terça-feira, 28 de junho de 2016

65. Um político honesto**

Jober Rocha*


                 Não desejo que aqueles que me leem pensem que brinco com seus sentimentos e com suas emoções, ao denominar este texto de ‘Um político honesto’. Sei que é difícil imaginar algo parecido; porém, o fato que passarei a narrar foi por mim mesmo testemunhado, já que convivi por longo tempo com o seu protagonista principal, como amigo particular e vizinho de porta e, para mim, também foi uma grande surpresa o desfecho deste caso tão insólito.
          Desde pequeno fomos vizinhos em um pequeno prédio residencial do subúrbio. Crescemos juntos como colegas de escola, companheiros de partidas de futebol e, mais tarde, já na adolescência, como frequentadores assíduos dos bailes e das festas nas casas de jovens do bairro.
                  Ele, desde garoto, possuía o dom da palavra e do convencimento alheio. Toda vez que alguém aniversariava, ele era o escolhido para fazer a saudação; panegírico este que emocionava não só o aniversariante, como também a sua família e todos os demais convidados. Sempre que ocorria alguma discussão entre duas ou mais pessoas, em um ambiente no qual ele se encontrasse presente, a simples intervenção dele na conversa fazia com que a opinião de todos os presentes convergisse para a dele; tudo isto em razão dos seus argumentos e do poder de persuasão que tinha. 
                 Nunca - que eu tivesse visto - falou algum palavrão, faltou com a verdade, agiu com injustiça, fez alguma covardia, foi indelicado com alguém, apropriou-se de algo que não lhe pertencia, maltratou algum ser humano ou, mesmo, qualquer animal.
                  Era estimado por todos, na escola, no clube, na vizinhança, no bairro.
               Talvez em razão disto tudo, quando atingiu a maioridade, seus amigos mais chegados sugeriram que ele ingressasse na política partidária, como forma de poder contribuir para a melhoria do bairro onde vivera a maior parte da vida e onde possuía uma multidão de amigos.
                Inicialmente contrário à ideia – já que dentre todas essas suas qualidades, ainda existiam as da modéstia e da premonição – relutou durante alguns anos, mas, finalmente, sucumbindo à pressão dos amigos acabou filiando-se ao Partido dos Suburbanos Inconformados e Unidos – PSIU e candidatou-se a uma cadeira de vereador na Assembléia Legislativa do município, nas eleições daquele ano.
               Durante os comícios pelas praças do bairro, a multidão em peso acorria para ouvi-lo falar sobre as suas idéias e as propostas de melhoria para a comunidade, que faziam parte de sua plataforma política.
              Foi eleito vereador com milhares de votos. Creio que o bairro inteiro - além de outros bairros vizinhos - deu seu voto para ele.
             Empossado, começaram os seus problemas. Tendo recusado um cargo de direção na administração municipal, para que o suplente ocupasse a sua vaga de vereador e ele, na função de diretor de órgão municipal, obtivesse recursos financeiros para o partido pelo qual se elegera - através de concorrências fraudadas e superfaturadas - foi logo mal visto pelo seu próprio partido, que, a partir de então, passou a considerá-lo como um traidor.
                Tendo, logo a seguir, recusado uma verba mensal concedida pela prefeitura – oferecida para todos os vereadores – destinada a comprar seus votos favoráveis, naquelas matérias do interesse do prefeito, passou a fazer parte das listas negras, tanto da casa onde se reunia para legislar quanto da prefeitura.
              A partir de então, todos os projetos que apresentava eram sistematicamente rejeitados pelos seus pares. Era sempre visto sozinho em seu gabinete; nem seus próprios assessores e assistentes apareciam mais por lá.
               Os eleitores do bairro, depois de algum tempo, vendo que nenhuma das promessas que ele havia feito fora cumprida (pois o bairro continuava igualzinho como sempre fora: ruas sujas, esgotos a céu aberto, terrenos baldios com o mato alto, falta de coleta de lixo, falta d’água, ruas esburacadas, hospitais carentes de médicos, pouco transporte coletivo, etc. etc. etc.), passaram a falar mal dele.
              Diziam que era igual a todos os demais candidatos; isto é, prometia apenas para obter votos, já sabendo, de antemão, que nada faria daquilo que havia prometido.
               A noiva que possuía na ocasião acabou por abandoná-lo, ao saber das coisas escabrosas que ele contava. Abandonou-o, porque não via nele nenhum futuro na política e nem na vida pessoal. A recusa dele em receber aquela pequena fortuna que lhe havia sido oferecida, foi a gota d’água que entornou as taças de champanhe com que brindariam o casamento já marcado. Como ser a feliz esposa de um político – pensava ela – que não cuidava do conforto e bem estar da família e dos futuros filhos que, certamente, pretendiam ter?
             Os eleitores, antes contados aos milhares e agora contados às dezenas, o evitavam sempre que podiam. Não frequentavam mais o bar do Manoel, nas quintas feiras - dia em que ele por lá costumava aparecer, desde muito antes de se tornar um político – para não encontrá-lo e, eventualmente, chegar até as raias de agredi-lo fisicamente, durante alguma discussão mais acalorada.
               Seus poucos amigos achavam que em defesa dos eleitores e de suas demandas, todos os comportamentos ilícitos (mesmo aqueles mais viciosos), eram válidos na vida política. Eram adeptos do ‘- Rouba, mas faz!’; frase dita com certo orgulho por eleitores paulistas, em determinada ocasião, referindo-se a um político local. Todos o criticavam por não haver aceitado o suborno, que, mantendo-o ‘bem’ na política municipal, permitiria a eles - seus eleitores - verem atendidas as suas reivindicações em prol do bairro em que residiam. Todos eles, em seu lugar, teriam aceitado aquele ‘acerto’ proposto pelo prefeito e, por isso mesmo, não entendiam o seu comportamento ‘moralista’ e nem o perdoavam.
               Na assembléia legislativa onde ia todos os dias, ele sentia-se como um ‘peixe fora d’água’. Era como se falasse outra língua (gaélico ou provençal, por exemplo), que nenhum dos seus pares entendia.
                    Esperou o mandato terminar e deixou o partido e a política, para sempre. De que adiantava – pensava ele- pelejar por um povo acostumado a levantar templos aos vícios e cavar masmorras às virtudes? Um povo que aceitava o mal, buscando angariar o bem para si mesmo. Eleitores que eram coniventes com a fraude, desde que aquilo resultasse em alguma melhoria para o seu bem estar pessoal. Que passavam por cima da moral e dos bons costumes se vislumbrassem, com isto, algumas benesses para si mesmos, para suas famílias ou para os seus grupos sociais.
                            Assim, meu amigo concluiu que era melhor viver isolado em uma ilha deserta, longe daqueles eleitores oportunistas e egoístas.
                               Isso, meus caros leitores, foi o que ele declarou, particularmente, a mim como seu amigo e antigo companheiro de juventude e, publicamente, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, que apurava o desvio de recursos e a malversação de fundos públicos; já que, ele era um dos principais acusados de chefiar quadrilha que fraudava concorrências, extorquia empresários e participava de inúmeros negócios escusos no município e no Estado. Fora descoberto ao ser investigado pelo Ministério Público, em razão da aquisição de milionária e cinematográfica ilha (com dezenas de suítes, varandas, salas, garagens de barcos, porto para atracação de iates e até aeroporto para pouso e decolagem de aviões e helicópteros), situada no litoral do Estado e adquirida por cinqüenta milhões de dólares. Vivia na ilha com a amante, depois que terminou o noivado com a moça do bairro, que namorava desde os tempos de colégio.
                             Até hoje, ainda não sei em quem acredito - se nele, meu amigo e vizinho de infância, ou se nos promotores que o acusam; pois ele sempre me pareceu tão honesto...


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado no Jornal A Palavra nº 165, novembro de 2015. APA/BNDES. Rio de Janeiro, RJ

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