28. Considerações sobre a Amizade
Jober Rocha*
Creio que o filósofo Aristóteles (324 a.C. a 322 a.C.), em sua ‘Ética a Nicômaco’, foi um dos primeiros a escrever substancialmente sobre a amizade, que considerava uma virtude extremamente necessária à vida. Segundo alguns pesquisadores, os escritos de Aristóteles consistem na mais completa e bela análise que, filosoficamente, já se fez sobre o fenômeno da amizade. Anteriormente a ele, Sócrates (469 a.C. a 399 a.C.) já havia declarado: - “Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolver, em nós mesmos, as qualidades que nela admiramos”. Platão (427 a.C. a 347 a.C.) teria afirmado, por sua vez: - “A amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro”.
Os Epicuristas (Epicuro 341 a.C a 270 a.C.) também exaltavam a amizade, na qual baseavam um dos fundamentos da sua ética e da sua conduta prática. Todavia, ela era uma manifestação na vida do sábio e não estaria da forma como foi considerada em Aristóteles, ligada as relações humanas. Epicuro estava disposto a oferecer a sua própria vida em benefício de um amigo, se necessário fosse; pois, para ele, os amigos eram as únicas pessoas em quem se podia confiar e deviam ser preservados em nossos corações.
Para o cristianismo o amor ao próximo veio superar o conceito de amizade, em termos filosóficos, pois o próximo é aquele que está perto de nós, podendo ser amigo ou inimigo; embora, muito antes do surgimento do cristianismo, Aristóteles já houvesse dito, com relação à amizade: -“Comporte-se com o amigo como consigo mesmo. Veja nele outro eu”!
No Wikipédia (biblioteca da WEB), encontramos que “a amizade (do latim amicus, amigo, que possivelmente se derivou de amore, amar, ainda que se diga também que a palavra provém do grego) é uma relação afetiva, a princípio, sem características romântico-sexuais, entre duas pessoas. Em sentido amplo, é um relacionamento humano que envolve o conhecimento mútuo e a afeição, além de lealdade ao ponto do altruísmo. Neste aspecto, pode-se dizer que uma relação entre pais e filhos, entre irmãos, demais familiares, cônjuges ou namorados, pode ser também uma relação de amizade, embora não necessariamente”.
“A amizade pode ter como origem um instinto de sobrevivência da espécie, com a necessidade de proteger e ser protegido por outros seres. Alguns amigos se denominam "melhores amigos". Os melhores amigos muitas vezes se conhecem mais que os próprios familiares e cônjuges, funcionando como um confidente. Para atingir esse grau de amizade, muita confiança e fidelidade são depositadas”.
“Muitas vezes os interesses dos amigos são parecidos e demonstram um senso de cooperação. Mas também há pessoas que não necessariamente se interessam pelo mesmo tema, mas gostam de partilhar momentos juntos, pela companhia e amizade do outro, mesmo que a atividade não seja a de sua preferência”.
“A amizade é uma das mais comuns relações interpessoais que a maioria dos seres humanos tem na vida. Em caso de perda da amizade, sugere-se a reconciliação e o perdão. Carl Rogers diz que a amizade é “a aceitação de cada um, como realmente ele é".”
Voltando a Aristóteles, constatamos que este distinguia três tipos de amizades: a fundamentada no interesse, a baseada no prazer e a amizade perfeita.
As duas primeiras, segundo ele, “eram apenas acidentais, porque a pessoa amada não era amada por ser quem era, mas porque proporcionava algum bem ou prazer ao outro. Por isto, tais amizades se desfazem facilmente, se as partes não permanecem como eram no início, pois, se uma das partes cessa de ser útil ou agradável, a outra deixa de amá-la. Acresce que o útil e o prazer não são permanentes, mas estão constantemente mudando. Dessa forma, quando desaparece o motivo da amizade, esta se desfaz, pois existia apenas como um meio para chegar a um fim”.
Quando a amizade é por prazer ou por interesse, até os maus poderiam ser amigos, conforme destaca o filósofo. Da mesma forma, os bons podem ser amigos dos maus e aqueles que não são nem bons nem maus podem ser amigos de qualquer tipo de pessoa; mas, por aquilo que são por si mesmos, só o terceiro tipo de amizade poderia ser considerado perfeito.
A amizade perfeita, para Aristóteles, seria aquela que “existiria entre indivíduos que são bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro, de maneira idêntica, e são bons em si mesmos. Estes seriam amigos em razão de suas próprias naturezas e não por acidente. Uma amizade assim, como seria de esperar, é permanente, visto que um encontra, no outro, todas as qualidades que os amigos devem possuir”.
O filosofo, entretanto, salienta que amizades assim são raras, pois também são raros indivíduos como estes. Acrescenta, ainda, que “entre as pessoas idosas é menos freqüente surgir amizade (depois de já idosas), pois tais pessoas são menos bem-humoradas e não encontram muito prazer na companhia umas das outra; e a boa disposição e a sociabilidade são consideradas as marcas principais de amizade e são as suas causas”.
Não se pode ser amigo de muitas pessoas, no sentido de ter com elas uma amizade perfeita, a não ser em casos excepcionais; pois, tais amizades demandam tempo para experiências, recíprocas, de convivência, que as tornem íntimas.
Destacava Aristóteles, ademais, que “existe outra espécie de amizade que envolve uma desigualdade entre as partes, por exemplo, a amizade entre pai e filho, e em geral a amizade entre a pessoa mais velha e a mais jovem, a amizade entre marido e a mulher, e em geral a amizade entre quem manda e quem obedece”. “Essas amizades diferem umas das outras, pois a que existe entre pais e filhos não é a mesma que existe entre quem manda e quem obedece; nem a amizade de pai para filho é idêntica a de filho para pai, como a do marido para a mulher não é a mesma que a da mulher para o marido. De fato, a virtude e a função de cada uma dessas pessoas são diferentes, e por isso igualmente diferem o amor e as razões pelas quais as pessoas envolvidas são amigas”. “Nessas diferentes espécies de amizade, cada parte, portanto, não recebe a mesma coisa da outra, e nem deveria pretender isso. Quando os filhos dão aos pais aquilo que devem dar aos que lhes deram a vida, e os pais aquilo que devem dar aos filhos, a amizade entre tais pessoas é duradoura e equitativa.” “Em todas as amizades que envolvem desigualdade, o amor também deve ser proporcional, isto é, a parte melhor deve receber mais amor do que dá, assim como deve ser mais útil, e de modo análogo, em cada um dos outros casos, pois quando o amor é proporcional ao merecimento das partes, estabelece-se, de certa forma, a igualdade, que é considerada uma característica essencial da amizade”.
Para o filósofo, a amizade devia ser distinguida das duas coisas com as quais parecia ter mais afinidade: o amor e a benevolência. Distinguida da benevolência porque esta pode ter como alvo pessoas desconhecidas e permanecer oculta, o que não ocorre com a amizade, e distinguida do amor, porque este é semelhante a uma afeição e a amizade a um hábito.
Aqueles que foram contemplados com a felicidade de poder dispor, na velhice, de um grande número de verdadeiros amigos - forjados durante a infância e a adolescência - podem se considerar seres humanos predestinados; pois, é acontecimento raro. A amizade desenvolvida entre amigos que conviveram juntos durante muito tempo (como aquelas que desfrutamos na vida militar) e que, eventualmente, correram riscos juntos, é indissolúvel. Ao se encontrarem, após anos de ausência, é como se o tempo não houvesse transcorrido.
Cito o exemplo da amizade desenvolvida entre aqueles que participaram de guerras e de revoluções, onde suas vidas, muitas vezes, dependeram de seus pares. Cito, também, a amizade existente entre o mestre e seus alunos ou discípulos, como é o caso de Frei Luis de León, professor da Universidade de Salamanca, na Espanha, no século XVI, que foi preso pela Inquisição em razão de traduzir livros não autorizados pela Igreja Católica. Como seus alunos eram também seus amigos, após cinco anos de cárcere, tendo sido solto e havendo retornado à sua cátedra na universidade, na primeira aula que proferiu perante seus antigos alunos e amigos, iniciou com as seguintes palavras: - “Como deciamos ayer...” (Como dizíamos ontem...)
Finalizando como tudo na vida possui, no mínimo, duas interpretações de observação e de compreensão, reporto-me a dois pensamentos, opostos, sobre a amizade:
“É preciso ter sempre alguém em quem se possa confiar e falar abertamente, ao menos em um raio de dez quilômetros. Não adianta se estiver mais longe”. (Guerdjef).
“Não te abras com teu amigo que ele outro amigo tem; e o amigo do teu amigo, possui amigos também...” (Mario Quintana).
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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