quinta-feira, 10 de maio de 2018


218. Pense nisso...


Jober Rocha*



                                       Fazendo um exercício de ficção, suponhamos que um belo dia ao acordar pela manhã, você, meu caro leitor, desperta como um garoto de má índole com estranha sensação: sente-se forte e poderoso como nunca. Aos poucos, percebe que sabe de tudo, que está em todos os lugares e, enfim, que tudo pode.
                                                       Resolve, então, pensar no que iria fazer com aquele poder incomensurável que sentia; já que, como todo garoto mau, você não tinha amigos e vivia só, sempre isolado dos demais.
                                                              A primeira coisa que lhe ocorreu, para testar a extensão do seu poder, foi criar, naquela ocasião, algo muito grande, infinito, que expulsasse para longe de você tudo aquilo que anteriormente o incomodava.
                                                            Assim, resolveu conceber um universo onde colocou sistemas solares, nebulosas, sóis, planetas, asteroides, cometas, etc.; universo este que ocupou todo o espaço disponível, não deixando nada mais a disposição de ninguém; nem de uma entidade desorganizada e entrópica conhecida como Caos, seu antigo inimigo.
                                                             Depois de comprovar o poder do seu poder, sentindo-se só e não tendo mais ninguém para admirar a magistral obra que havia feito, escolheu um dos menores planetas, deste vasto universo criado, para destilar toda a sua maldade.
                                                                Começou, por pura perversidade, criando espécies animais que se alimentavam umas das outras e, também, do meio ambiente e que, mais tarde, alguém, em um rasgo de ingenuidade, denominaria esta maligna ferocidade animal de cadeia alimentar.
                                                             A seguir criou seres (ditos) humanos que, para diverti-lo e divertirem-se, matariam os animais restantes e se digladiariam entre si, eternamente, em razão de artifícios cruéis por você inventados e denominados de raça, nacionalidade, língua, cor e religião, que desuniriam e criariam antagonismos entre as suas criaturas.
                                                             Mas a maldade não ficou por ai, só nestes aspectos. Como o poder que desfrutava granjeava-lhe uma infinita inteligência, pensou, logo, em algo que minasse aos poucos as energias destes seres que inventara. Criou, então, seres microscópicos que, não sendo vistos pelos olhos humanos, fossem facilmente ingeridos por estes ou neles penetrassem por outras vias que não a boca.
                                                              Em uma explosão de maldade criativa, colocou estes pequenos germens (denominados mais tarde de bactérias, fungos, vírus, etc.), também, naqueles órgãos que lhes davam mais prazer manusear, tocar e compartir; de modo a que tais germens fossem trocados entre si, pelos homens e mulheres, durante os seus relacionamentos sexuais, provocando-lhes, após o prazer, sofrimentos intensos e elevadas despesas financeiras com tratamentos médicos.
                                                              Para que a sua desumanidade jamais se esgotasse, em um continuo ‘moto perpétuo’ de truculência, deu às suas criaturas a faculdade de se reproduzir e multiplicar, gerando, sempre, novos seres à medida que os antigos fossem se deteriorando e extinguindo.
                                                                Entretanto, sua maldade foi muito além. Tais criaturas necessitariam manter-se, para que pudessem se destruir mutuamente e se reproduzir, proporcionando-lhe, eternamente, os prazeres que só a maldade saberia angariar.
                                                              Assim, para que suas criaturas pudessem se perpetuar, manter e criar as famílias (mas que, também, sofressem ao desempenhar este ministério), você criou a necessidade do trabalho diário, inventou os longos trajetos da residência até o local laboral, bolou as aglomerações (quando, então, as doenças se transmitiriam de modo mais intenso, para um maior número de vítimas), inventou os acidentes de trânsito, os ambientes anti-higiênicos e insalubres,  os baixos salários, os escorchantes impostos, as frustrações e as deficiências de toda ordem que passaram a assolar os dias e as noites de suas criaturas.
                                                                 Você poderia argumentar que isto tudo nada tinha a ver com você, que seriam criações de suas próprias criaturas. Ocorre que, estando você na posse de todo o poder que existia, se isto ocorreu era por que você assim o permitia. Estou certo de que você (no íntimo e dada a sua malignidade intrínseca) se comprazia e deleitava com todo aquele sofrimento alheio, razão pela qual deixava que prosseguisse e nada fizesse de modo a estancá-lo. 
                                                                    No que se relaciona com os líderes e com os dirigentes das massas humanas que criou (políticos, executivos, empresários, etc.), parece que você ou os designara para tal intencionalmente (pois muitos deles diziam que haviam sido escolhidos, nomeados ou eleitos pela sua graça) ou, então, que jamais se importara com quem eles fossem (pois a grande maioria era incapaz para as funções que exercia) ou com o que fizessem (já que eles só pensavam em si mesmo e na maneira como enriquecer às custas dos demais). O fato é que, tanto uns quanto os outros, só trabalhavam contra os seres humanos, aumentando os já enormes sofrimentos que você lhes imputara.
                                                             Ademais, quando em alguma ocasião parecia que uma comunidade de pessoas havia prosperado, enriquecido e se sobressaído sobre as demais, em todos os sentidos, você, só por impiedade, colocava um preposto como líder governante ou permitia que algum esperto ignorante ali se instalasse, para fazê-la sucumbir e retornar à situação anterior de sofrimento e miséria.
                                                             Assim, tendo lido até o final esta simulação ficcional, pergunto a você, meu caro leitor, como se sentiria na pele do referido garoto? Acha que, se fosse realmente ele, você possuiria muitos servos e admiradores, sinceros e não interesseiros disputando a sua benevolência, dentre as suas criaturas? Suas criaturas, por desconhecerem outras realidades, pode até ser que viessem a se conformar com os destinos que lhes haviam sido impostos por você; mas, será que estariam felizes e satisfeitas? Será que, caso você, ao invés de um garoto mau, fosse um garoto de boa índole, com o poder de que dispunha, não teria feito tudo de maneira diferente?


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.




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