terça-feira, 22 de maio de 2018


221. O avesso da Mais Valia

Jober Rocha*



                                          O termo Mais Valia possui ao menos dois significados. Com relação aos imóveis, corresponde ao lucro que se obtém com a sua venda; ou seja, consiste na diferença entre o preço de aquisição e o seu preço de venda. Evidentemente que na apuração do valor desta Mais Valia, são deduzidos tanto a depreciação, quanto os encargos de compra e venda e as despesas com melhoramentos. Caso haja prejuízo ao invés de lucro, estar-se-ia na presença de uma Menos Valia. No caso de lucro esta denominada Mais Valia seria tributada, pelo Imposto de Renda, como um rendimento e na percentagem de 50% do valor do lucro apresentado.
                                                         Quando os nossos sucessivos (des) governos necessitam arrecadar impostos, qualquer justificativa é empregada para validar as suas sanhas arrecadadoras escorchantes.
                                                          Entretanto, a Mais Valia da qual trataremos é aquela que foi proposta pelo filósofo Karl Marx (1818-1883), cujo conceito, conforme menciona o autor, é baseado na suposta exploração do Sistema Capitalista onde, segundo o escritor de 'Das Kapital' (O Capital), o trabalho contido nos produtos elaborados pelos trabalhadores (produtos estes  transformados em mercadorias, com o intuito do lucro dos patrões), não seria condizente com o valor que eles receberiam pelo esforço e pelas horas de trabalho que despenderam naquilo que produziram.
                                                               Assim, segundo Marx, a origem do lucro em uma sociedade capitalista residiria no fato de que o salário, denominado ‘justo’ no Capitalismo, teria o seu valor estabelecido de modo a remunerar os trabalhadores com um valor menor do que o valor total (em termos monetários) das horas por eles trabalhadas durante a jornada contratada, caracterizando o que Marx chamava de ‘jornadas de trabalho simultâneas’, ou seja, uma delas seria paga pelo patrão e a outra não, apropriada gratuitamente.
                                                             Em outros termos, a mais valia significaria a diferença, a maior, entre o valor agregado ao produto pelo empregado, em razão do seu trabalho, e o salário efetivamente pago ao mesmo pelo patrão. Esta era, portanto, segundo o filósofo, a base de exploração do Sistema Capitalista sobre o trabalhador.
                                                                   Karl Marx alertava para o fato de que os capitalistas, uma vez pago o salário de mercado pelo uso da força de trabalho, podiam lançar mão de duas táticas para ampliar, ainda mais, o seu lucro: estender a duração da jornada de trabalho, mantendo o salário constante, o que ele chamava de Mais Valia Absoluta; ou ampliar a produtividade física do trabalho através da mecanização, o que ele chamava de Mais Valia Relativa.
                                                              Como exemplo daquilo que Marx afirmava, os professores de marxismo costumam citar o seguinte: se o salário de um trabalhador, necessário para suprir as suas necessidades básicas de vida com moradia, educação, saúde, alimentação, lazer, etc., é obtido com o trabalho diário de 5 horas, mensalmente, o Sistema Capitalista, com as leis trabalhistas pró-patrão que possui, impediria que o trabalhador trabalhasse somente estas cinco horas.
                                                                       Assim, 3 horas a mais, por dia, em um total de 8 horas diárias, mensalmente, ele trabalharia, exclusivamente, para suprir a necessidade de lucro do Sistema Capitalista, o que resultaria, portanto, na Mais Valia da qual o patrão se apropriava.
                                                              Ocorre que se isto, teoricamente, poderia acontecer na análise do Capitalismo empreendida por Marx ao escrever o Capital, hoje, na realidade, a história é totalmente outra; embora os ativistas de esquerda, presos a teoria marxista e sem conhecimento suficiente para analisá-la de forma crítica, ainda continuem a falar em Mais Valia (como também em Lutas de Classe, em Determinismo Histórico ou Leis Historicamente Determinadas).
                                                         Nem todos os países capitalistas praticam um mesmo tipo de capitalismo. A distribuição de renda e os níveis salariais não são os mesmos em todos os países. As estruturas relativas dos preços, também, não são as mesmas. Os encargos trabalhistas muito menos. As regras dos jogos econômicos e políticos são, por suas vezes, muito distintas.
                                                        Entretanto, todos os países que possuem parlamentos, que não adotam economias planificadas ou centralizadas, que possuem iniciativa privada, economias de mercado e que adotam o Sistema Econômico Capitalista são colocados em um mesmo saco, quando se trata de tentar validar, nos dias atuais, as velhas idéias de Marx.
                                                       Guilherme Waltenberg da Agência Estado, em matéria jornalística recente, explicava que “o Brasil é o País com os encargos trabalhistas mais elevados, em um grupo de 25 nações analisadas pela rede mundial de auditoria e contabilidade UHY. Nesse grupo, que inclui o G7 - grupo dos sete países mais industrializados - e os Brics - principais economias emergentes -, o Brasil desponta como líder mundial, ao considerarmos que o empresário brasileiro tem de pagar, em média, 57,56% do valor bruto do salário de seus empregados em tributos. A média global de todos os países analisados é de 22,52%”. 
                                                               Acresce, ademais, que esse porcentual de 57,56% cobrado no Brasil é uma taxa média brasileira, baseada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e não inclui taxas estaduais ou acordos sindicais. Se fossem incluídas estas outras contribuições e benefícios extras (como impostos e taxas estaduais; auxílios creche, auxílios moradia; planos de saúde privados; vales transporte; vales refeição; etc.; ter-se-ia esse valor, em alguns casos, praticamente dobrado (chegando-se a 100% ou mais de encargos sobre a folha de pagamento). Além disto, muitas profissões possuem pisos salariais instituídos pelos respectivos sindicatos, obrigando os patrões a respeitá-los.
                                                              Nosso país, certamente, é um dos que mais possuem verbas públicas desviadas por políticos, executivos e empresários corruptos. É um dos que possui funcionalismo público mais numeroso e com maiores direitos e benefícios, onerando as contas públicas com estes empreguismos e com estas mordomias. 
                                                              É, também, um dos que menos devolve à sua população aquilo que dela arrecada em impostos. Tanto é assim que empresários nacionais (e estrangeiros que desejam para aqui se transferir) mencionam, com freqüência, o chamado Custo Brasil (variável encarecedora dos custos de produção, que envolve desde a necessidade de pagamento de propina, até a falta de infra-estrutura, de logística, de treinamento, o excesso de burocracia e de regulamentação, os altos impostos, etc.), deseconomia externa a onerar a produção e a comercialização dos produtos brasileiros.
                                                              Muitos empresários brasileiros, usualmente (para sobreviver e continuar operando em seus ramos de atividade), tentam contrabalançar estes elevados encargos trabalhistas, em particular, e o Custo Brasil, de uma maneira geral, com medidas que variam da adulteração da qualidade e da quantidade dos bens e serviços que produzem, mantendo os mesmos preços; da sonegação de impostos, através da não emissão de notas fiscais de venda; da falsificação do prazo de validade de produtos perecíveis; do contrato de trabalho sem carteira assinada (pagando os direitos do empregado, mas não recolhendo os encargos trabalhistas); da compra de insumos roubados; do suborno de fiscais do governo com propinas; mediante a fraude nas concorrências públicas em comum acordo com algumas autoridades; superfaturando preços quando se trata de vendas para o Estado; criando monopólios disfarçados (uma grande rede de empresas distintas, mas do mesmo ramo e pertencentes a uma mesma pessoa); etc. 
                                                                  O governo, normalmente, a tudo isto assiste impassível (mancomunadas que estão algumas autoridades, em inúmeras ocasiões, com muitos empresários que assim procedem), como se as regras que norteiam o Capitalismo e a Democracia estivessem sendo seguidas e mantidas.
                                                                      Ao final, o nosso Sistema Capitalista torna-se um simples arremedo daqueles existentes nos países mais sérios do Primeiro Mundo e a esquerda brasileira, desejando perpetuar-se no poder, usa destes argumentos anteriormente mencionados para atacar o Capitalismo em si, como sendo um sistema econômico nefasto que necessitaria ser abolido, e a solapar a Democracia na ânsia de conseguir implantar um Estado Totalitário Comunista. Não vêm que as experiências comunistas, não só no nosso continente como em todo o mundo, foram todas mal sucedidas (impedindo o desenvolvimento econômico, desmotivando as populações e, finalmente, sendo substituídos pela iniciativa privada e pelo capitalismo), notadamente, sempre que se tratou de implantá-las em países com populações pouco esclarecidas, despolitizadas e de baixos níveis educacionais e sócio-econômicos.  
                                                                   Algumas poucas experiências socialistas foram bem sucedidas, em uns poucos países nórdicos com reduzida população, alta renda per capita, elevado nível educacional e sócio-cultural. O modelo nórdico (ou capitalismo nórdico ou social-democracia nórdica, como também é chamado) refere-se aos modelos econômicos e sociais dos países nórdicos (Dinamarca, Islândia, Noruega, Suécia e Finlândia), que envolve a combinação de uma economia de livre mercado com um estado de bem-estar social.
                                                                Em contraposição ao caso de ‘simulacros de países capitalistas', como o nosso, nos países genuinamente capitalistas como os USA e o Reino Unido (onde surgiu o capitalismo), os encargos trabalhistas são, respectivamente, da ordem de apenas 8,84% e 8,29%; normalmente os preços dos bens e serviços são acessíveis a todos os trabalhadores; os salários são elevados; a renda bem distribuída e o desemprego pequeno (ao contrario de países como o nosso onde o desemprego é alto, os preços elevados, os salários baixos e a renda concentrada).
                                                                 Os encargos trabalhistas funcionariam aqui como uma Mais Valia ao avesso, que oneraria os patrões em benefício dos empregados, haja vista que duplicam, por vezes, as despesas com os mesmos (grande parte do que os patrões pagam sob a forma destes encargos reverte, posteriormente, para os seus próprios empregados. É o caso, por exemplo, do INSS, do PIS, do PASEP e do FGTS). 
                                                                  Assim, em nosso país e na época atual, os empregados recebem o dobro do salário e não a metade (pelo menos, custam o dobro para os seus patrões, parte ficando com o Estado e parte retornando aos próprios empregados), conforme apregoava Marx ao sugerir a existência da Mais Valia em benefício dos patrões, aumentando seus lucros. Não cogitava o velho filósofo na existência desta Mais Valia pelo avesso, beneficiando os empregados e em detrimento dos patrões.
                                                                   Conheço alguns micros, pequenos e médios empresários brasileiros que, como se costuma dizer,  vivem trocando seis por meia dúzia. Depois de pagos os empregados, os fornecedores e os impostos governamentais, muito pouco sobra para eles mesmos; a não ser a responsabilidade e o trabalho de sustentar todos aqueles que deles dependem, nesta cadeia produtiva econômica e financeira, sem perspectivas nenhuma de melhoria.


_*/ Economista e Doutor pela universidade de Madrid, Espanha.

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