38. A Imbecilização das Populações através da Mídia
Jober Rocha*
Consultando nas edições digitais da WEB os principais jornais brasileiros, encontramos como únicos assuntos: notícias, esportes, política, entretenimento, tecnologia, música, moda e beleza, casa e decoração, shopping, serviços e vídeos.
Relativamente ao assunto Notícias, os aspectos e fatos abordados resumem-se a desastres, violências e furtos ou escândalos de natureza comum. No que se referem aos Esportes, noventa por cento das matérias divulgadas tratam de futebol, de seus contratos milionários e de suas fofocas; sendo que os dez por cento restantes tratam de lutas do MMC, UFC, etc.
Com relação a Tecnologia, são comentados os novos jogos eletrônicos e os novos equipamentos de informática, à venda no mercado nacional e internacional. Moda e Beleza apresentam sugestões de roupas femininas, de maquilagem, etc. Casa e Decoração tratam de arranjos para interiores, móveis e decorações, em geral. Música destaca os cantores, cantoras e conjuntos musicais que fazem sucesso no momento.
Shopping destaca produtos e seus preços, encontrados nos principais shoppings das principais cidades do país. Política ocupa-se dos mais recentes escândalos envolvendo o desvio de recursos públicos. Serviços tratam da venda de imóveis, veículos, segurança, namoro, concursos, etc. Vídeos tratam de filmagens realizadas sobre os assuntos anteriores.
Com respeito aos jornais impressos, vendidos em banca, a mesma coisa: crimes, violências, esportes, novelas, programação da TV, condições climáticas, ‘fofocas’ do meio esportivo e artístico, etc. etc. etc.
Convenhamos que todo este material divulgado pela mídia, tanto através dos jornais eletrônicos quanto dos jornais impressos, pouco conteúdo tem para acrescentar alguma coisa de importante à formação científica, política, filosófica ou cultural de qualquer cidadão que faça uso destes veículos de informação (que constituem concessões do governo) buscando se instruir, se informar, elevar a sua cultura e aumentar os seus conhecimentos. Será que estes temas apresentados são os principais assuntos a influenciar a vida, o futuro e o destino da nossa nação e de sua população? Como este fato ocorre com os principais jornais do país, somos forçados a concluir que existe algo mais, por detrás desta maneira de noticiar.
No que se relaciona à televisão aberta, por sua vez, o público telespectador apenas recebe das emissoras, desenhos animados, filmes, programas religiosos, esportes, músicas e o noticiário diário centrado, basicamente, em crimes, condições climáticas e notícias superficiais de caráter geral. Algumas entrevistas ou debates, porventura apresentados, são feitos em horários incompatíveis com a disponibilidade de tempo dos cidadãos que trabalham e que necessitam de oito horas de repouso diário.
Praticamente, inexistem debates de cunho político, econômico, militar e psicossocial, que tragam à baila assuntos atuais, de interesse estratégico para o nosso desenvolvimento e que mobilizem a população brasileira, com vistas a um projeto de superação das nossas deficiências nos quatro campos do poder já mencionados. Sobre muitos assuntos importantes só tomamos conhecimento deles através da mídia que nos chega de fora do país. Outros assuntos, de suma importância, são apenas vagamente comentados pela mídia local, sem nenhum destaque compatível com a sua magnitude e/ou relevância, com respeito ao nosso país e à nossa população.
O jornalismo investigativo, por aqui, praticamente existe apenas para combater inimigos políticos, fazendo-os despencar da posição de poder ou de importância em que, eventualmente, se encontravam. Tão logo o objetivo da reportagem é alcançado, o combate é suspenso e o assunto sai da mídia e cai em total esquecimento.
A polícia, de um modo geral, é sempre criticada na mídia, quer tenha agido corretamente, quer não tenha; parecendo que os órgãos de informação se esquecem do fato de que é preferível uma polícia deficiente e mal treinada do que nenhuma polícia (coisa que parece ser o desejo e o objetivo de algumas autoridades, de alguns políticos e de parte da imprensa, certamente, advogando todos em causa própria). Quando um agente da lei atira e fere ou mata um meliante, logo se levantam inúmeras vozes para defender este fora da lei (que os críticos da polícia afirmam ser uma vítima das injustiças sociais) e atacar aquele agente da lei (que estes mesmos críticos afirmam ser um representante das forças reacionárias e conservadoras). Quando algum político é apanhado roubando dinheiro público, sempre encontra guarida entre seus pares e na mídia (com algumas raras exceções), que sempre prefere a defesa dos ricos e dos poderosos (optando, com isto, por permanecer do lado de onde provêm as verbas publicitárias), a ficar do lado do povo que paga a conta destes desvios através dos seus impostos (a não ser que a orientação, daqueles que detém o poder, seja a de ‘fritar’ algum político ou alguma autoridade que, sendo acusados de crimes e tendo inimigos políticos, hajam caído em desgraça perante estes detentores do poder).
Como a Mídia, de um modo geral, se trata de uma concessão do poder público, este deveria exigir de cada canal de mídia um conteúdo mínimo de informações de qualidade, sejam culturais, científicas, políticas, sociais e econômicas e fiscalizar o cumprimento desta exigência; coisa que o poder público não faz.
Avram Noam Chomsky, filósofo, linguista e ativista político norte-americano, professor catedrático que leciona há mais de quarenta anos no MIT, vem dando enorme contribuição à Lingüística, à Ciência e a Psicologia de um modo geral, à Psicologia Evolucionária, à Ciência da Computação, à Política, à Economia e às Ciências Sociais, através de seus livros e de suas teorias. A ele é atribuída a frase: “A propaganda representa para a Democracia aquilo que o cassetete significava para o estado totalitário”.
Em suas conferencias denominadas Visões Alternativas (Chomsky, N. 1990) ele apresenta uma lista de dez princípios de que se utilizam freqüentemente às classes dominantes (nacionais e internacionais), objetivando levar os cidadãos a, inconscientemente, apoiarem os interesses destas classes, interesses estes que, em sua maior parte, são totalmente diversos daqueles dos indivíduos (e até mesmo conflitantes), objetivando a manipulação econômica e social de países, nações e comunidades.
Por outro lado, as teorias desenvolvidas no livro ‘A Manipulação do Público’ (Herman,E & Chomsky,N. 2003), explicam a “existência de um viés sistêmico dos meios de comunicação, em termos de causas econômicas e estruturais, ao invés de uma conspiração criada por algumas pessoas contra a sociedade” (afirmação que, de certa forma, conflita com as dez estratégias expostas por Chomsky, em que menciona as táticas, já citadas, das elites dominantes junto à mídia). Ocorre que, na atualidade, os próprios detentores da grande mídia são, em grande parte, membros das classes dominantes e proprietários das grandes empresas e conglomerados econômicos (ou destas fazem parte), o que, aparentemente, não foi considerado por Herman e Chomsky em sua obra. Note-se que Herman e Chomsky referem-se à imprensa de seu país, considerado por muitos como a maior democracia mundial.
Em resumo, eles afirmam que esse viés deriva da existência de cinco filtros que todas as notícias precisam ultrapassar, antes de serem publicadas e que, combinados, distorcem sistematicamente a cobertura das notícias pelos meios de comunicação:
1. O primeiro filtro é o da propriedade dos meios de comunicação, que deriva do fato de que a maioria dos principais meios de comunicação pertence às grandes empresas (isto é, às "corporations");
2. O segundo filtro é o do financiamento, que deriva do fato dos principais meios de comunicação auferirem a maior parte de sua receita não de seus leitores; mas, sim, da publicidade que fazem (que, claro, é paga pelas grandes empresas e pelo governo). Como os meios de comunicação são, na verdade, empresas orientadas para o lucro a partir da venda de seu produto (os leitores) para outras empresas (os anunciantes) o modelo de Herman e Chomsky prevê que se deva esperar a publicação, apenas, de notícias que reflitam os desejos, as expectativas e os valores dessas empresas (anunciantes) e não do seu produto, que são os leitores;
3. O terceiro filtro é o fato de que os meios de comunicação dependem fortemente das grandes empresas e das instituições governamentais, como fonte de informações, para a maior parte das notícias. Isto também cria um viés sistêmico contra a sociedade, fazendo com que assuntos contrários ou críticos a estas organizações deixem de ser divulgados ou, até mesmo, sejam amenizados. Muitas empresas estatais brasileiras mantinham, em seus quadros de funcionários, jornalistas bem relacionados na Mídia com a finalidade de divulgarem nesta, notícias favoráveis àquelas empresas e de evitarem a divulgação de notícias desfavoráveis a elas.
4. O quarto filtro é a crítica realizada por vários grupos de pressão, que procuram as empresas dos meios de comunicação para pressioná-las, caso saiam de uma linha editorial que esses grupos acham a mais correta (isto é, mais de acordo com seus interesses do que os de toda a sociedade);
5. O quinto filtro são as normas da profissão de jornalista, que tratam dos conceitos comuns, divididos por aqueles que trabalham com o jornalismo.
Os autores descrevem como os meios de comunicação, nos USA, formam um sistema de propaganda descentralizado e não conspiratório, que, no entanto, é extremamente poderoso. Esse sistema cria um consenso entre a elite da sociedade sobre os assuntos de interesse público, estruturando esse debate em uma aparência de consentimento democrático, mas atendendo aos interesses dessa elite. No entanto, isso é feito à custa da sociedade como um todo, que, naturalmente, compõem-se de muito mais pessoas que as que compõem a sua elite.
Uma conspiração, nos Estados Unidos, é definida como um acordo entre duas ou mais pessoas para cometer um crime ou realizar uma ação ilegal contra a sociedade. Para os autores do livro, o sistema de propaganda não é conspiratório, porque as pessoas que dele fazem parte não se juntam, expressamente, com o objetivo de lesar a sociedade, mas é isso mesmo que acabam fazendo, em função dos vieses descritos.
Chomsky, aparentemente, parece não ter levado em consideração que a grande mídia formadora de opinião, na atualidade, não está desvinculada dos grandes grupos econômicos, participando no capital destes e tendo, por sua vez, a participação daqueles em seu capital. Evidentemente, este sistema de propaganda serve não apenas para divulgar produtos e serviços, mas, também, idéias, conceitos e propostas do interesse das elites; bem como, para promover desinformação e combater idéias, conceitos e propostas do interesse das massas trabalhadoras e da população, em geral, que conflitem com os interesses das elites.
Em nosso país, isolado física, lingüística e culturalmente do resto do mundo, a maior parte de nossa população apenas lê e entende a nossa língua, o que reduz, em muito, a possibilidade de informar-se por meios outros que não os nossos jornais e canais de Televisão em língua portuguesa. Os livros são muito caros e a população não possui o costume de ler com freqüência, como as populações de outros países. Neste contexto, torna-se muito fácil para as elites dominantes manipularem a nossa gente, seja mediante a divulgação de notícias que lhes favoreçam, seja através da supressão de notícias que lhes desfavoreçam.
Nosso povo é, mundialmente, reconhecido por algumas de suas características: alegre, paciente, dócil, pacífico, crédulo, religioso, inocente, despolitizado, imitador, desorganizado, conciliador, pouco afeto ao trabalho e medroso. Nossa História, antiga e contemporânea, está cheia de exemplos quanto a isto. Embora algumas destas sejam características, muitas vezes, desejáveis individualmente, coletivamente indicam um povo fraco e submisso.
Com isto, o povo brasileiro, inculto e pouco exigente, tendo se acostumado a consumir os produtos de nossa mídia, nem imagina que, em outros países, esta possa se prestar ao papel de instruir e de educar, fiscalizada pelo Estado.
É o cúmulo, verem-se, freqüentemente, tanto pessoas do povo quanto pessoas proeminentes da sociedade (como médicos, advogados, militares, industriais, comerciantes, etc.), discutindo, às vezes acirradamente, sobre os próximos capítulos das novelas, sobre partidas de futebol e sobre programas de televisão. Entretanto, aqui em nosso país, este fato é considerado como possuir ‘cultura geral’.
Infelizmente, nossa mídia, que podia prestar-se ao importante serviço de levar informações relevantes à população, sobre inúmeros temas importantes para nosso desenvolvimento global, é utilizada apenas para entretenimento de baixa qualidade e para a divulgação de idéias e valores do interesse de nossas elites retrógradas, mantendo o povo alienado com relação aos seus próprios interesses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário