209.
Os dias e as noites na vida de um carioca da periferia (X)
Jober
Rocha*
Fazia cinco anos que eu havia me
aposentado. Durante trinta longos anos fui servidor público, subalterno,
naquela repartição onde padeci sob as mãos de vários chefes.
Na ociosidade, desde então,
limitava-me à leitura diária dos jornais, à elaboração de uns poucos manuais,
ao bate papo com os amigos no bar do seu Manuel e a encher a paciência de minha
esposa Heleninha, criticando sua atuação à frente da administração das coisas domésticas.
Certo dia, durante uma leve discussão
em casa, minha mulher sugeriu que eu saísse um pouco, que fizesse algum curso,
de qualquer coisa, apenas para me ocupar. Enfim, pediu-me que a deixasse em
paz.
Na tarde daquele mesmo dia, passeando
pelas ruas do bairro, tive minha atenção despertada para uma placa na porta de
um prédio, com os seguintes dizeres:
“Mestre Maradon -El Rey de los Mágicos – Aulas de mágica para velhos e crianças. Surpreenda seus amigos fazendo mágicas, levitando, serrando pessoas ao meio, desaparecendo no palco, etc. Primeira aula grátis. Sala 606”.
“Mestre Maradon -El Rey de los Mágicos – Aulas de mágica para velhos e crianças. Surpreenda seus amigos fazendo mágicas, levitando, serrando pessoas ao meio, desaparecendo no palco, etc. Primeira aula grátis. Sala 606”.
Subindo à sala 606 deparei-me com um
tipo gordo, de barba e bigode, vestindo terno preto, que me cumprimentou
efusivamente em uma língua mista de português com espanhol. Pela sua entonação
e postura, pareceu-me estar bêbado ou drogado.
A duração do curso era de uma semana,
segundo afirmou, ao preço total de vinte reais. Após a aula grátis frequentei
as aulas pagas e, ao final da semana, já me considerava um verdadeiro mágico.
Executava truques com cartas, tirava
coelhos de cartolas, fazia desaparecer moedas e relógios. Com relação às
mágicas mais complicadas, entretanto, ainda tinha algumas dúvidas, pois, em
razão de não compreender bem a língua falada pelo Mestre Maradon, algumas passagens
ainda permaneciam obscuras.
O fato não me preocupava, pois apenas
pensava fazer truques simples para os amigos e parentes.
O Mestre me havia dito que, para
causar boa impressão ao público, deveria adotar um nome altissonante, que
impressionasse os espectadores. Passei, então, a adotar o nome de Juvenal “O
Magnífico”.
Em um sábado à noite, durante festa de
noivado da sobrinha de minha mulher realizada em clube do bairro, pediram-me
para fazer algumas mágicas simples, que distraíssem os convidados por algum
tempo.
Subi ao palco, agradeci os aplausos e
comecei pelos truques mais simples que havia aprendido. Fiz surgir um coelho, e
logo após um pombo, de dentro de uma cartola. Tirei cigarros acesos do ar, fiz
surgir bolas brancas com simples movimentos das mãos, fiz truques com cartas de
baralho, etc.
Ao fim do espetáculo, como o público
empolgado me aplaudisse de pé e pedisse bis, eu, eufórico com a admiração da
platéia, resolvi apresentar uma mágica, até então, jamais realizada por mim.
Anunciei que serraria uma ajudante ao meio, e depois a uniria novamente. Trouxe
de casa a urna onde deitaria minha ajudante, e a serra que a cortaria. Dentre
os presentes, sob protesto dela, escolhi minha própria esposa para protagonista
da mágica, objetivando dar mais veracidade à mesma.
Ao público pedi silêncio e, sob uma
luz lilás, iniciei o meu número de mágica. Heleninha deitou-se na urna, que foi
fechada. A seguir, liguei a serra elétrica e comecei a cortá-la ao meio.
Terminado o serviço, coloquei duas placas de metal no local do corte, de modo a
vedar cada lado da urna que havia sido cortado.
Em seguida, separei as duas partes,
sob o aplauso do público presente. Minha esposa, dentro de uma das partes da
urna, mexia a cabeça e, na outra, mexia os pés.
A continuação, juntei as duas partes
da urna para finalizar o espetáculo, conforme havia aprendido com Mestre
Maradon.
Ao retirar as placas de metal, para
unir os dois lados da urna e também o corpo da minha esposa, notei que não
havia dado certo, pois o corpo dela ainda estava separado.
Na mesma hora veio-me à mente alguma
daquelas instruções que não havia entendido bem, em razão da língua enrolada
que Mestre Maradon falava. Algo saíra errado. Depois de várias tentativas
infrutíferas, pedi desculpas aos presentes e abaixei as cortinas.
Do camarim mesmo liguei para a sala de
Mestre Maradon. Uma atendente, falando em castelhano, informou que ele havia
partido de férias para o México, onde havia sido contratado para técnico de
um clube de futebol local, e só retornaria no ano seguinte.
Aluguei uma ambulância e levei
Heleninha para casa, dentro da urna. Para subir pelo elevador tive de colocar
uma parte da urna em cima da outra, já que aquele prédio, por ser antigo,
possuía um elevador muito apertado.
Em casa, coloquei a parte da urna em
que estava a cabeça e o tronco da minha esposa dentro do quarto do casal. A
outra parte, coloquei no banheiro, pois achei que ficaria mais fácil, caso ela
sentisse alguma necessidade urgente e imperiosa.
A seguir, pela internet, procurei
outros mágicos que pudessem ajudar-me a unir as duas partes.
Informaram-me que o método que havia
sido utilizado para separá-la era muito antigo, e já superado, não sendo mais
utilizado em nenhuma parte do mundo. Dos mágicos contatados nenhum sabia como
utilizá-lo.
Conformado, voltei para o quarto e
disse à mulher: -Minha filha, você vai ter que aguardar até o próximo ano, que
é quando meu mestre volta do México!
Quando ela abriu a boca para reclamar,
calmamente, respondi:
-
Heleninha, a culpa foi sua! Você é que me mandou aprender alguma coisa! Eu
estava muito bem no meu cantinho, tomando minha cervejinha!
(Continua em próximo capítulo)
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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