quinta-feira, 2 de junho de 2016


30. Unidos sob a Força do Direito ou pelo Direito da Força?


Jober Rocha*


        Com a saída do governo do presidente João Batista Figueiredo e com a assunção do presidente José Sarney ao poder, o Brasil deixou para trás, em 1985, vinte anos de regime militar - ou do direito da força – e ingressou em um regime democrático, onde deveria prevalecer a força do Direito.
           Nestes vinte e nove anos, que se seguiram ao fim do regime militar, constatou-se que as denuncias de corrupção e os escândalos financeiros se avolumaram e não pararam de crescer.
              Não que escândalos de corrupção inexistissem no período do governo militar, como também no reinado e no império do Brasil. Ocorre que tais regimes (ditadura, monarquia e império) são, por natureza, regimes que se caracterizam pela força das armas e da autoridade de uma determinada pessoa, que, geralmente, tudo pode. Ao contrário, no regime democrático - onde a participação popular, através do voto, é que conduz o governante ao posto máximo – o cidadão no poder deverá estar sujeito às leis vigentes, como também os demais membros do executivo, do parlamento e do judiciário.
             Em nosso país, entretanto, sob o manto democrático estendido após o fim do regime militar, uniram-se alguns membros dos três poderes e da iniciativa privada (conforme denuncias, diárias, da imprensa), visando à realização de ações criminosas que os beneficiariam diretamente; bem como o partido político no poder e aqueles outros partidos pertencentes à base aliada.
           Ao mesmo tempo em que isto ocorria, o partido no poder, até então, esquecendo-se da máxima ‘viva e deixe viver’, comum entre os poderosos nas Repúblicas de Bananas, moveu acirrada campanha contra os militares, colocando-os como réus, em episódios da passada Guerra Revolucionária travada nas décadas de 1960 e de 1970. Ademais - sob este mesmo manto da democracia - o partido no poder até o afastamento da presidenta, tinha conduzido as nossas Instituições Republicanas à adoção de práticas comuns aos regimes totalitários, como o Comunista e o Socialista.
       Diante destes fatos, constatamos que saímos de um regime de força para, infelizmente, mergulharmos em outro regime de força.
        O filósofo Jean-Jacques Rousseau em sua obra “Du Contrat Social ou Principes Du Droit Politique”, publicada em Amsterdam no ano de 1762, já mencionava: “a ordem é um direito sagrado, que serve de base a todos os outros”. Dizia também o filósofo, que “os homens, tendo nascidos iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio”.
           As convenções, segundo o autor, “eram as bases de toda a autoridade legítima entre os homens; já que, nenhum deles tem autoridade natural sobre o outro e a força não gera nenhum direito”.
           Conforme pensava Rousseau - considerando que os homens não podiam criar novas forças - não tinham eles nenhuma alternativa a não ser a de se unir, e dirigir as forças que existiam “formando, por agregação, uma soma de forças que possa prevalecer sobre a resistência, colocá-las em jogo por uma só motivação e fazê-las agir de comum acordo”.
         Assim, o problema fundamental que o Contrato Social dava solução, segundo Rousseau, era o de “achar uma maneira de associação que defendesse e protegesse a pessoa e os bens de cada associado, pela qual, cada um, unindo-se a todos, obedecesse unicamente a si mesmo, sendo livre como antes”.
           Com respeito ao soberano, ou governante, o filósofo afirmava: “alicerçado nos indivíduos que o compõem, não pode ter seus interesses contrários ao do povo, não tendo nenhuma necessidade de garantia com seus súditos, pois é impossível que o corpo, queira prejudicar todos os seus membros”.
Entretanto, para o filósofo, “se através do Contrato Social o homem se vê privado de muitas vantagens advindas da Natureza, ele passa a possuir outras que as compensam, como: faculdades exercitadas e desenvolvidas, ampliação de idéias, sentimentos enobrecidos, etc. Com o Contrato Social o homem perde sua liberdade natural e seu direito ilimitado a tudo que o tenta e que ele pode atingir, mas ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui”.
          Embora o Contrato Social de Rousseau tenha sido citado, inúmeras vezes, por algumas de nossas autoridades – que, se alguma vez o folhearam, seguramente, não entenderam com profundidade suas teses - aquele contrato vigente até então em nosso país, já tendo sido rompido unilateralmente pelo próprio soberano, estaria à beira de ser rompido, também, pelos súditos. Explico-me melhor: Conforme dito no início, sendo a Ordem um direito sagrado, que serve de base a todos os outros, é evidente que sem respeito ao ordenamento jurídico (que manteve os nossos cidadãos, até agora, fiéis ao Contrato Social pactuado) os demais direitos do cidadão perderão seu valor e acabarão por se extinguir. Da mesma forma, conforme já mencionado anteriormente, os homens só alienam sua liberdade em proveito próprio: quando percebem inexistir benefício algum pela troca que fizeram, a tendência é romper o Contrato Social, às vezes de maneira radical e violenta, como muitos povos já o fizeram. 
       Alguns exemplos do rompimento do contrato, por parte do nosso soberano, podem ser encontrados em diversas medidas adotadas, como, por exemplo: a tolerância extrema com os movimentos campesinos e urbanos que invadem propriedades rurais ou urbanas, produtivas ou não, muitas vezes depredando e danificando culturas, instalações e equipamentos; a elevada carga tributária (uma das mais elevadas do mundo) a que os súditos e suas empresas estão submetidos, sem uma contrapartida equivalente em termos de saúde, segurança, transportes, serviços, etc.; a morosidade e, muitas vezes, a parcialidade do Judiciário com respeito aos julgamentos de autoridades e dos chamados réus ‘chapa branca’, isto é, pertencentes aos partidos políticos no poder; o corporativismo do legislativo, quando se trata de punir, através da cassação de mandatos, seus representantes no senado e na câmara; o envolvimento de inúmeras autoridades, dos três poderes, em episódios de corrupção divulgados pela mídia, sem que estas autoridades paguem, judicialmente, pelos seus atos e devolvam aos cofres públicos aquilo que receberam ilicitamente. A tentativa de estabelecer um governo comunista, ou socialista, sem um referendo popular - governo este que teria o poder e a intenção de mexer nos bens dos cidadãos e suspender muitos dos seus direitos constitucionais, modificando, ademais, as instituições públicas e privadas; a aliança política, econômica e estratégica com países comandados por ditadores retrógrados - que utilizam ideologias idem para governar seus países; o perdão de dívidas de países africanos com o nosso país (países estes comandados por ditadores, em sua grande maioria, milionários), sem nenhuma consulta aos demais poderes da república e á população. A tentativa de desarmamento da população, cujo objetivo velado é o de retirar armas em poder dos súditos, de modo a evitar eventuais revoltas e rebeliões que possam destronar os soberanos; o sucateamento proposital das forças armadas, deixando o país indefeso frente a eventuais ameaças externas e internas; a cessão de partes importantes do território nacional (por sua riqueza em recursos naturais e minerais estratégicos), e sua completa autonomia, para determinadas populações indígenas (algumas destas habitando áreas de fronteira que adentram outros países), caracterizando, em alguns casos, verdadeiros crimes de Lesa-Pátria; o loteamento de cargos comissionados com elevados salários, na administração pública, entre os membros do partido do governo e da base parlamentar que o apóia, de seus parentes e amigos; o envolvimento de pessoas muito próximas ao soberano em denúncias de corrupção e desvio de recursos públicos, malversação de verbas, etc., etc. e etc.
           Tais constatações deixaram evidente o rompimento unilateral, pelo nosso soberano, do Contrato Social estabelecido em nosso país; pois, parece claro, não foi este contrato constituído para providenciar proteção e melhorias aos súditos, mas, sim, para beneficiar o soberano e sua corte.
              Da parte dos súditos, ao se depararem com dois pesos e duas medidas; isto é, um tratamento para as autoridades da corte e outro para os simples mortais trabalhadores, mesmo aqueles menos informados e inteligentes perceberão que estão sendo logrados. Ao constatarem que pagam uma das cargas tributárias mais altas do mundo, sem benefícios que o justifique, dar-se-ão conta de que estão sendo iludidos. Ao serem assaltados ou violentados nas ruas ou em suas residências, sem que as autoridades os protejam, constatarão, sem dúvida, que estão sendo ludibriados; ao necessitarem de socorro médico e ficarem horas, dias, semanas e meses, nas filas dos hospitais sem serem atendidos, perceberão que estão sendo enganados; ao verem as autoridades legislarem sobre seus próprios salários, ao verem as inúmeras gratificações e benesses que engordam os contracheques destas autoridades e compararem tudo isto ao percentual de elevação anual do salário mínimo (muitas vezes representando, apenas, alguns poucos Reais a mais e, conforme pesquisa feita por alguém, representando apenas o equivalente a um frango comprado no supermercado), perceberão que estão sendo traídos. Mesmo aqueles súditos mais afortunados, beneficiados com moradias populares, constatarão, segundo pesquisa divulgada pela imprensa, que as casas que receberam desfazem-se aos poucos, em razão da má construção e dos materiais de baixa qualidade com que foram edificadas. Estes súditos, com certeza, também perceberão que foram enganados. Aqueles que buscam emprego e não conseguem, seja em razão da escolaridade deficiente que receberam nas escolas mantidas pelo soberano, seja em razão da estagnação econômica em que se encontra o país (e que, segundo alguns economistas, deve continuar nos próximos anos ou mesmo acentuar), constatarão que foram iludidos e que apenas lhes resta um subemprego ou os caminhos da contravenção e do crime. Ao perceberem que os recursos financeiros que faltam em setores essenciais e básicos, como na saúde, no saneamento, nos transportes, na segurança pública, nas estradas, são encontrados em profusão em obras supérfluas como a dos estádios de futebol, onde foram gastos, por baixo, cerca de trinta bilhões de reais, constatarão o desperdício e a má gestão do soberano. Mesmo aqueles que se beneficiam de bolsas concedidas pelo governo, perceberão, em breve, se ainda não o fizeram, que aqueles recursos que recebem, mensalmente, aos poucos vão perdendo seu poder de compra em razão da inflação, que a má gestão pelo soberano, da administração pública fez retornar. Os que se dedicam ao pequeno comércio, aos pequenos serviços ou são profissionais autônomos, constatarão a sanha arrecadadora com que os agentes do governo federal, estadual e municipal os perseguem, na ânsia de retirar-lhes o pouco que obtiveram com o seu suor diário. Os cidadãos comuns, ao fazerem uso do direito constitucional de ir e vir sofrem, na pele, com as excessivas e vultosas multas de trânsito, taxas e impostos referentes ao uso e posse de veículos, pedágios e cobranças legais ou ilegais de estacionamento, por parte de agentes terceirizados ou dos chamados ‘flanelinhas’.
          Ao constatarem que formam a base da pirâmide, que são eles que tudo executam e que contribuem com seu esforço e com sua renda para a construção do país - país este que, embora a sétima ou oitava economia mundial, muito pouco lhes dá em retribuição pelo tanto que fazem, em razão de má gestão dos soberanos que têm se sucedido - e constatarem, ademais, a perda dos valores morais, das virtudes e da proteção que buscavam ao participarem do Contrato Social firmado com o soberano; verem os vícios dominar o cenário político do país, com verdadeiras quadrilhas dilapidando os cofres da nação, os súditos podem, eventualmente, se sublevar e romper também o Contrato Social que já havia sido rompido pelo soberano, instaurando-se uma convulsão social e a conseqüente guerra civil que sempre a acompanha. Temos visto isto acontecer em diversas partes do mundo, tanto no passado quanto no presente. Nós, que sempre pensamos que estas coisas só ocorriam em outros países, estamos perto de vê-las ocorrer também no nosso.
            Quem já teve a curiosidade de acompanhar pelo You Tube a guerra civil travada na Síria, no Iraque, na Palestina, no Afeganistão, na Ucrânia e em vários outros países africanos, sabe, muito bem, dos devastadores efeitos e das conseqüências de guerras desta natureza sobre a vida presente e futura dos cidadãos.
           Certamente, quando a maioria dos cidadãos se der conta de que esta sendo ludibriada e que deve alijar do poder os atuais governantes – como parece estar ocorrendo – o cenário político deverá se alterar. O que fará, nesta contingência, o partido alijado do poder, ainda é uma incógnita. O que poderá com toda certeza ocorrer, caso o partido vencedor das eleições mantenha, ainda, o rumo democrático, é a instalação de Comissões da Verdadeira Justiça, perante as quais todos aqueles envolvidos no desvio de recursos públicos, em malversação de verbas, em concorrências fraudulentas, etc. etc. etc. - e, apesar disto, absolvidos pela Justiça comum ou por fóruns privilegiados – deverão ser chamados a se explicar, espontaneamente ou de forma coercitiva.
           Que Deus, sendo brasileiro como muitos dizem ser, interceda para que não tenhamos que passar pela infelicidade de uma convulsão social, como tudo isto leva a crer, retornando a um estado de barbárie com o rompimento do contrato social - como ocorre nos conflitos mencionados anteriormente - e que permaneçamos, ainda, unidos pela força do Direito.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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