sexta-feira, 13 de maio de 2016

1. Liberdade é uma calça velha desbotada e Constituição é apenas um pedaço de papel**


Jober Rocha*


         Nos anos setenta, mais especificamente no ano de 1976, a empresa Alpargatas,
fabricante dos jeans U.S.Top (que concorria com as calças Lee e Levis), lançou uma propaganda na Mídia, voltada para o público jovem, que, através de uma canção de Sergio Mineiro e Beto Ruschel, dizia: - “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser...”
         Quarenta anos depois, em 2016, o Brasil passa por uma das maiores crises da sua História Republicana e, ademais de a Liberdade continuar sendo aqui, apenas, uma calça azul, velha e desbotada; a nossa Constituição Federal (que antes era defendida com patriotismo pelas autoridades civis e militares), hoje em dia é tão somente um simples pedaço de papel, que os próceres dos três poderes da República, também, usam do jeito que desejam.
Rasgada, pisoteada e com suas folhas arrancadas pelas próprias autoridades a quem caberiam preservá-la e defendê-la, da sanha gananciosa de estrangeiros e de maus brasileiros, a nossa Constituição nada mais tem sido, nos últimos anos, que um simples pedaço de papel. 
O ministro Joaquim Barbosa presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, em um ato simbólico de indignação, no ano de 2014, durante o julgamento dos réus do chamado ‘Inquérito do Mensalão’ (que apurava o desvio de recursos públicos para a compra de apoio parlamentar de deputados e senadores), rasgou a Constituição Brasileira na frente de vários colegas, ministros do STF como ele, e afirmou, categoricamente, durante uma das seções daquela corte: - “Nós somos o único caso de democracia no mundo em que condenados por corrupção legislam contra os juízes que os condenaram. Somos o único caso de democracia no mundo em que as decisões do Supremo Tribunal podem ser mudadas por condenados. Somos o único caso de democracia no mundo em que deputados, após condenados, assumem cargos e afrontam o judiciário. Somos o único caso de democracia no mundo em que é possível que, condenados, façam seus habeas corpus, ou legislem para mudar a lei e serem libertos”.
       A Câmara e o Senado brasileiros são formados, em grande parte, por políticos oportunistas, descompromissados com o povo e apenas compromissados com os governantes do momento e com o partido no poder. Nossos ministros, em sua maioria, são apenas políticos, não sendo, com algumas raras exceções, especialistas nas áreas de atuação dos seus ministérios ou, até mesmo, desconhecendo quase tudo a respeito da pasta que eventualmente ocupam (tanto é assim, que, com freqüência, os Presidentes da República fazem o rodízio de ministros). A corrupção é generalizada nos três poderes, conforme a imprensa, constantemente, denuncia.
     Nossos portos, nossas estradas e nossa malha ferroviária são de péssima qualidade e incompatíveis com um país da dimensão do nosso, que necessita produzir e escoar sua produção para abastecer uma população de 200 milhões de indivíduos e para exportar os excedentes.
       O descontentamento grassa entre a população, seja em razão do desemprego e dos baixos salários, seja da alta no custo de vida, seja da deficiência dos transportes urbanos, seja da crise na saúde e da falta de atendimento médico-hospitalar, seja da falta de segurança e do congestionamento das cidades (com carência de água, esgotos, coleta de lixo, etc.), seja da tradicional impunidade para os membros das elites (empresarial, política, administrativa ou judiciária), quando estes são apanhados cometendo crimes e ilegalidades.
       Embora o Contrato Social (Du Contrat Social ou Principes Du Droit Politique), de Jean-Jacques Rousseau, tenha sido citado, inúmeras vezes, por algumas de nossas autoridades políticas – que, se alguma vez o folhearam, possivelmente, não compreenderam em profundidade suas teses - aquele contrato vigente na atualidade, em nosso país, já tendo sido praticamente rompido, unilateralmente, pelo próprio soberano presidente, está à beira de ser rompido, também, pelos súditos eleitores, o que poderá dar ensejo a uma guerra civil, de lamentáveis conseqüências. Explico-me melhor: sendo a Ordem um direito sagrado, que serve de base a todos os outros, é evidente que sem respeito ao ordenamento jurídico (que manteve os nossos cidadãos, até agora, fiéis ao Contrato Social pactuado) os demais direitos do cidadão perderão seu valor e acabarão por se extinguir. Da mesma forma, conforme mencionado por Rousseau, os homens só alienam sua liberdade em proveito próprio: quando percebem inexistir benefício algum pela troca que fizeram, a tendência é romper o Contrato Social, às vezes de maneira radical e violenta, como muitos povos já o fizeram. 
         Diversas constatações deixam evidente o rompimento unilateral, pelo soberano presidente, do Contrato Social estabelecido em nosso país; pois, parece claro, não foi este constituído para providenciar proteção e melhorias aos súditos, mas, sim, para beneficiar o soberano do momento e a sua corte partidária.
       Ao constatarem, os súditos eleitores, que formam a base da pirâmide, que são eles que tudo executam e que contribuem com seu esforço e com sua renda para a construção do país que, embora a oitava (ou a nona) economia mundial, muito pouco lhes dá em retribuição pelo tanto que fazem, em razão de má gestão daqueles soberanos presidentes que têm se sucedido e constatarem, ademais, a perda dos valores morais, das virtudes e da proteção que buscavam ao participarem do Contrato Social e, em última análise, verem os vícios dominarem as virtudes no cenário político do país (com verdadeiras quadrilhas dilapidando os cofres da nação), os súditos podem, eventualmente, se sublevar e romper também o Contrato Social que já havia sido, anteriormente, rompido pelo soberano presidente; instaurando-se, assim, uma grave convulsão social e a conseqüente guerra civil que quase sempre a acompanha. 
      Temos visto isto acontecer em diversas partes do mundo, tanto no passado quanto no presente. Nós, que sempre pensamos que estas coisas só ocorriam em outros países, estamos perto de vê-las ocorrerem também no nosso.

_*/  Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado no Jornal A Palavra, Edição 171, de 04.04.2016, Rio de Janeiro, RJ.

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