segunda-feira, 20 de junho de 2016

57. O que impede os nossos políticos de serem honestos?


Jober Rocha*


                                  - O Conjunto dos Políticos e o Conjunto dos Homens Honestos são dois conjuntos mutuamente exclusivos, ou disjuntos”- exemplificava o professor, sorrindo, durante a aula de Teoria dos Conjuntos.
                                       Chegando à casa, pouco depois, o neto comentou com o avô sobre o exemplo dado pelo professor. O avô, interessado por temas políticos e sócio-filosóficos, passou o resto da tarde meditando sobre aquela afirmação do professor do neto e resolveu, ao final do dia, colocar no papel as conclusões a que havia chegado. Eis o texto que ele escreveu:

                                   “De uma maneira geral, considera-se uma pessoa honesta, quando ela não mente, não furta, não rouba. Viver uma vida honesta tem por objetivo possuir alegria, paz, respeito dos demais e boas amizades.
                                  A honestidade seria, assim, a obediência incondicional das regras morais, embora estas possam variar no tempo e no espaço. A honestidade está muito vinculada ao sentimento de honra, uma qualidade pessoal que implica em falar sempre a verdade, não se omitir e nem dissimular.
                                   A honestidade não admite a malandragem nem a esperteza de querer levar vantagem, sempre que surja a oportunidade. São seus sinônimos a honradez, a probidade, a decência e a dignidade. Seu antônimo é a desonestidade.
                                      Os seres humanos são criados, de uma maneira geral, tendo que se submeter às leis e aos ditames da moral e dos bons costumes dos países onde vivem, mesmo pertencendo à classes sócio-econômicas distintas. Muitos, entretanto, podem fugir a este padrão por razões diversas; isto é, por viverem sós e habitarem locais distantes dos aglomerados populacionais ou por participarem de comunidades isoladas, não assistidas pelos poderes públicos, comunidades estas que possuem costumes e moral próprias, etc. Aquilo que em muitos países e localidades é considerado crime ou atentado à moral e aos bons costumes, em outros pode não o ser.
                                       Por sua vez, os sentimentos que, em teoria, conduziriam os indivíduos para o caminho da política podem ser vários: vontade de trabalhar em prol da coletividade; desejo de auferir vantagens financeiras; necessidade de obter reconhecimento público; vocação para liderar grandes massas humanas; etc.
                                      Quando qualquer indivíduo enceta os primeiros passos em direção da carreira política em nosso país, sendo ou não honesto, defronta-se com um marco político-institucional já definido e estabelecido, tendo que adequar-se a este marco, caso realmente pretenda seguir em frente.
                                  Aqui os partidos políticos contam com recursos públicos e privados para se manterem e levarem a termo suas campanhas eleitorais. Os recursos públicos podem ser obtidos de modo oficial ou extra-oficialmente.  O primeiro modo consiste nas verbas legais destinadas aos partidos políticos. O segundo modo é representado pelas propinas e comissões obtidas, por integrantes dos partidos, junto aos três poderes da República, naquelas obras realizadas com recursos públicos, por intermédio ou não de licitações. Outra maneira consiste na advocacia administrativa remunerada (cobrança para agendar entrevistas com autoridades, obter concessões, financiamentos públicos, dispensa de impostos, multas, etc. etc. etc.).
                                         Os dirigentes dos partidos, geralmente, apoiam, dentre os seus candidatos às eleições municipais, estaduais e federais, aqueles mais maleáveis para a prática do segundo modo (que acaba se institucionalizando, como no caso do Mensalão, em troca do apoio daquele partido ao partido no poder).
                                     O partido que chega ao poder, para governar sem oposição de fato, estabelece, assim, o loteamento dos cargos de direção nos ministérios, autarquias, empresas públicas, fundações, etc. 
                                      No que se refere aos recursos privados com que contam os partidos políticos, a maior parcela destes é fornecida por empresas e conglomerados. Estes, de uma maneira geral, fazem suas contribuições para quase todos os partidos, já que não são movidos por ideologias, mas, apenas pelo desejo de lucrarem com o partido no poder. Qualquer partido que chegue ao poder, terá, assim, recebido contribuições destas empresas e destes conglomerados, que, no passo seguinte, quererão receber de volta, com juros e correção monetária, as contribuições que fizeram. Têm início, então, às obras superfaturadas, as compras desnecessárias, os desvios de recursos, as concessões de empréstimos públicos, o perdão de dívidas, etc.etc.etc.
                               Tudo o que até aqui foi dito, refere-se, tão somente, aos partidos políticos. Entretanto, ao agir pelo seu partido fazendo este ‘trabalho sujo’, o político, que teve sua candidatura apoiada por este em razão de sua maleabilidade, também pensa um pouco em si mesmo. Assim é que parte daquilo que arrecada (e parte do tempo de seu mandato) é destinada ao benefício de si próprio.
                                    De quatro em quatro anos, ou de cinco em cinco, tudo isto se repete com as mesmas ou com novas figuras.
                                 Vale, ademais, mencionar os compromissos assumidos pelos partidos com aquelas pessoas, denominadas ‘cabos eleitorais’, que trabalharam para os mesmos obtendo votos em comunidades ou em setores da sociedade. Estes compromissos podem representar, além de dinheiro, cargos e empregos nos três poderes da República, fazendo com que proliferem as diretorias, os cargos em comissão, os ‘trens da alegria’, etc. etc. etc.
                                      Até aqui, falei apenas nas verbas recebidas pelos partidos e pelos políticos do governo, verbas estas partidas de empresas e de particulares sediados no Brasil.
                                   Resta, portanto, falar dos recursos financeiros que alguns políticos e partidos recebem do exterior. Alguns políticos, no exercício dos seus mandatos, recebem propostas de pagamentos por parte de governos e de empresas estrangeiras (os chamados 'lobies'), para defenderem interesses destes governos e destas empresas, naqueles projetos apresentados na câmara e no senado e para as votações realizadas.                                     
                                           Este, portanto, é o quadro com que os candidatos a cargos eletivos, sendo ou não honestos, se defrontam em nosso país. Acresce a isto, o fato de que a própria justiça, tanto estadual quanto federal, tem seus mais altos representantes nomeados pelo executivo estadual ou federal, respectivamente; isto é, pelos partidos políticos.
                                    Um cidadão completamente honesto tem, portanto, inúmeros obstáculos para chegar a transformar-se em um político eleito. Caso consiga superar todos os obstáculos que se lhe apresentarão e chegar a possuir um mandato, será considerado como uma ave fora do ninho. Falará uma linguagem não entendida pelos seus pares, podendo, inclusive, acabar sendo afastado do partido, ao este reconhecer que investiu na pessoa errada.
                                    Isto que foi dito para o nosso país é válido, também, para a maioria dos países. O que em alguns destes países, todavia, será diferente do nosso, consiste nos mecanismos de fiscalização, de controle, de apuração e de punição dos eventuais crimes e infrações cometidas pelos políticos. No nosso país, político condenado pela justiça e cumprindo pena em presídio, ainda mantém o mandato, recebendo integralmente o seu salário. Outros políticos, eventualmente condenados, vão cumprir suas penas em casa.
                                       Alguém já disse que se os três poderes, em nosso país, fossem três empresas, já teriam falido há muito tempo; em razão do muito que custam e do pouco que produzem. Já existe até uma proposta em discussão para fechar o Superior Tribunal Militar e anexar suas atribuições às do Supremo Tribunal Federal, em razão do seu alto custo e dos poucos processos que julga.
                                      O fato das sedes dos três poderes estarem todas situadas em Brasília, longe dos olhos do resto do país, faz com que os gastos supérfluos, as malversações, os desmandos, as sinecuras, sejam muito maiores do que se estas estivessem localizadas no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em outra grande capital do país, por exemplo.
                                    Em passado recente, foram privatizadas diversas empresas pertencentes ao poder executivo. Talvez algumas funções realizadas pelo legislativo e pelo judiciário, também, pudessem ser alvo de privatização. Já se fala em privatizar presídios, talvez outras atividades exercidas pelos dois poderes citados pudessem ser também privatizadas, aliviando a excessiva carga tributária a que a população brasileira está submetida e reduzindo o excesso de funcionários e de cargos de chefia nas administrações federais, estaduais e municipais.
                                       Finalizando, cabe mencionar, ainda, que muitos políticos fazem da política profissão. No caso destes a alternância no poder, tão propalada como uma das vantagens do regime democrático, não ocorre. Tendo criado seus ‘currais eleitorais’, quase sempre em troca de dinheiro, de favores e de empregos, são sucessivamente eleitos e acabam por se aposentar, em apenas dois mandatos, com seus elevados salários. Com residências e veículos oficiais, verbas de representação, passagens aéreas gratuitas, gabinetes com verbas extras e assessores parlamentares, seus padrões de vida equivalem ao dos maiores empresários do país e do exterior. Assim, acostumam-se facilmente a este padrão de vida, do qual não desejam, jamais, se afastar.
                                          A Matemática se trata de uma ciência exata em qualquer parte do Universo. O exemplo dado pelo professor para o meu neto em sala de aula (O Conjunto dos Políticos e o Conjunto dos Homens Honestos são dois conjuntos mutuamente exclusivos), todavia, pode ser válido apenas para o nosso país e para mais alguns outros, que lhe são semelhantes em formação moral e cívica. Não é válido, portanto, para a totalidade dos países, onde, eventualmente, o Conjunto dos Políticos pode ser um subconjunto do Conjunto dos Homens Honestos ou, até mesmo, apenas alguns poucos políticos fazerem parte da intercessão do Conjunto dos Políticos com o Conjunto dos Homens Honestos.
                                    Embora o professor ministrasse a sua aula de Teoria dos Conjuntos aqui em nosso país e seu exemplo pudesse ser pertinente em nosso caso (haja vista que o presidente de um partido político, em setembro de 1993, antes de se eleger presidente da república em 2003, havia declarado, publicamente, que havia no nosso congresso 300 políticos picaretas que defendiam apenas seus próprios interesses), não seria verdadeiro em todos os quadrantes do Universo; característica esta que se exige de todos os fenômenos matemáticos.
                                 A ideia, contida naquele exemplo dado pelo professor, poderia, talvez, ser adaptada para ser mencionada nas aulas de Lógica Formal Aristotélica como um modelo de Falso Silogismo, do tipo: A Honestidade é uma qualidade de muitos seres humanos (1ª premissa afirmativa). Os Políticos consistem em poucos seres humanos (2ª premissa afirmativa); logo, os Políticos não possuem a Honestidade como uma qualidade (conclusão negativa)”.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

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