sábado, 18 de junho de 2016

55. A Divina Comédia versus a Comédia Diabólica


Jober Rocha*



                    Embora indiciados pela Polícia Federal e condenados pelo Supremo Tribunal Federal, muitos dos homens públicos brasileiros envolvidos nos tristes episódios da nossa história política conhecidos como Mensalão e Operação Lava à Jato, em razão dos artifícios jurídicos e das brechas legais existentes em nosso país, podem acabar escapando da prisão: seja por não perderem seus mandatos políticos, seja por seus advogados acionarem Foros Internacionais de julgamento, seja pelo próprio Congresso aprovar novas leis que os beneficiem, seja, até, por solicitarem asilo político em algum país “mui amigo do Brasil”.
                                Entretanto, não devemos imaginar que eles sairão totalmente ilesos deste lamaçal, sem nenhum respingo; se não em seus corpos, pelo menos em seus espíritos.
                           Dante Alighieri (1265-1321), em seu poema ‘A Divina Comédia’ publicado pela primeira vez em 1555, forneceu uma descrição dos sofrimentos impostos, no Inferno, aos espíritos daqueles condenados por vícios, crimes e pecados, de muito menor monta que os que foram julgados e condenados pela nossa Suprema Corte de Justiça Humana.
                             Para que estes políticos condenados tenham uma pequena ideia daquilo que os espera, logo após deixarem este mundo, com seus eleitores e a política, para todo o sempre, rumo à espiritual Suprema Corte de Justiça, apresento um breve resumo da obra de Dante (posto que muitos daqueles políticos envolvidos, certamente, nunca a leram), onde o autor passeia pelo Inferno e pelo Purgatório, em companhia do seu amigo Giovanni del Virgílio, e pelo Paraíso, ao lado de Beatriz sua amada falecida. 
                          Oxalá a leitura do resumo desta obra, divulgado a seguir, pudesse transmitir um pouco de receio àqueles políticos que se dizem cristãos e que creem no Inferno, no Purgatório e no Paraíso. Estes cidadãos só cometeram os crimes de que são acusados, e que acabaram por levá-los às barras dos tribunais, porque não acreditaram que pudessem, jamais, vir a ser punidos pela justiça dos homens.  Se, pelo menos, os políticos viessem a temer os castigos do além; ter-se-ia, em nosso país, menos casos iguais a estes do Mensalão e da Operação Lava à Jato.
                       Resumindo, portanto, isto foi o que Dante nos contou acerca do seu passeio pelas profundezas do Inferno:

                        ...Atravessando o fatídico limiar infernal, encontramos no vestíbulo os COVARDES. Após atravessarmos para a outra margem do Rio Aqueronte, conduzidos pelo demônio Caronte, chegamos ao inferno, onde existem vários círculos destinados aos espíritos dos mortos. O Inferno, propriamente dito, começa no segundo círculo, indicado pelo juiz Minos (quase que ele acertou no nome do juiz Moro), já que o primeiro círculo é o Limbo. Neste segundo círculo, os LUXURIOSOS são arrebatados por uma tempestade de vento. No terceiro círculo os GULOSOS são flagelados por uma chuva putrefata. No quarto círculo desfilam os AVARENTOS e os PRÓDIGOS, que empurram pesos enormes, e depois os IRACUNDOS, os INDOLENTES os INVEJOSOS e os SOBERBOS. Todos imersos na lama ardente do Estige.
                          Caminhando, chegamos à cidade de Dite. Nesta, vimos os HERÉTICOS em sepulcros de fogo, os VIOLENTOS CONTRA O PRÓXIMO em um rio de sangue, os SUICIDAS transformados em árvores nodosas; os ESBANJADORES perseguidos e devorados por enormes cadelas.
                     Os VIOLENTOS CONTRA DEUS E CONTRA A NATUREZA eram submetidos a uma implacável chuva de fogo, caminhando sempre. Os USURÁRIOS também eram submetidos a esta chuva de fogo, mas sentados e movendo sem descanso as mãos para se defenderem. O oitavo círculo era dividido em dez fossos ligados entre si por pontes.
                         Num crescendo de horror, a segunda parte do inferno apresentava um espetáculo ainda mais tenebroso. Os ALCOVITEIROS eram flagelados por demônios com chifres; os ADULADORES estavam imersos em estrume. Os VENDILHÕES debatiam-se em óleo fervente. Os HIPÓCRITAS arrastavam-se oprimidos por pesadíssimas capas de chumbo.
                         Os LADRÕES estavam todos em um fosso repleto de serpentes, que os envolviam enroscando-se neles, apertando-os e os mordendo. No momento em que era mordido, o infeliz incendiava-se e ficava completamente incinerado. Todo o fosso fervilhava de estranhos seres em metamorfoses, entre um abater de caudas que se tornavam pernas e de braços que se retiravam do corpo e línguas que se bifurcavam.
                     Depois deste monstruoso espetáculo, surge o crepitar de chamas que encerram os CONSELHEIROS FRAUDULENTOS. Mais a frente, encontramos os PROMOTORES DE DISCÓRDIA e os CISMÁTICOS, cortados em pedaços pelas espadas afiadíssimas de demônios.
No último fosso, estavam apinhados os FALSÁRIOS, oprimidos por terríveis doenças. Os MENTIROSOS ardiam de febre. 
                          Finalmente, atingimos o fundo do inferno, que, ao contrário do que pensávamos, era gélido e consistia em um imenso bloco de gelo. Prisioneiros, neste bloco, com as cabeças imersas na estrutura gelada, estavam os TRAIDORES...

                    Não resumiremos o passeio de Dante pelo Purgatório e pelo Paraíso, pois, evidentemente, por lá não circularão nenhum dos espíritos daqueles envolvidos no caso do Mensalão e da Operação Lava à Jato.
                            Como este passeio de Dante ocorreu antes do ano de 1555, e como se tratava de uma ficção (muito embora o poeta pudesse ter tido uma visão daquelas profundezas), somos levados a acreditar que, na época de Dante, os graves crimes imputados aos nossos atuais políticos ainda eram totalmente desconhecidos das populações e, por maior que fosse a sua imaginação poética, Dante não foi, sequer, capaz de alcançar tamanha criatividade criminosa, para poder inserir na Divina Comédia alguns diferentes castigos para os crimes dos políticos brasileiros; bem como, criar um simples fosso, que fosse, onde os autores daqueles crimes abjetos passariam a residir e a penar, para sempre, nos subterrâneos do Inferno. Muitos dos atuais crimes de nossos homens públicos ainda não estavam tipificados na Divina Comédia, como, por exemplo: remessa de dinheiro não declarado para o exterior, lavagem de dinheiro em paraísos fiscais, participação em concorrências fraudadas, etc.
                        Todavia, em razão do progresso material, científico e filosófico, bem como da evolução espiritual, da mudança nos costumes e do aperfeiçoamento das leis, ocorridos desde então, é de se supor que, na real existência do Inferno, novos castigos e piores penas tenham sido inventados, por quem de direito, para serem aplicados ali, aos novos crimes surgidos, a partir de então, e diariamente praticados por nossos políticos, executivos e empresários. 
                               Seria, no mínimo, frustrante para o povo brasileiro se a pena imposta naquele Foro (único tribunal onde os maus são, efetivamente, punidos) aos espíritos dos políticos MENTIROSOS (aqueles que dizem que não sabiam de nada e que, quase sempre, acabam escapando da justiça dos homens), continuasse ainda sendo a mesma dos tempos de Dante; ou seja, apenas, ‘arder de febre para sempre’, transformando, com isto, a Divina Comédia em uma Comédia, simplesmente, Diabólica...


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela universidade de Madrid, Espanha.

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