segunda-feira, 7 de maio de 2018


213.  Os dias e as noites na vida de um carioca  da periferia (XIV)

Jober rocha*


                                   Na favela onde residi por vários anos, após minha separação de Barbosa, que, tendo entrado para uma academia de artes marciais, começou a participar de campeonatos de luta e hoje  disputa campeonatos de Muai Thai, na Tailândia, conheci um jovem que habitava com sua família o barraco ao lado do meu.
                                                   Fazia 15 anos que ele morava naquela favela, bem no alto do morro. Possuía dois irmãos, de pais diferentes, e uma irmã. Havia nascido ali e, desde pequeno, nunca fora igual aos seus irmãos e aos amigos locais. Não gostava de futebol, nem de carnaval. Jamais havia trabalhado como avião ou olheiro da boca de fumo, perto de sua casa.
                                                   A única coisa de que ele gostava era de ler e estudar. Sua mãe costumava dizer-lhe: 
                                            - Vivendo trancado em casa, lendo, você nunca dará para nada, nunca será alguém na vida!
                                                Certo dia, um grupo de turistas alemães subiu o morro para conhecer de perto uma favela carioca. Um deles, cansado, sentou-se em uma pedra, próxima da porta de seu barraco, onde ele se encontrava, também sentado, olhando triste para o mar distante.
                                                  O turista, um senhor de meia idade, era o reitor da Universidade de Berlim, conforme ficou o jovem ficou sabendo, conversando com ele em alemão. Conversaram durante horas. Falaram sobre as teorias filosóficas de Spinosa, Kant Schopenhauer e Nietzsche; sobre a Crítica da Razão Pura, sobre a Crítica da Razão Prática, sobre a Genealogia da Moral e sobre o Princípio da Razão Suficiente.
                                           Passou o rapaz, a partir de então, a corresponder-se com o reitor que, em breve, convidou-o para estudar na Alemanha, com tudo pago pelo governo daquele país. Embora contra a vontade da mãe, ele viajou para a Alemanha, decidido a nunca mais voltar.
                                                  Na Alemanha, terminou seus estudos, matriculando-se na Universidade, onde, após concluir o curso de graduação em Filosofia, cursou o mestrado e o doutorado.
                                               Como era excelente aluno, com o apoio do reitor, foi logo indicado para o cargo de Diretor Geral do Departamento de Filosofia da Universidade. Passou a residir, a partir de então, em um pequeno apartamento de quarto e sala no centro da cidade, indo de metrô, todos os dias, para a Universidade; já que, com o seu salário, ainda não tinha economizado o suficiente para comprar um carro.
                                                Certo dia, batendo no peito a saudade, resolveu vir ao Brasil em um voo charter, para rever a família que não via há quase 20 anos, segundo me contou mais tarde.
                                               Aqui chegando, foi encontrar a mãe na piscina da mansão na Barra da Tijuca, para onde ela havia se mudado, sentada em uma espreguiçadeira, saboreando caviar e tomando champanhe.
                                               Ao vê-lo entrar, ela foi logo dizendo:
                                       - Seus irmãos não estão! Depois que você foi embora, eles foram apadrinhados por uma ONG canadense, chamada ‘The Poverty is Beautiful’! Os dois jogam, atualmente, em um time de futebol na Itália!
                                          - Sua irmã, descoberta sambando no morro, na Escola de Samba Unidos da Bolsa Família, hoje é artista de filme pornô e reside nos Estados Unidos! Mandam todos os meses dinheiro para investimentos que administro. Já temos vários apartamentos no bairro, além de empresas, ações e participações!
                                                         - E você, como vai indo na Alemanha? – perguntou a mãe.
                                            Ele, timidamente, respondeu que era o Diretor Geral do Departamento de Filosofia da Universidade, com chances de, em pouco menos de dez anos, vir a se tornar Reitor.
                                                 Ela, então, saboreando mais um gole de champanhe, disse:
                                           -Bem feito! Eu, no fundo, sempre soube que você não daria para nada, que nunca seria ninguém na vida!


(Continua em próximo texto)


_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.



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