31. E aí, está reclamando do que?**
Jober Rocha*
Considerando a agrura pela qual passa o nosso país, é muito comum vermos brasileiros reclamando acaloradamente dos efeitos da crise atual e discutindo sobre as origens e conseqüências da mesma. Os seus efeitos, evidentemente, são percebidos e sentidos na pele pela maioria da nossa população; as suas origens e as suas conseqüências, no entanto, não são reconhecidas pela grande maioria.
Relativamente à sua origem, está crise atual não deve ser atribuída, apenas, a fatores econômicos e políticos considerados supervenientes; posto que, eventuais candidatos a ministros, competentes em suas respectivas pastas, existem em quantidade no mercado de trabalho brasileiro e dentre as funções de ministros competentes está a de se antecipar a eventuais crises.
Quando, em detrimento de nomeações de alguns destes inúmeros profissionais competentes para os diversos ministérios existentes, são feitas nomeações de amigos ou companheiros incompetentes (nomeações estas, que atendem a interesses político-partidários inconfessáveis, como parece ser o caso de grande parte dos ministérios, antes e depois do impeachment da presidenta, a possibilidade de surgirem crises pode ser antevista por qualquer pessoa razoavelmente esclarecida, antes mesmo que ocorram. Assim, a origem desta crise atual deve ser buscada em outros fatores, já que aqueles de natureza econômica e política são, evidentemente, conseqüências e reflexos de uma causa anterior.
Com referência às implicações da crise, se o estado de calamidade das contas públicas, o desarranjo institucional, a obsolescência de instalações, equipamentos, máquinas, processos administrativos, organizacionais, de logística e de gerência da maioria dos organismos pertencentes aos três poderes, tiverem as magnitudes que parecem ter, certamente, levaremos vários anos (senão décadas) para recuperar posições ou situações já alcançadas no passado.
Se pensarmos em termos de Dívida Pública, corremos o risco de ter um enfarte ao conhecer a sua magnitude: Dois trilhões e quinhentos bilhões de reais (posição esta em maio de 2015). Se pensarmos em termos de Previdência ou de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, com certeza enfartaremos.
O aparelhamento político dos três poderes da República, realizado nos últimos anos (quando grande parte daqueles nomeados para cargos comissionados ou funções de direção, sem a necessidade de concurso público, foram indivíduos vinculados ao partido no governo ou à sua base aliada), tornou difícil uma administração da coisa pública lastreada em critérios de seriedade, honestidade, imparcialidade e competência.
Muitos servidores públicos não concursados, nomeados para cargos em comissão ou ocupantes de funções de direção, além de desconhecerem integralmente os problemas com os quais teriam de se defrontar, não possuíam a formação acadêmica e profissional necessária para as funções ou para os cargos que ocupariam. Suas indicações e nomeações foram devidas às sinecuras, aos nepotismos ou aos acordos políticos para o aparelhamento dos três poderes, lastreados em interesses ideológicos ou, até mesmo, criminosos e inconfessáveis. Daí a uma falência total do governo, das instituições públicas e de muitas empresas privadas, a distância foi curta, como se costuma dizer.
Ao perguntarmos como isso tudo pode ocorrer e porque nos encontramos na triste situação em que estamos, devemos enxergar em nós mesmos a causa primeira de todo este drama sócio-cultural, com repercussões políticas e econômicas, vivido pelos brasileiros. Na verdade, o sujeito e o próprio objeto deste artigo somos todos nós, caros amigos leitores, e as escolhas erradas que temos feito ao longo das nossas vidas. O Sistema de Dominação existente funciona bem quando e enquanto a maioria das pessoas aceita a dominação, acredita nas ‘verdades’ proclamadas pelo Sistema, e as reproduz.
Como afirmou Étiene de La Boétie em seu ‘Discurso da Servidão Voluntária’, escrito no século XVI e, portanto, 360 anos antes de Mahatma Gandi divulgar, em 1906, o principio da não agressão – Satyagraha (uma forma não violenta de protesto e de desobediência civil): - “Não é preciso combater nem derrubar esse tirano. Ele se destrói sozinho, se o país não consentir com sua servidão. Nem é preciso tirar-lhe algo, mas só não lhe dar nada. O país não precisa esforçar-se para fazer algo em seu próprio benefício, basta que não faça nada contra si mesmo. São, por conseguinte, os próprios povos que se deixam, ou melhor, que se fazem maltratar, pois seriam livres se parassem de servir. É o próprio povo que se escraviza e se suicida, quando, podendo escolher entre ser submisso ou ser livre, renuncia à liberdade e aceita o jugo; quando consente com seu sofrimento, ou melhor, o procura”.
Os indivíduos, enquanto cidadãos, consumidores, fiéis, eleitores, contribuintes, correntistas, telespectadores, leitores, etc., possuem uma monumental força, insuspeitada por eles mesmos. Se conscientes e unidos, podem ‘quebrar’ empresas (não consumindo seus produtos ou serviços), podem fechar igrejas (não frequentando seus templos), podem sanear o legislativo do país (não votando em políticos reconhecidamente corruptos ou que não tenham ficha limpa) e podem pressionar o governo a se moralizar (mediante passeatas, greves, boicotes, etc.). Só não o fazem por serem desunidos, mal informados, acomodados, influenciáveis e ingênuos. A única maneira de mudar o mundo é começando por mudar a nós mesmos. Reconheço que somos apenas uma gota no vasto oceano dos seres dominados, mas o mar se move na direção para onde as gotas se dirigem e não o contrário. O mesmo se passa com os bandos de pássaros, com os cardumes, com os rebanhos e com as populações. São os seus componentes que os movimentam. Se nós, seres humanos, nos tornarmos conscientes de como as coisas se passaram até agora, poderemos modificá-las no futuro. Como bem disse o médium Chico Xavier (cuja frase é citada erroneamente, ao final de muitos e-mails, como sendo de autoria de Rui Barbosa): “- Embora não possamos voltar atrás e fazer um novo começo, podemos sempre começar de novo e fazer um novo fim”.
Nossas escolhas erradas, com respeito àqueles que conduzirão o Poder Legislativo do país, têm sido a principal causa do nosso atraso econômico e social e das crises pelas quais passamos. A nossa alienação quanto a questões geopolíticas e econômicas, bem como a nossa inocência e pouca cultura quanto a questões de ordem ideológica, política, religiosa e filosófica, estão por detrás de todos os males que nos afligem, compondo um pano de fundo de nossas idiossincrasias.
Eu faço votos de que uma nova maneira de entender o nosso país e o mundo em que vivemos (nova na medida em que difere da versão oficial) contribua para libertar-nos de falsas propagandas, falsos valores, falsas crenças, crendices e superstições, todos maquiavelicamente inoculados em nossas mentes com o único objetivo de esconder-nos a verdade e permitir que sejamos facilmente dominados, sem que dessa dominação tenhamos ciência e sem que a ela oponhamos resistência.
Que vocês, caros leitores, passem a ser mais conscientes dos seus interesses e menos ingênuos com relação aquilo que lhes tentam incutir através da grande mídia, oficial e privada. Procurem fontes alternativas para se informar, como cursos, seminários, palestras, livros e a própria WEB. Defendam os seus pontos de vista e valores, não se deixando influenciar e, dentro da lei, principalmente, fazendo apenas aquilo que as suas consciências ou o bom senso lhes indicar.
_*/ Economista, Mestre em Ciências pela Universidade Federal de Viçosa-MG e Doutor em Economia pela Universidade de Madrid-Espanha.
_**/ Publicado em Leitura Recomendada de 12.10.2015, www.reservaer.com.br
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