217. Os dias e as noites na vida de um carioca da periferia (XVIII)
Jober Rocha*
Uma ocasião, tendo montado um pequeno bar na frente do barraco onde eu vivia (como forma de complementar a renda de aposentado, que era insuficiente para a aquisição de todos os remédios que tomava), eu ouvi, diretamente dos lábios de um cliente, uma estranha estória que envolvia ele e a sua mulher, ambos moradores em um barraco no sopé do morro, na parte plana que confronta com o asfalto.
Vicente, o marido que me narrou o caso, sempre gostara de comer o angu à baiana que eu preparava no pequeno bar, improvisado em meu barraco.
Segundo ele me narrou durante uma noite em que estava um pouco embriagado, ao final do expediente na obra em que ele trabalhava na Baixada Fluminense, sempre que podia ele se dirigia ao meu bar e fazia questão de dizer, com a boca cheia d’água: - Zeca Nalha, prepara aí um angu bem quentinho!
Um dia, saindo mais cedo, não tendo vindo ao meu estabelecimento, foi direto para a casa dele.
Ao chegar próximo, viu um homem sair de seu barraco. O indivíduo estava uniformizado como os motoristas de ônibus que trafegavam por ali: camisa azul e calça preta.
Foi assim que ele começou a imaginar que a sua mulher o traía com um daqueles motoristas de ônibus, cujo ponto final era bem em frente da sua casa.
Chegando à sua casa e prestando mais atenção, começou a perceber determinados comportamentos da mulher que, até então, não haviam chamado a sua atenção.
Toda vez que um ônibus parava em frente da casa, ela, rápida, se dirigia à janela. Se o telefone celular tocava, corria logo a atender e falava sempre baixinho.
Dias depois, chegando outra vez mais cedo do trabalho, sem avisar, encontrou a mulher e o motorista em sua casa, na cama do casal.
Transtornado, apanhou a arma na gaveta da cômoda e matou a ambos, com vários tiros.
Saindo dali, conforme me segredou falando baixinho, dirigiu-se para o meu bar improvisado. Ao chegar, como sempre, pediu: - Zeca Nalha manda um angu bem quentinho, mas, hoje, com bastante pimenta!
Quando eu servi o angu, ele tirou do bolso um pequeno frasco contendo um veneno para ratos, conhecido como chumbinho e contendo carbamato, e verteu o conteúdo todo dentro do prato.
Olhando então para mim, disse: - Esta parada que eu lhe contei, já está toda resolvida. Estou indo, agora mesmo, me encontrar com ela para dizer-lhe mais alguns desaforos que, na pressa, me esqueci de falar!
Em seguida, com uma colherada cheia, começou a comer o angu, esperando que a pimenta tirasse um pouco daquele gosto amargo do chumbinho.
Eu, empolgado com o caso e querendo saber tudo acerca do desfecho final, apanhei um pequeno revolver que guardava em uma gaveta e, mirando o ouvido esquerdo e apertando o gatilho, exclamei para mim mesmo: - O final desta história eu não perco de jeito nenhum. Vou até o inferno para ver como termina!
Fim
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