58. Os Nossos Piores Inimigos
Jober Rocha*
Nos primórdios da civilização um jovem guerreiro indígena, sentado à noite ao pé da fogueira, perguntou a um velho sábio da aldeia em que nascera, quem eram e onde viviam os seus inimigos, ouvindo dele a seguinte resposta: - “Nós, aqui da aldeia, possuímos vários inimigos; uns piores do que outros. Enquanto aqueles que, por seus gritos e ameaças, mais temor nos impõem residam nas florestas e nos bosques próximos, aqueles que, na realidade, mais malefícios nos causam residem dentro de nós mesmos”.
Ante a perplexidade do jovem, o velho ancião continuou: - “As ameaças que recebemos dos nossos inimigos vizinhos e que se traduzem em periódicas tentativas de invasão, sempre as temos rechaçado com sucesso, embora com perdas para ambos os lados. Estas lutas, em que pesem as baixas, têm seu lado positivo, pois servem para nos unir, cada vez mais, em torno do bem comum de nossa tribo. As lutas que costumamos perder são aquelas que travamos, diariamente, contra nossos inimigos internos: a inveja, o orgulho, a cobiça, a incúria, a maldade, a preguiça, a covardia, o egoísmo, o ódio, a raiva, a soberba, a ira, a luxúria, o fanatismo, a antipatia, o medo, o ciúme, etc. etc. etc. Estes inimigos, ao contrário dos primeiros, desunem a tribo, representando a única ameaça real à nossa extinção como povo; pois, implicariam na destruição da aldeia de dentro para fora.
Para o combate a estes inimigos fazem-se necessárias mais força, determinação e coragem, que aquelas que empregamos contra nossos vizinhos que nos ameaçam de tempos em tempos. Neste caso, combatemos contra o pior dos inimigos, nós mesmos. Trata-se, pois, de um inimigo que conhece todas as nossas fraquezas e que se dispõe a explorá-las. Por conhecer o âmago de nossas vulnerabilidades, seu combate tem que ser realizado constante e diariamente. Temos de nos manter de sobreaviso a qualquer um de seus sinais de presença. Ao sobrepujar nossas defesas e tomar conta da praça, nossos inimigos internos preparam o caminho para o surgimento da cizânia, da concorrência e da desunião, entre os membros da tribo.
Não nascemos para competir, egoisticamente, uns com os outros; mas, sim, para nos ajudarmos mutuamente, pois a nossa espécie é colaboracionista. A concorrência que deve prevalecer entre os de nossa raça é a de cada um procurar trabalhar mais do que o outro, em prol de toda a coletividade. A competição ou a concorrência, quando não visa ao bem comum, mas, apenas, ao bem individual, é lesiva e deve ser evitada; pois, motivada pelo egoísmo e pela ambição, conduz à inimizade entre os membros da tribo e, no passo seguinte, à desagregação. Esta concorrência ou competição encontra-se sempre presente, quando nos deparamos com algum de nossos inimigos internos, o que nos faz supor que constituem a terra que possibilita o nascimento daquela semente daninha.
Que o Grande Espírito, nosso pai e criador, não permita, com a expansão da nossa espécie, que a concorrência, originada do egoísmo e da ambição, vire coisa normal entre nós e que deixemos de trabalhar pelo todo para trabalharmos cada um por si. Se, e quando, isto ocorrer, a nossa raça estará, a partir de então, caminhando para sua extinção, pois os inimigos internos terão o campo livre para dominar os nossos corações e as nossas mentes".
O jovem, que não entendera quase nada daquela resposta dada pelo velho, quando fez a pergunta pensara em ouvir do ancião da tribo uma resposta mais simples, do tipo: - "Nossos inimigos são as duas tribos que habitam por detrás da Montanha Dourada, após o Rio Azul que corta nossa aldeia.
A seguir, fingindo um bocejo de sono, o jovem levantou-se e caminhou, sorrateiramente, para o interior da caverna, onde pretendia encontrar-se com uma jovem que ele desejava para si e que pertencia a outro jovem da tribo, para entregar a ela um colar de pedras brilhantes que havia tomado, às escondidas, de uma das índias mais velhas. Seu propósito, que vinha planejando já há algum tempo, era o de conquistar a jovem, filha do chefe da tribo e, após casar-se com ela, matar o velho cacique de modo a que viesse parecer um simples acidente, tornando-se, então, o chefe supremo da aldeia.
Logo depois, e assim que pudesse, ele pretendia combater todas as tribos que habitavam àquela região e criar, após conquistá-las, um império tão vasto que invadiria outras terras mais distantes e submeteria as novas tribos dominadas à sua única e exclusiva vontade. Tão logo se tornasse imperador, era sua intenção substituir no Conselho do Império todos os velhos sábios (que, com suas senilidades, vislumbravam inimigos internos inexistentes) por guerreiros mais jovens, preocupados apenas em conquistar e dominar...
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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