19. Balanços Patrimoniais: o que as Partidas Dobradas podem esconder em suas dobras?
Jober Rocha*
A Contabilidade, segundo a clássica definição, consiste em uma Ciência Social cujo objetivo de estudo é o patrimônio das entidades ou empresas, seus fenômenos e variações, registrando os fatos e os atos de natureza econômico-financeira que o afetam e estudando também as suas conseqüências na dinâmica financeira. A referida ciência teve início por intermédio do matemático Leonardo Fibonacci e, posteriormente, foi desenvolvida e aperfeiçoada pelo monge Luca Pacioli, que divulgou o Método das Partidas Dobradas para a escrituração e a confecção dos balanços das empresas ou entidades, no século XV.
A Contabilidade foi implantada no Brasil, oficialmente, em 1770, com a regulamentação da profissão contábil e, em 1880, com o alvará que obrigava a escrituração mercantil por Partidas Dobradas, método este que, segundo o referido alvará: “...era o mais claro, o que menos lugar dava a erros e subterfúgios, onde se esconderia a malícia e a fraude”.
Mais de um século depois, o referido método ainda é o único usado por todas as entidades ou empresas; porém, como a criatividade humana é inesgotável e as fraudes contábeis continuaram existindo e sendo aperfeiçoadas, foram surgindo empresas de auditoria dedicadas à análise das empresas de capital aberto ou constituídas sob a forma de sociedades anônimas, que eram obrigadas a sofrer auditorias independentes, de modo a comprovar a qualidade da gestão e a veracidade das informações publicadas em seus demonstrativos contábeis ou financeiros.
As fraudes podem ocorrer em qualquer tipo de entidade ou empresa (pública, mista ou privada), de qualquer tamanho (pequena, média ou grande), de qualquer setor (comércio, indústria ou serviços) e, no caso brasileiro, costumam ser mascaradas notadamente em razão dos efeitos inflacionários, comuns desde longa data. Podem ser de diversas modalidades e se apresentarem encobertas temporariamente ou permanentemente. Podem, ainda, partir de funcionários ou empregados, de clientes, de fornecedores, de prestadores de serviços, da própria direção ou do dono da empresa.
No nosso país, onde a Mídia noticia, diariamente, escândalos de desvio de recursos públicos mediante a realização de concorrências fraudulentas envolvendo políticos, executivos e administradores federais, estaduais e municipais, além de empresários privados; as prestações de contas, os balanços e os balancetes das diversas entidades envolvidas são constantemente maquiados, de modo a esconderem as apropriações indébitas de recursos ocorridas e que, quando descobertas, são eufemisticamente chamadas pelos eventuais réus, simplesmente, de malfeitos.
Os controles internos e as auditorias externas independentes funcionam bem quando se tratam de descobrir desvios realizados por empregados ou funcionários; porém, quando se trata de desvios promovidos pelos diretores e pelo próprio presidente ou dono do empreendimento a coisa muda. Naquilo que diz respeito às auditorias e aos controles internos, aqueles que neles trabalham são indicados e prestam conta, normalmente, aos conselhos de administração, aos diretores ou ao presidente da empresa e, neste caso, não possuem a isenção necessária para a apuração e denúncia, quando a fraude parte daqueles a quem prestam conta. Nas empresas públicas e nas estatais brasileiras, sabe-se que os cargos de chefia e de direção são, normalmente, loteados entre o partido no poder e a base partidária que lhe dá sustentação, fazendo com que todos os servidores nestes casos estejam no mesmo barco e, assim, os eventuais desvios de recursos sejam camuflados por quem deveria denunciá-los. No caso das auditorias independentes externas, estas, embora tenham um nome a zelar, entendem bastante bem a linguagem do dinheiro, vindo de quem as paga regiamente pelos serviços que executam.
Há alguns anos uma grande empresa de auditoria norte-americana fechou as portas, após denuncias de que estava envolvida no acobertamento de fraude contábil de grande empresa do setor energético nos USA. Esta empresa desviava os seus prejuízos para outra entidade, apresentando, assim, lucros em seus balanços; que eram auditados, pela auditoria externa independente, sem nenhuma ressalva.
No nosso país, recentemente, empresa de auditoria independente e externa, que analisava as demonstrações contábeis de uma grande empresa nacional do setor de petróleo, emitiu uma negativa de opinião (quando não sente confiabilidade nos controles internos da empresa contratante), em uma demonstração trimestral de 2014. Esta empresa nacional, entretanto, teve as suas demonstrações contábeis aprovadas, até então, por outras empresas de auditoria externa, em que pese um de seus diretores em delação premiada perante a justiça haver dito que as fraudes e os esquemas de corrupção vinham de longa data.
Relativamente às empresas privadas prestadoras de serviços, fornecedoras de equipamentos e materiais, e aquelas de execução de obras civis para os governos (Federal, Estadual e Municipal), elas argumentam que costumam superfaturar seus preços em razão dos contratos demorarem a ser pagos. Inquéritos recentes, todavia, mostram que a verdadeira razão não é bem esta; pois este superfaturamento vai, normalmente, para os bolsos das autoridades que intervém no processo de contratação dos serviços e na liberação dos recursos.
Constata-se, portanto, que as fraudes e desvios de recursos costumam passar despercebidos pelas auditorias internas e externas, criadas justamente para detectar tais acontecimentos. Em algumas ocasiões, chegamos a pensar que seria necessário contratar uma auditoria externa para auditar o parecer da auditoria externa anteriormente contratada. Quando os interesses alcançam a cifra dos bilhões ou dos trilhões, tudo é possível.
Vê-se, portanto, que muita sujeira tem se escondido nas dobras das Partidas Dobradas, quando das análises dos balanços das empresas ou entidades. Algumas sujeiras passam despercebidas e, talvez, jamais sejam descobertas e cheguem a ter os seus responsáveis alcançados pelos braços da lei e punidos exemplarmente. Em outras, os seus promotores e beneficiários poderão afiançar que o crime compensa, pois passarão ao largo de qualquer punição e seus crimes jamais serão descobertos. Muitos poderão dizer: - ‘A culpa não é do Método das Partidas Dobradas, adotado nos balanços e balancetes das empresas; mas, sim, dos seres humanos e de suas ambições, que não hesitam em se apoderar daquilo que não lhes pertence e de tentar encobrir suas ações’.
Concordo, com aqueles que assim pensam, mas creio que é chegada à hora de considerar, também, como crime hediondo a fraude nos balanços das empresas e punir com rigor todos os que contribuíram para a referida fraude; haja vista que esta ação é que tem sustentado toda uma cadeia de malversação e de desvio de recursos públicos que, ao aumentarem os custos dos bens e dos serviços produzem inflação de preços e de custos e, fazendo falta nos setores sociais básicos, tanto prejudicam as populações das nossas cidades e dos nossos campos.
_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário