quinta-feira, 19 de maio de 2016


15. A Beleza, a Força e a Sabedoria** 

Jober Rocha*


A beleza pode ser definida como a qualidade daquilo que é belo; isto é, de algo que está em equilíbrio e harmonia com a Natureza. O conceito de equilíbrio e de harmonia com a Natureza, entretanto, dependerá do julgamento daquele que contempla a entidade em apreço, seja ela qual for. Assim, a beleza é alguma coisa subjetiva, a depender daquele que faz a observação e que emite a sua opinião.
A ideia de beleza para alguns filósofos, como Platão, estava acima de todas as outras; Aristóteles a associava com as virtudes (pois aquela seria uma característica divina, como estas) e Pitágoras com a Matemática; já que, os objetos cujas medidas concordavam com a chamada Proporção Áurea, afiguravam-se mais belos que os demais.
      A Força é conhecida como uma grandeza que possui a capacidade de vencer a inércia, de modificar o movimento de um corpo e de causar deformação em um objeto flexível, possuindo, ainda, magnitude e direção.
         A Sabedoria, por sua vez, atributo dos sábios, consistiria na capacidade que permite aos homens identificar os seus erros e imperfeições, bem como as falhas e deficiências da sociedade, como também de conseguir corrigi-los.
A Ordem Maçônica, desde o seu início na Inglaterra, no século XVIII, apoiou-se, simbolicamente, em três grandes colunas místicas, que eram: a Sabedoria, a Força e a Beleza. A Sabedoria estaria representada pela figura do Venerável Mestre, que comandava a Loja Maçônica e que deveria possuir senso de justiça, tolerância e responsabilidade. Representando a Força estaria o Primeiro Vigilante, logo abaixo de venerável, que deveria executar os projetos deste com determinação e vontade. A Beleza era representada pelo Segundo Vigilante, cuja função seria a de embelezar as ações executadas pelo Primeiro Vigilante e traçadas pelo Venerável Mestre, no sentido de que elas fossem concluídas com sensibilidade e harmonia.
Independentemente das considerações anteriores, o desejo de todos os seres humanos, em todos os lugares e épocas, tem sido o de possuir estas três características, concomitantemente; além de, como corolário, uma quarta que seria a fortuna e, na maior parte das vezes, consequência das três primeiras. Na impossibilidade de possuírem as três primeiras, desejariam possuir ao menos duas delas e, caso isto não fosse possível, apenas uma destas características.
       Estudo recente, feito por uma universidade norte-americana, constatou que pessoas que possuíam as três (ou ao menos duas) dessas características, eram mais bem sucedidas e mais felizes do que aquelas que não as possuíam e, quase sempre, tais pessoas chegavam a alcançar a quarta destas características.
      Esta constatação nos remeteria, assim, a uma questão de ordem filosófica: Existiria ou não uma justiça divina, que pugnasse pela igualdade? Por que razão o Criador beneficiaria alguns poucos, em detrimento da maioria, agraciando-os com as três características ao mesmo tempo (ou ao menos alguma delas), enquanto a maioria dos seres humanos não contaria com nenhuma? Porque razão existiria gradações entre beleza, força e sabedoria, de modo a que, mesmo entre aqueles que as possuíssem todas, uns as teriam em maiores graus do que outros?
       Embora a maior parte das pessoas, de maneira racional e em teoria, reconheça que devamos todos ser iguais perante a lei e que devamos ter iguais oportunidades, na prática, todos sabemos que as coisas seguem por caminhos diferentes.
     A simples comparação, física e intelectual, entre os seres humanos evidencia a diferença entre eles. Os mais inteligentes, mais fortes, mais belos e os mais aptos para determinadas funções, percebem que são melhores – em conformidade com os valores e padrões predominantes do gênero humano - mediante a simples comparação entre eles mesmos e os demais. Esta percepção os torna orgulhosos de seus méritos; enquanto produz, nos demais que não possuem tais atributos naquela mesma proporção, sentimentos de inveja e de inferioridade com relação aos primeiros.
      Em que pesem as religiões pregarem que somos todos irmãos e filhos de um mesmo Criador, e que elas são as únicas e verdadeiras representantes deste pai celestial, o simples raciocínio nos conduz a imaginar que, se fosse desejo do próprio Criador – aquele que tudo pode – este, certamente, ter-nos-ia feito, a todos, com características físicas e intelectuais idênticas, igualmente belos e com as mesmas aptidões.
       Alguns argumentam que o Criador teria sido mais coerente com a nossa Razão Prática, se tivesse feito com que nascêssemos iguais em nossa criação – isto é, fôssemos todos idênticos, física e intelectualmente - e, a partir daí, aproveitássemos as oportunidades desiguais que a vida nos oferece em qualquer lugar do planeta; ao invés de imaginar - conforme a nossa Razão Pura, e ingênua, teoricamente preconiza – que, tendo todos nós nascidos desiguais, por desejo do Criador, devamos ter oportunidades iguais e sermos mantidos todos sob uma mesma lei, de amplitude universal.
       Esta forma de ver o mundo, concebida pela nossa razão pura, tem muito que ver com o descrito na ‘Genealogia da Moral’ do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).  Segundo Nietzsche, ao longo de milhares de anos de amadurecimento, as classes mais fracas da sociedade acabaram por fazer prevalecer, principalmente através da implantação da religião cristã, um novo conceito de moral que as beneficiaria, na medida em que tal conceito estabelecendo como virtudes a serem perseguidas pelo ser humano, características que não privilegiariam as classes mais fortes - que, como tais, seriam aquelas que deveriam impor a sua moral às classes mais fracas – acabou por sujeitar os indivíduos das classes dominantes, teoricamente mais fortes, mais inteligentes e mais aptos (através de conceitos de vícios e virtudes, de ordem espiritual, estabelecidos de maneira firme na sociedade), ao domínio dos mais fracos, cujos valores passaram a sobrepor-se aos daqueles. Exemplificando: O dominador, quer por sua força, inteligência ou habilidade, passou, através deste processo, a ser detentor de todos aqueles sentimentos morais que, na atualidade, consideramos vícios, mas, que outrora sempre foram naturais aos mais fortes em razão de seu poder - considerando-se, até então, a ausência de preocupações de ordem Metafísica; como, por exemplo, a crença em outra existência após a morte. Os dominados, mais fracos em razão de não possuírem os atributos dos mais fortes, conseguiram, por oposição, passar a serem considerados os detentores das virtudes, estabelecidas estas sob uma ótica espiritual-religiosa, que a eles convenientemente beneficiaria, mediante a transvaloração dos valores morais vigentes anteriormente.
        Veja-se, por exemplo, a conversão de patrícios da nobreza romana e de inúmeros imperadores ao cristianismo, passando, todos eles, a adotar os seus princípios. Da mesma forma, recordemos que durante as Cruzadas, ou mesmo em outras ocasiões da história, inúmeros nobres, inclusive reis e príncipes, doaram seus bens para a igreja e seguiram em busca da Terra Santa ou de outros objetivos, para redimirem-se de seus inúmeros pecados (notadamente cometidos contra os servos, escravos e demais dependentes). 
      Ao longo da história, os dominadores, por força de seus predicados e de suas capacidades de dominar pessoas e povos, tenderiam a serem orgulhosos, vaidosos, cobiçosos, desleais, arrogantes, maldosos, violentos, irados, etc. Os dominados – mais fracos - ao conseguirem, pela via da religião, transformar tais sentimentos em vícios a serem combatidos, e estabelecerem conceitos para outros sentimentos - as conhecidas virtudes - estes, sim, a serem buscados, tinham por objetivo mudar o eixo da questão moral, de modo a poder retirar de cima de suas cabeças o peso da espada que os submetia às ações praticadas pelos dominadores, mais fortes do que eles.
       A Razão Pura, utilizando o suporte da religião, procurou demonstrar que a desigualdade existente entre os seres é apenas aparente, que todos somos irmãos e filhos de um mesmo pai e que os valores que mais importam a este pai, não são aqueles que nos mantém desiguais, mas, sim, aqueles que permitem que nos igualemos todos, isto é, o comportamento virtuoso.
      A Razão Pura tendo prevalecido sobre a Razão Prática, tornou, na teoria, as virtudes preferíveis aos vícios. Entretanto, na atualidade, com parcela tão significante da humanidade dedicando-se em tempo integral a prática destes últimos, ainda não podemos afirmar, com toda a certeza, quem será o grande vencedor deste combate. A própria lei, que é prevista para ser aplicada igualmente a todos, não o é na maior parte dos países. As oportunidades também não são iguais, pois os que têm mais, seja o que for (beleza, força, sabedoria ou fortuna), têm maiores oportunidades do que aqueles que têm menos.
       Por outro lado, quando falamos em progresso com justiça social, objetivamos, por nós mesmos e de maneira ideológica, anular uma das características com que nos brindou o Criador, que foi a desigualdade - quer seja de ordem racial, física, intelectual ou financeira (esta última uma conseqüência das três primeiras). Não é nosso objetivo fazer juízo de valor sobre os critérios considerados pelo Criador para a sua criação, mas apenas constatá-los. 
      Os mais favoráveis a esta forma de progresso são, evidentemente, os mais fracos, os dominados. Os que a ela se opõem são, em sua totalidade, os mais fortes, os dominadores.
A Filosofia, a Religião e a Política ainda terão muito chão para percorrer, até que o gênero humano (constituído pelos dominados e pelos dominadores) perceba que o deslocamento sem atrito (isto é, sem conflito entre o trabalho e o capital, entre empregados e patrões, entre pobres e ricos), rumo ao desenvolvimento e ao progresso da nossa espécie, será muito mais rápido do que aquele feito com a presença deste atrito, que tem caracterizado, até agora, o caminhar da nossa civilização.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado na Revista Lavra, ano l, nº l, maio de 2016. Rio de Janeiro, RJ.






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