sexta-feira, 13 de maio de 2016

3. Pela volta da função de Inspetor de Quarteirão nas cidades brasileiras**


Jober Rocha*


        Em conformidade com estudo divulgado pelo Escritório sobre Drogas e Crime das Nações Unidas – UNODOC, denominado Estudo Global sobre Homicídios - 2013, os países mais violentos do mundo são latino americanos ou africanos e, dentre os vinte e cinco mais violentos do planeta, destaca-se o Brasil ocupando o décimo sexto lugar. A taxa média brasileira, de homicídios por cem mil habitantes, é da ordem de 25,2 (quatro vezes maior que a média mundial, que é de 6,2). Todavia, segundo estudo da ONG mexicana ‘Conselho Cidadão pela Segurança Social Pública e Justiça Penal’, dentre as cinqüentas cidades mais violentas do mundo, a metade delas está situada no Brasil.
          Assim, embora a taxa média brasileira, de homicídios esteja situada em 25,2 muitas capitais do país sobre-passam, em algumas vezes, este valor médio; como, por exemplo: João Pessoa (79,41); Maceió (72,91); Fortaleza (66,55); São Luís (64,71); Natal (63,68); Vitória (57,00); Cuiabá (56,46); Salvador (54,31); e por aí vai.
        Desde os tempos do Brasil Colônia e do Brasil Império, existia, em nossas vilas, municípios e cidades, a função do Inspetor de Quarteirão, que dividia com os demais agentes da lei (Os Alcaides ou Prefeitos, os Delegados, os Juízes de Paz, os Escrivães de Paz, os Quadrilheiros ou agentes que executavam a segurança pública e os Carcereiros) a função de promover a paz, a boa convivência e o respeito às leis na área sob a sua responsabilidade, que era constituída pelo quarteirão onde ele residia. Sua função, que ganhou força durante o império, era exercida sem nenhuma remuneração e ele recebia uma parcela do poder do Estado para coibir a prática de atos delituosos, devendo zelar pelas propriedades e pelo sossego de todos os moradores daquele quarteirão sob a sua vigilância. Possuía autoridade para efetuar prisões em flagrante, para admoestar e, até mesmo, para obrigar os infratores (aqueles que viviam pelas ruas ofendendo os bons costumes e perturbando o sossego público) a assinarem os denominados ”Termos de Bem Viver” (os atuais Termos de Ajustamento de Conduta). Ele constituía, assim, uma primeira instância do policiamento naquele quarteirão em que habitava (os quarteirões contavam com um mínimo de 25 casas, na época). Como um auxiliar do delegado de polícia, ele entregava intimações, fazia investigações informais, dava conselhos e resolvia pequenos conflitos entre vizinhos.
       A origem desta função, segundo alguns autores, remonta a antiga cidade de Jerusalém, nos tempos da dominação romana. Foi adotada em muitos países da Europa e trazida para o Brasil desde os tempos da colonização. . Os inspetores de quarteirão eram selecionados pelos Juízes de Paz, entre a população dos distritos, e, então, propostos à Câmara Municipal - que se encarregava da aprovação de seus nomes. Sendo considerados como 'uma autoridade na porta das casas', eles deveriam ser escolhidos entre os cidadãos maiores de 21 anos, que soubessem ler e escrever e que gozassem de boa reputação em seus quarteirões. Eram funções desempenhadas gratuitamente, porém, consideradas de natureza relevante.
       Ao longo dos anos a função de Inspetor de Quarteirão sofreu algumas modificações, em diferentes Estados da Federação, sendo extinta em muitos deles no início do século XX e mantida, em outros, até quase o final do mesmo século (como, por exemplo, em São Paulo, Paraná e Santa Catarina), embora, praticamente, já totalmente inoperante e com as suas funções completamente cerceadas, em razão de fenômenos políticos e sociais conjunturais da época.
       Na atualidade, todos os Estados da Federação reclamam da falta de recursos financeiros para elevar o quantitativo de policiais das suas polícias militares e civis, reconhecidamente insuficientes, em quantitativo humano, para fazer frente ao crime e as demais violações das leis em suas jurisdições. Assim, o retorno da função de Inspetor de Quarteirão às nossas cidades, assoladas pelo crime, possibilitaria, de imediato: 
1. A incorporação de milhares de indivíduos ao processo de segurança pública de nossas cidades, a um custo zero para as administrações estaduais; 
2. A liberação de milhares de policiais daquelas ocorrências de menor potencial ofensivo, tarefas estas que poderiam ser realizadas pelos Inspetores de Quarteirão, liberando os verdadeiros policiais para outras ocorrências de maior potencial ofensivo, como o combate ao narcotráfico e ao crime organizado.
     Muitos poderão objetar contra esta idéia, principalmente, pelas seguintes razões: Falta de treinamento adequado dos candidatos; usurpação da função de polícia; índole pacífica e, de certa forma, acovardada da maioria das populações, ao não querer se envolver nos problemas alheios; possível abuso de autoridade por parte destes eventuais inspetores ou a transformação da função em milícias; nepotismo e politicagem na nomeação dos eventuais inspetores, etc. Creio que de todas estas possíveis alegações, nenhuma delas constitui fator que não possa ser analisado e solucionado convenientemente pelas autoridades públicas.  Basta lembrarmos que nos edifícios residenciais já existe, desde há muito tempo, a figura do síndico. Este, sem possuir o poder de polícia, já executa missões de conciliação entre moradores e já zela, nos edifícios, pela ordem, pelo respeito e pelo patrimônio dos condôminos. Sem a existência destes personagens, seria impossível a vida nos edifícios de apartamentos e nos condomínios residenciais das cidades modernas.
       Menciono a seguir, e a título de exemplo, algumas medidas necessárias a implantação dos Inspetores de Quarteirão: eles deveriam portar um distintivo ou uma braçadeira que os identificasse como tal; a criação da função deveria ser exaustivamente divulgada pela Mídia; os candidatos (e seus eventuais auxiliares, todos também residentes no mesmo quarteirão e nomeados pelos inspetores eleitos), seriam voluntários residentes no quarteirão e selecionados pelo poder público através de lista tríplice a ser submetida aos moradores. Seriam eleitos, através do voto dos moradores do respectivo quarteirão, para um período de dois anos. Findo este período haveria novas eleições para o próximo biênio. Tais possíveis candidatos, voluntários, poderiam ser selecionados prioritariamente entre ex-militares, ex-policiais, advogados ou pessoas com formação em Direito, profissionais com nível superior, de preferência aposentados ou reformados, e receberiam treinamentos prévios nos batalhões de polícia militar, delegacias policiais ou em quartéis militares. Os inspetores de quarteirão estariam subordinados às Secretarias de Segurança Públicas Estaduais e ficariam sujeitos às penalidades da lei, como se policiais fossem, por quaisquer abusos de autoridade ou por atos de violência injustificados. As funções destes inspetores seriam previamente definidas e eles não poderiam extrapolá-las, sob pena de severas punições e de exoneração, que se daria pela metade e mais um dos residentes naquele quarteirão. Os inspetores poderiam fazer uso de meios de defesa não letais, tais como cassetetes, tasers, algemas, gases paralisantes, etc. Da mesma forma, possuiriam um telefone ou rádio para rápida comunicação com a autoridade policial mais próxima, naqueles casos em que houvesse esta necessidade. Poderiam, eventualmente, em casos de extrema necessidade, contar com a ajuda dos inspetores dos quarteirões contíguos. Como seria uma função de natureza relevante e prestigiada pelos moradores e autoridades, com certeza existiriam cidadãos motivados a ocupá-la. A recriação da função de inspetores de quarteirão poderia ter início em cidades de pequeno e médio porte, para teste, antes de aplicá-la nas grandes cidades. Nestas a experiência poderia começar em determinados bairros, mais fáceis de implantação e de controle.
         Caso esta função fosse, novamente, revitalizada, as regras e os balizamentos jurídicos, referentes ao trabalho a ser desempenhado e ao treinamento dos seus ocupantes, deveriam ser previamente determinados por autoridades dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), selecionados os ocupantes das funções, a serem treinados nos quartéis e, logo após, dado início a operacionalização desta experiência de policiamento comunitário nos dias atuais. Estou convencido de que as taxas de criminalidade e de violação das leis seriam bastante reduzidas, em benefício de toda a comunidade e sem custos adicionais ao poder público. Da mesma forma, o excessivo número de processos referentes a ações judiciais, que, anualmente, sobrecarregam o Poder Judiciário seria também sensivelmente reduzido, com economias de tempo e de recursos financeiros. Mesmo que eventuais aspectos negativos (contornáveis e/ou elimináveis) possam ser apontados por alguns, creio que a grave situação atual das cidades brasileiras, no que respeita à segurança pública, será ainda mais agravada com o passar dos anos, notadamente com o crescimento da população, com a recessão e com a conseqüente escassez de recursos prevista para os próximos anos. Creio, assim, que esta alternativa deveria ser seriamente estudada pelas autoridades brasileiras.

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado em Leitura Recomendada de 10.02.2016. www.reservaer.com.br

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