Lama Sabactani? (Mateus 27 : 46); ou então
- Pai, nas tuas mãos eu entrego o meu espírito. (Lucas 23 : 46) 

                           Nas duas primeiras interrogações, a tradução em português é: - Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste? (Eloi e Eli possuem o mesmo radical Eloim – significando Deuses ou Espíritos).
                              Em todos os três evangelhos fica patente que Jesus se dirigia a alguém, externo a sua pessoa ou ao seu espírito. Ademais, outras passagens das escrituras mencionam um Deus externo a Jesus:
“Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”. (Timóteo 2:5);
“... Pai, é chegada a hora...que te conheçam, a Ti só, por único Deus verdadeiro...” (João 17:1 e 3);
“Eu subo para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus...” (João 20:17).
                             Assim, Jesus orou ao seu Pai, identificando-o como único Deus verdadeiro. Se Jesus fosse igual a Deus, como o cristianismo afirma, oraria para si próprio?
                              Assim, creio que fica bem claro, através da Matemática, que o Conjunto J – Jesus – é um subconjunto próprio do Conjunto Universo – Deus -; já que, existe ao menos um elemento do Conjunto Universo – Deus –, que não está no conjunto J – Jesus -, isto é: Eloi, Eli ou Pai ou Deus (elemento este que está externo a Jesus). Com isto, verifica-se que os Conjuntos J e U não são conjuntos iguais, mas que J é um subconjunto próprio de U. A intercessão dos conjuntos J e U seria apenas J (como aquela que ocorreria com o conjunto representado por qualquer um de nós, seres humanos e o Conjunto Universo); provando, assim, que o Conjunto U (Deus) possui elementos que o Conjunto J não possui; ou seja, Jesus (como todos nós) está contido em Deus, mas não é Deus, pois este lhe é superior. 
                                    Por sua vez, a união do Conjunto J com o Conjunto U resultaria no próprio Conjunto U (da mesma forma como ocorreria com a união do conjunto representado por qualquer um de nós e o Conjunto Universo); provando, assim, que Jesus (da mesma forma que todos nós), embora criado por um Deus maior que ele, faz parte do todo formado pela criação divina. 
                                    Assim, podemos afirmar, com base na matemática da Teoria dos Conjuntos, que Jesus e Deus não são conjuntos iguais; isto é, que Jesus Cristo não é Deus, mas apenas um subconjunto próprio de Deus, como todos nós seres humanos somos. Caso Jesus nada tivesse dito, antes e durante seu suplicio na cruz, com referencia a existência de um Pai ou de um Deus externo a ele, estas considerações matemáticas, através da Teoria dos Conjuntos, evidentemente, não poderiam ser feitas.
                                Desta forma, tendo Jesus se manifestado, a única maneira de fazer com que os Conjuntos J e U fossem iguais, isto é, que Jesus Cristo fosse igual a Deus, seria burlando as imutáveis Leis da Matemática e da Física, o que, certamente, aquele que as criou jamais faria, conforme bem salientou o filósofo Voltaire em seu Dicionário Filosófico. Parece, portanto, que a religião romana tentou sobrepor-se a estas leis, com a criação do denominado Espírito Santo, recurso este que forçaria os dois conjuntos (J e U) a se tornarem iguais, mas, agora, mediante a elaboração de um decreto canônico conhecido como dogma.


_*/ Economista, Mestre em Ciências pela Universidade Federal de Viçosa, MG e Doutor em Economia pela Universidade de Madrid, Espanha.

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