segunda-feira, 16 de maio de 2016

7. Sobre Filósofos e Sacerdotes**

Jober Rocha*




        Durante um churrasco entre amigos, realizado no último fim de semana, depois de várias doses de uísque consumidas em companhia de velho companheiro de infância, estudante tardio de Filosofia como eu, nós iniciamos uma discussão amigável sobre o papel dos filósofos no mundo moderno, face aquele desempenhado pelos sacerdotes. 
Chegando eu de volta à casa tarde da noite e julgando aquela amigável discussão que tivéramos bastante produtiva intelectualmente, principalmente em se tratando de temas polêmicos como Filosofia e Religião, resolvi colocar no papel alguns daqueles argumentos que empreguei na ocasião e dos quais ainda me recordava, antes que a amnésia alcoólica tomasse conta da minha mente e apagasse, talvez para sempre, o teor daquela boa conversa que nos entreteve por várias horas.
Assim, o objetivo deste ensaio é o de tecer algumas considerações entre estas duas categorias de seres humanos que, em sua formação e no seu dia a dia, lidam com o Conhecimento, com a Epistemologia, com a Metafísica e com a Religião.
      Para que não restem dúvidas acerca do que consiste cada uma destas categorias, apresento definições sobre o que é ser um filósofo e sobre o que é ser um sacerdote - embora existam filósofos sacerdotes e sacerdotes filósofos - de modo a que os leitores compreendam, melhor, o que será dito acerca de um e de outro. O filósofo é todo aquele que ama e busca a sabedoria; isto é, aquele que deseja saber cada vez mais. O sacerdote, por sua vez, é uma autoridade religiosa habilitada para dirigir ou participar em rituais sagrados, de uma religião em particular.
       O termo Filosofia dizem ter sido criado por Pitágoras. Seu significado de amizade pela sabedoria, buscava ressaltar que o homem apenas poderia ter amizade por ela, visto que a sabedoria era um atributo e propriedade, exclusiva, dos Deuses.
     Começando pelo perfil psicológico de cada um, tem-se que a característica principal de um filósofo é a dúvida, enquanto a do sacerdote é a certeza. A verdade para o filósofo é alguma coisa distante, sempre buscada e poucas vezes encontrada, já que possue nuances; nuances estas que são vistas, quase sempre, de maneira diferente por aqueles que a procuram em cada época. Para o sacerdote a verdade é uma só para toda a eternidade e revelada, em sua integra, pela divindade a que serve.
      O filósofo fala para si mesmo e para outros filósofos, enquanto o sacerdote fala para a massa de fiéis e de crentes.
     Segundo George Zarur em “Shamãs, Sacerdotes, Filósofos e Profetas: dos modelos de produção intelectual”, onde o autor procura relacionar formas de produção intelectual vinculadas à formação social na qual está inserido o trabalho intelectual; ao público a que se destina o conhecimento produzido; ao reconhecimento da autoria do conhecimento produzido e às instituições transmissoras e produtoras do conhecimento: “O sacerdote apresenta uma versão mágica, impressionante e impressionista, sobrenatural, onde a ininteligibilidade de muitos aspectos da liturgia, a idéia de mistério, assume uma dimensão simbólica que reforça a distância entre a classe sacerdotal e os leigos”.
     De igual forma, segundo creio, o mesmo ocorre com alguns filósofos que, quase sempre, apresentam sua visão da realidade (ou a sua Teoria Filosófica), também, de modo ininteligível para aqueles leitores leigos na matéria; isto é, para os não filósofos. Alguns, até o fazem de maneira sarcástica e desdenhando da capacidade intelectual dos demais mortais para compreender suas ‘elevadas proposições’. Outros acham que descobriram a pólvora, julgando-se ‘dinamite pura’. Acham que os ‘ares puros que respiram’ não são os mesmos do resto da população – como sempre gostava de mencionar Friedrich Nietzche em seus escritos.
        Deixando de lado a vaidade demonstrada por alguns filósofos é inegável o papel destes, com seus argumentos racionais, lógicos e com suas análises conceituais  a partir das experiências do pensamento,  no desenvolvimento da Metafísica, da Epistemologia, da Lógica, da Ética, da Estética,  da Filosofia Política e da Metafilosofia.
     Voltando, no entanto, às características distintivas entre filósofos e sacerdotes, têm-se que a proposta do filósofo é a de que: - Se devemos possuir crenças e valores, que estes sejam sustentados de maneira crítica e refletida! A proposta do sacerdote, por outro lado, é a de que: - Nossas crenças e valores devem ser sustentados pela fé e pela obediência, sem questionamentos!
       Em algumas ocasiões, em decorrência de fatores tais como a perfeição da Natureza, a sincronia dos processos naturais e a complexidade dos organismos vivos, muitos filósofos chegam a se transformar em pessoas religiosas ou, até mesmo, a se tornarem sacerdotes. Assim, alguns filósofos, muitas vezes, utilizam argumentos em favôr de teses religiosas - como Platão, por exemplo, com sua crença na existência de um Criador e na imortalidade do espírito. Por sua vez, sacerdotes não totalmente acordes com respeito a alguns dogmas de sua religião, utilizam, por vezes, argumentos filosóficos, notadamente Aristotélicos, em defesa de suas pregações, como fizeram Agostinho de Hipo (santo Agostinho) e Thomás de Aquino. Thomás de Aquino considerava que a Filosofia vinha em auxílio da Teologia, demonstrando verdades que a fé considerava como estabelecidas e esclarecendo verdades da fé, ao criar analogias com as verdades naturais. Além disto, podia ser utilizada para refutar idéias que se oponham à Doutrina Religiosa.
      Tradicionalmente separados, na atualidade, filósofos e sacerdotes têm trabalhado juntos para um mesmo fim, embora utilizando caminhos diferentes no que se refere à Terapia da Alma. Usando a Filosofia e a Religião como recursos terapêuticos - cada um a sua maneira - proporcionam tratamento para indivíduos isolados ou em grupos, seja mediante palestras, discussões em grupo, seminários ou entrevistas pessoais, naquilo que se refere à libertação de vícios, a redução de stress, ao aumento da auto-estima, etc. A Terapia Filosófica (ou Filosofia Clínica, como é denominada em nosso país esta nova forma de atuação dos filósofos), trata de questões de psicoterapia, proporcionando a diagnose e o tratamento de questões existenciais, mediante a Filosofia aplicada ao indivíduo. Algumas universidades em todo o mundo já formam especialistas em Filosofia Clínica; profissionais estes aptos a trabalhar em hospitais psiquiátricos, clínicas de reabilitação e consultórios psicoterapêuticos.
Os sacerdotes, da mesma forma, prestam (e sempre prestaram) apoio espiritual àqueles que acreditam na continuação da vida após a penetração do espírito no território da morte; bem como, ajudam aos desesperados e àqueles que atingiram o ‘fundo do poço’ da degradação humana a retomarem o caminho da convivência social, a abandonarem eventuais vícios e a aceitarem os valores morais propostos pelas religiões, através do despertar da fé e da crença na ajuda divina.
       Ambos possuem os seus próprios papéis no “show da vida” representado pelo nascimento, pela existência e pela morte, conforme visto. Hoje em dia separados em razão das distintas missões a que se atribuíram, pode ser que com a evolução humana, em algum ponto do futuro, venham a se fundir, em razão de os homens deixarem de ser apenas amigos do conhecimento; mas passarem a ser, também, um de seus eventuais proprietários.


-*/ Economista, M.S e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado no Jornal A Palavra, edição nº 155. Rio de Janeiro, RJ.

Nenhum comentário:

Postar um comentário