domingo, 15 de maio de 2016



6. Dignidade ou de como nossos políticos conseguiram contestar o filósofo Immanuel Kant**


Jober Rocha*


       Os dicionários definem Dignidade como sendo honestidade; isto é, a integridade em suas crenças e ações. Seus principais sinônimos, dentre outros, são: Honra, Altivez, Brio, Respeitabilidade, Honestidade e Integridade.
    Os estudos acerca da Dignidade podem contemplar, usualmente, quatro vertentes: filosófica, biológica, psicológica e ética. Para a finalidade deste ensaio, ficaremos apenas com a filosófica.
Relativamente à vertente filosófica, o filósofo Immanuel Kant (1724 - 1804) estabeleceu como principio da Dignidade Humana, a segunda fórmula do Imperativo Categórico: “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa quanto na de qualquer outro, sempre também como um fim e nunca unicamente como um meio”. Tal imperativo estabelece, portanto, que todo homem, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo (como um preço, por exemplo), mas intrínseco; isto é, a dignidade. 
     Em sua obra ‘Fundamentação da Metafísica dos Costumes’, Kant afirmou que os indivíduos deveriam ser tratados como um fim, em si mesmos, e não como um meio. O principio que formulou, naquela ocasião, dizia: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando algo tem um preço, pode ser substituído por alguma coisa equivalente. Por sua vez, aquilo que se acha acima de todo preço, não admitindo assim nenhuma equivalência, compreende uma dignidade”. A moralidade, portanto, é a condição da dignidade do homem - e moralidade e humanidade eram as únicas coisas que não possuíam preço, no entendimento do filósofo.
     O Principio da Dignidade da Pessoa Humana constitui, na atualidade, o principio maior de todo Estado Democrático de Direito. Em nosso país este princípio consta da relação dos Direitos Fundamentais, inseridos na Constituição de 1988.
      Infelizmente, os exemplos fornecidos por grande parte de nossos políticos, em passado recente e na atualidade, jogam por terra as postulações de Kant mencionadas anteriormente.
    O triste episódio da nossa História Política, envolvendo inúmeros políticos e partidos, mais conhecido como ‘Mensalão’; além do episódio da delação premiada de ex-diretor de uma empresa estatal em uma operação policial conhecida como Lava-jato, serviram para demonstrar, claramente, que a Dignidade, a Moralidade e a Humanidade são coisas que, na verdade, ao contrário do que afirmava Kant, têm seus preços entre os políticos; em alguns casos muito elevados, mas, em outros, muito reduzidos.
    Segundo apurou a justiça, inúmeros políticos nos quais o povo havia depositado toda a sua confiança, presente e futura, e esperava, em retribuição, mandatos voltados para a solução dos graves problemas econômicos, sociais, tecnológicos, militares, infra-estruturais, educacionais e de saúde que assolam nosso país, dedicaram-se, quase que exclusivamente, a dilapidar em benefício próprio e de seus partidos as riquezas geradas por empresas estatais e os recursos arrecadados pelo governo com a cobrança de impostos. Verdadeiras quadrilhas constituídas por políticos de vários partidos, que durante muitos anos colocaram seus mandatos populares em leilão, transformaram as casas onde deveriam legislar, com dignidade, em benefício do povo brasileiro, em um simples balcão de negócios. Nepotismo, malversação de verbas, concorrências fraudulentas, advocacia administrativa, concussão, falsidade ideológica, venda de pareceres e de apoio político, desvio de recursos, tráfico e contrabando de divisas, etc., eram vistas como coisas comuns, que faziam parte do dia a dia de muitos deles. Associados com membros do Executivo e do Judiciário, além de vários empresários, superfaturavam os valores das obras públicas, muitas delas supérfluas, e dividiam entre eles mesmos e alguns partidos políticos estes excessos custeados com dinheiro público; dinheiro este que faltava em setores tais como saúde, saneamento, estradas, educação, transporte público e segurança.
     O preço de suas Dignidades variava segundo a importância dos ‘serviços’ que prestavam à quadrilha a que pertenciam ou aos valores que eles próprios atribuíam às suas dignidades.
    Durante o período em que os quadrilheiros reinaram insuspeitos, milhares de crianças foram vítimas inocentes, logo na primeira infância, da contumaz falta de verbas na Saúde; verbas estas desviadas para as contas, no país e no exterior, de muitos daqueles políticos (o termo político, que utilizo, abrange também membros do executivo e do judiciário que são vinculados à partidos políticos, bem como políticos ocupando cargos executivos). Milhares de trabalhadores, de idosos, de deficientes físicos, morreram e padeceram, diariamente, em nossos hospitais – carentes de modo crônico de profissionais da saúde, de equipamentos e de materiais.
  As verbas que possibilitariam um atendimento digno a estes brasileiros, com toda a certeza, jazem em contas bancárias particulares (muitas com nomes fictícios ou em nome de ‘laranjas’), espalhadas por todo o mundo e sem levantar suspeitas. Cidadãos foram roubados, feridos e mortos, diariamente, em razão da tradicional deficiência de meios e de pessoal de nossas polícias. Trabalhadores não conseguiram emprego, em razão da falta de treinamento profissional e de uma escolaridade deficiente no primeiro e no segundo graus, em razão do baixo nível do ensino ministrado e da carência de professores bem remunerados e motivados.
  Não faltaram recursos nos orçamentos da União destes últimos anos; já que, dezenas de grandes estádios de futebol foram edificados (ou reconstruídos), em todo o Território Nacional, no referido período, consumindo cerca de trinta bilhões de reais em obras civis. Estas obras, muitas delas consideradas superfaturadas segundo notícias veiculadas através da imprensa, consumiram os recursos que faltaram na Saúde, na Segurança, na Educação e nos Transportes. 
     Da mesma forma, a renúncia fiscal, no que respeita a incidência do Imposto sobre a Renda obtida com a venda de ingressos para a Copa do Mundo de Futebol, também demonstra a magnanimidade do governo com relação às entidades promotoras do evento, entidades estas, na atualidade, com a maioria dos seus dirigentes presos e respondendo a processos por corrupção na Suíça e nos Estados Unidos. 
     Quando o governo e os políticos querem, as verbas aparecem, principalmente para serem por eles mesmos desviadas. Não há, pois, como esperar Dignidade, Moralidade e Humanidade de pessoas que já as negociaram no mercado da contravenção e do crime. 
     Em um contexto como este nosso - muito diferente daquele da Königsberg, na antiga Prússia, na qual Kant lecionou e da qual nunca saiu – a Dignidade, a Moralidade e a Humanidade têm, sim, seus preços estabelecidos em balcões, como bem demonstraram nossos políticos nestes recentes episódios. 
      Muitos as venderam por bem mais do que valiam, superfaturando-as também. Outros, uns pobres coitados, venderam as suas por apenas alguns míseros trocados... 

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado na Revista da Aeronáutica nº 290, 2015. Rio de Janeiro, RJ.



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