24. Se não há justiça, o que são os reinos senão um bando de ladrões? (Santo Agostinho)
Jober Rocha*
Tenho um amigo que durante vinte anos trabalhou como analista de crédito em uma entidade financeira, pródiga no descumprimento da legislação trabalhista. No seu caso particular, por inúmeras vezes, fora rebaixado de função e de salário ao não aceitar ordens, que considerava ilegais e imorais, partidas dos chefes imediatos.
Assim, ao longo de quase vinte anos, em razão das injustiças que sofrera, foi coletando provas sobre as ilegalidades trabalhistas promovidas pela empresa, pensando em ingressar na Justiça do Trabalho com ação indenizatória sobre aquelas violações da lei, tão logo se aposentasse e estivesse livre de prováveis represálias da parte dos administradores da instituição financeira, que já demitira alguns empregados por haverem recorrido à Justiça enquanto ainda trabalhando.
Aposentado, no ano de 1995, contratou um excelente advogado trabalhista, ao qual passou vários dias relatando seu caso e apresentando as provas de que dispunha para confirmar tudo aquilo que pretendia alegar perante a Justiça do Trabalho.
Redigida a petição inicial, por várias vezes foi chamado à Vara Trabalhista para prestar esclarecimentos adicionais. Dois anos depois, saiu sentença de primeira instância sobre o seu caso. Dava-lhe ganho de causa em algumas pequenas demandas; porém, afirmava que sua demanda mais importante já se encontrava prescrita, ainda que a própria empresa não houvesse alegado prescrição. Seu competente advogado requereu ao Tribunal Regional do Trabalho - TRT em segunda instância e, anos depois, a causa foi acolhida em sua integra pela totalidade dos desembargadores que compunham a Turma encarregada de julgar o caso.
A instituição financeira, por sua vez, recorreu desta decisão do TRT ao Tribunal Superior do Trabalho - TST, em Brasília, onde o caso ficou em analise até o final do ano de 2004, data em que saiu, finalmente, aprovada pelo plenário daquela corte por proposta do Ministro Relator, a sentença que deu ao autor provimento em todas as suas demandas. Os valores a receber deveriam ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros.
Desconhecedor dos tramites da nossa justiça, ele já se imaginou recebendo tudo aquilo que lhe era devido. Pensava no que faria com todo aquele dinheiro que, de certa forma, constituía uma poupança compulsória a que havia sido submetido, por razões independentes da sua vontade.
O processo, tendo transitado em julgado, finalmente, retornou à primeira instância no inicio do ano de 2005, para que fosse executada a cobrança dos valores devidos pelo réu.
Em meados de 2015 (vinte anos depois da petição judicial inicial e dez anos depois da sentença haver transitado em julgado) os procedimentos de cobrança ainda não haviam sido concluídos e ele nada recebera.
Desde o inicio da ação, em 1995, ate meados de 2014, foram computados 408 movimentos judiciais no processo. Estes movimentos incluem audiências marcadas e desmarcadas, remessas de expedientes diversos, retirada e devolução dos autos, expedição de ofícios pelos Correios, petições diversas, embargos rejeitados, embargos acolhidos, notificações por diário oficial, nomeação de peritos, remessa dos autos para contadoria, recebimento dos autos da contadoria, embargos de declaração, etc. etc. etc. Neste meio tempo, enquanto nosso herói aguardava o desfecho do seu caso, alguns acontecimentos de caráter mundial vieram transformar a vida no planeta, como, por exemplo, os seguintes:
• Foi Lançado o Windows 95; foi leiloada a Vale do Rio Doce (1995);
• Foi clonada a ovelha Dolly; morreu P. C. Farias (1996);
• Foi realizada a Copa do Mundo de Futebol, na França; o presidente Bill Clinton tem um caso com a estagiária Monica Lewinsky (1998);
• Foi criada a moeda Euro, que passaria a circular em 11 países (1999);
• Ocorreu o ‘Bug do Milênio’ (2000);
• Entrou em circulação na Europa a nova moeda Euro (2002);
• O Iraque foi invadido pelos EUA (2003);
• Foi criado o Orkut (2004);
• Faleceu o papa João Paulo II (2005);
• O conjunto Rolling Stones veio ao Brasil (2006);
• O papa Bento XVI veio ao Brasil (2007);
• Pequim sediou os Jogos Olímpicos (2008);
• O Cantor Michael Jackson faleceu (2009);
• O conjunto Guns N’ Roses veio ao Brasil (2010); Terremoto no Haiti de 7,7 Graus destruiu a capital;
• Faleceu a atriz Elizabeth Taylor (2011);
• O mundo tremeu ante as previsões catastróficas feitas pelos Maias (2012).
Além dos acontecimentos anteriormente citados, a Terra girou em torno do Sol 18,75 vezes, enquanto a Lua girou 244,43 vezes ao redor do nosso planeta. Estas estatísticas são meramente informativas e objetivam fazer com que o leitor tenha uma pálida ideia da morosidade da justiça em nosso país. Enquanto um processo aguarda uma simples perícia, a Terra gira uma vez ao redor do Sol. Não me atrevo a citar o número de nascimentos e de óbitos ocorridos mundialmente, neste lapso de tempo, para não aterrorizar aqueles que me leem.
As razões pelas quais nossa justiça é uma das mais morosas do planeta são várias e já conhecidas de todos aqueles que militam na área do Direito. Caso algum dos leitores não esteja a par de quais sejam, nomearemos aqui as principais: falta de vontade política de contratar mais magistrados e serventuários; pouca utilização da informática nos processos; leis atrasadas e retrógradas, que dão margem a incontáveis subterfúgios jurídicos, embargos e recursos de toda natureza; acumulo de varas judiciais por juízes; ajuizamento de ações absurdas, que tomam o tempo dos magistrados; elevadas custas judiciais, com taxas e tributos que encarecem as ações; excesso de petições nos processos; greves constantes no judiciário, recessos; prazos excessivos para ciência de documentos pelas partes; incompetência advocatícia, etc. etc. etc.
Alguns advogados já questionaram, judicialmente, a morosidade da justiça; entretanto, talvez por corporativismo, os juízes não aceitam à responsabilidade civil do Estado, a não ser que se prove que o magistrado tenha sido negligente na apuração do processo, provocando retardamento injustificado. Assim, segundo o entendimento dos juízes, o reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos judiciais, está subordinado à ocorrência de dolo ou fraude do julgador.
Segundo alguns juristas, entretanto, a prova estaria na própria demonstração da presença da morosidade, cuja razão pode ser dolosa ou culposa. Existiria, assim, um prazo considerado razoável para o exame e decisão sobre qualquer processo; prazo este que, ultrapassado, evidenciaria a existência de dolo ou de culpa naquele caso. Como qualquer outra prova material de dolo ou fraude, a exceção da morosidade, é quase impossível de ser obtida, fica o dito pelo não dito e a parte interessada é que espere - caso disponha de pouca idade e goze de boa saúde, que lhe permitam suportar estes vinte e poucos anos de prazo, necessários, muitas vezes, para que a justiça seja feita - se é que algum dia a justiça será feita; pois, conforme rezam os velhos ditados: “Justiça tardia é ausência de Justiça” ou “Se não há justiça, o que são os reinos senão um bando de ladrões?".
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