terça-feira, 28 de junho de 2016


64. Vai Trabalhar Vagabundo!**

Jober Rocha*


                    Fazia 15 anos que o jovem morava naquela favela, no alto do Morro do Esqueleto, em um subúrbio do Rio de Janeiro. Possuía dois irmãos de pais diferentes e uma irmã. Havia nascido ali e, desde pequeno, nunca fora igual aos seus outros irmãos e a alguns amigos locais: não gostava de futebol nem de carnaval e jamais havia trabalhado como ‘avião’ ou ‘olheiro’ da ‘boca de fumo local’, bem próxima de sua casa. A única coisa de que gostava era de ler e de estudar. A mãe costumava dizer a ele e aos demais familiares que vivendo daquele jeito, trancado em casa e lendo, nunca daria para nada e jamais seria alguém na vida.
                               Certo dia, um grupo de turistas alemães em visita ao Rio de Janeiro, subiu o morro para conhecer de perto uma típica favela carioca.
                                   Um deles, já idoso e cansado, sentou-se em uma pedra próxima de onde o jovem se encontrava, do lado de fora do seu barraco, também sentado e olhando triste para o mar distante.
                                   O turista, um senhor de cabelos brancos e pele muito branca, era simplesmente o reitor de uma Universidade na Alemanha e professor catedrático de Filosofia, conforme o jovem ficou sabendo conversando com o professor em alemão. Conversaram durante horas. Falaram sobre as teorias filosóficas de Spinoza, Kant, Schopenhauer e Nietzche; sobre a Crítica da Razão Pura, sobre a Crítica da Razão Prática, sobre a Genealogia da Moral e sobre o Princípio da Razão Suficiente.
                              Passou o jovem, a partir de então e após o retorno do reitor à Alemanha, a corresponder-se com ele. Em breve o professor convidou o jovem para estudar naquele país, com tudo pago pelo governo alemão.
                                Embora contra a vontade da mãe, ele viajou para Berlim decidido a nunca mais retornar ao Brasil.
                        Na Alemanha terminou seus estudos matriculando-se, a continuação, na Universidade onde, após concluir o curso de graduação em Filosofia, cursou o mestrado e o doutorado. Como era excelente aluno, com o apoio do reitor foi indicado para o cargo de professor assistente e, pouco depois, para Diretor-Geral do Departamento de Filosofia daquela Universidade. 
                                Passou, a partir de então, a residir em um pequeno apartamento de quarto e sala alugado, no centro da cidade, indo de metrô todos os dias para a Universidade; já que, com o seu salário de professor, ainda não tinha economizado o suficiente para comprar um carro.
                            Certo dia, batendo no peito a saudade, resolveu vir ao Brasil em um voo fretado, para rever a família que não via há quase 20 anos.
                               Aqui chegando, foi encontrar a mãe na piscina da mansão na Barra da Tijuca, para onde recentemente a família toda havia se mudado, sentada em uma espreguiçadeira, saboreando camarões empanados e tomando champanhe.
                               Ao vê-lo entrar, a mãe foi logo dizendo: - Seus irmãos não estão. Depois que você partiu, eles foram apadrinhados por uma ONG estrangeira chamada ‘The Poverty is Beautiful’. Os dois jogam atualmente em um time de futebol na Itália. Sua irmã, descoberta por cinegrafistas estrangeiros sambando na Escola de Samba Unidos e Apertados, hoje é artista de filmes eróticos e reside nos Estados Unidos. 
                        Os três enviam todos os meses, dinheiro para investimentos que administro comprando imóveis, ouro e aplicando na Bolsa de Valores. Já temos vários apartamentos no bairro, além de algumas empresas, ações e participações.
- E você, como vai indo na Alemanha – perguntou ela, displicentemente?
                              Ele, timidamente, respondeu que era o Diretor-Geral do Departamento de Filosofia da Universidade, com grandes chances de em pouco menos de dez anos vir a se tornar Reitor.
                             Ela, então, saboreando mais um gole de champanhe, disse ao filho: 
- Bem feito, quem mandou ir embora da sua comunidade e do seu país. Eu, no fundo, sempre soube que você não daria para nada, que jamais seria alguém na vida! 
- Não venha agora nos pedir auxílio; pois, de mim e de seus irmãos, você apenas ouvirá: - Vai trabalhar vagabundo!


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Conto premiado no VIII CLIP-Concurso Literário de Presidente Prudente, SP. Prefeitura Municipal de Presidente Prudente, SP.



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