terça-feira, 17 de maio de 2016

11. A Verdadeira Iluminação**


Jober Rocha*



          As religiões, de um modo geral, mencionam como meta de todos aqueles que nelas acreditam o alcance de um estado de desenvolvimento espiritual a que denominam iluminação. Esta iluminação de cunho espiritual não deve ser confundida com a intelectual, que se refere ao movimento europeu denominado Iluminismo, nem com a filosófica, também chamada de Racionalismo, que surgiu no século XVII.
       A iluminação religiosa de que falamos diz respeito à experiências referentes ao alcance de estágios de consciência (ou espirituais), onde foram abolidas as qualidades negativas do indivíduo e mantidas apenas aquelas consideradas positivas.
        No Budismo a iluminação visa atingir a libertação dos incontáveis ciclos de nascimento e morte, de modo a atingir-se o Nirvana (ou estado de libertação de todo sofrimento). A iluminação budista, alcançada em vida, trata do caminho para o alcance do Nirvana, que seria um estado de paz, calma, pureza de pensamentos, libertação do sofrimento e elevação espiritual, que permitiria a quebra do processo de seguidas encarnações ou renascimentos.
        No Hinduísmo, como uma analogia ao Nirvana budista, tem-se o Moksha que se refere, também, a libertação do ciclo de renascimentos e é visto como a transcendência do fenômeno de existir.
Em nossa maneira de ver a questão, Iluminação é uma palavra que tem mais a ver com o conceito que a ela atribuiu o filósofo Inmanuel Kant, do que com seu significado religioso, que é mais o de evolução espiritual. Esta evolução, segundo penso, jamais terminará - mesmo em se alcançando em vida o Nirvana - pois, acaso terminasse, a partir daquele momento seríamos todos deuses (ou seja, criadores e não criaturas). Penso que a evolução espiritual deverá continuar após a desencarnação do ser humano, mesmo tendo ele alcançado o estado de Nirvana em vida, e que esta evolução seja também infinita, como tudo aquilo que se relaciona com o Criador. Se o ser humano vier a se livrar do processo de reencarnações por haver atingido o Nirvana, talvez, como efeito colateral, isto o impeça de poder ajudar ao seu próximo em uma nova vida, de demonstrar amor pelo semelhante, de dar vazão a sua criatividade nas ciências, nas artes e na filosofia de modo a beneficiar seus contemporâneos e as gerações futuras. A busca incessante pelo alcance do Nirvana, da forma como pregam as religiões, parece-me fruto do egoísmo, ou seja: a partir dali eu não sofrerei mais, estarei em paz, em calma, etc.. Ao mesmo tempo em que as religiões apelam para a morte do EGO individual (que produz os desejos e cuja insaciabilidade provocaria o sofrimento), seus objetivos para os fiéis são o alcance da paz e a ausência do sofrimento. Ora, isto se me afigura como a vitória egoísta do EGO, já que: ‘a partir de então não sofrerei mais, serei feliz para sempre’! 
Mesmo para um espírito já evoluído, o sofrimento pode ser bom e necessário. A falta de paz e o sofrimento para o espírito humano, não significa que aquilo não possa se transformar em um bem para a toda a Humanidade. A existência de Monges isolados em mosteiros, no alto das montanhas, rezando, meditando e longe dos problemas mundanos, pode ter conotações altruísticas e, também, misantropas ou egoístas. Tais monges podem, egoisticamente, estar buscando apenas suas ‘salvações particulares’; isto é, buscando evoluir espiritualmente para livrar-se de suas múltiplas encarnações - encarnações estas que para eles se afiguram como sofrimento e eles já não querem mais sofrer. Mal comparando, é como tomar um trem no interior da África, assolada pelo vírus Ebola, deixando para trás - para sempre - aquela multidão de deserdados sofredores. A ausência de novas encarnações, supostamente conseguida com a iluminação e o alcance do estado de Nirvana, livrando-nos para sempre das atribulações e sofrimentos de uma nova existência, pode ser vista, sob esta nova ótica, também como um ato de egoísmo e de covardia.
        Retornando ao pensamento de Kant, podemos constatar, segundo ele, que a ‘Iluminação é um homem liberto da auto-incorrida tutela; isto é, da incapacidade de usar o seu próprio entendimento sem ser guiado por outro’. Tal tutela, conforme o autor, é auto-atraída se a causa não é carente de inteligência, mas, antes uma carência de determinação e coragem por usar a inteligência sem ser guiado por outro.
        Kant afirmava que, embora um homem devesse obedecer seus deveres civis, ele deveria fazer um uso público da razão. Sua proposição para a iluminação era: ‘Sapere aude!’ ou ‘Ouse Saber!’
Indo mais além, penso que a verdadeira Iluminação consiste naquele estado que ocorre na mente do indivíduo quando ele chega a compreender  a verdadeira face da sociedade em que vive, com suas implicações políticas, econômicas, militares e psicossociais. Esta compreensão não significa que ele deixará, a partir de então, de sofrer ou de continuar sendo infeliz. Ao contrário, com o conhecimento alcançado por esta Iluminação, amplia-se a sua capacidade de entendimento e de percepção das injustiças que acometem a todos nós em nossas existências sociais, tornando o ser humano iluminado, de certa maneira, mais infeliz e sofredor. Muitos, no entanto, preferem sofrer possuindo esta visão, a disfrutarem da paz e da tranquilidade dos ignorantes. Ao se tornarem ‘iluminados’, muitos se revoltam contra tudo aquilo de errado que passaram a perceber e iniciam uma luta pessoal para transformar o mundo e o destino de seus semelhantes, fazendo, por vezes, girar a ‘roda gigante da História’, que poderá promover transformações sociais que venham a beneficiar toda a raça humana.
Quantos seres humanos, em razão de suas atividades diárias e condições sociais inferiores, não possuem tempo para estudar, pesquisar ou dispor de um mestre que se disponha a iluminar-lhes os corações e as mentes? Quantos vivem na maior ignorância, ainda pensando que os governantes foram indicados pelos deuses para governá-los, conforme era apregoado no passado, no tempo dos reis e dos imperadores? Quantos desconhecem a existência de pactos, negociatas, acordos, confabulações, etc., visando a interesses egoístas de famílias e de grupos, feitos sorrateira e secretamente, por empresários, religiosos, políticos, governantes de Estados nacionais e de blocos de países, de organizações e entidades secretas, etc.? Quantos acreditam em tudo aquilo que ouvem e lêem, seja em termos de política, de religião e de economia? Quantos acreditam que as guerras possuem motivos outros que não os da manutenção e do aumento da riqueza e do poder de famílias e de grupos? Quantos desconhecem o que seja, para que serve e como se pratica a contra-informação? Quantos seres humanos neste planeta têm suas vidas, vinte e quatro horas por dia, girando apenas em torno de assuntos como futilidades, futebol, religião, novelas e outros divertimentos? Quantos outros ocupam todo o seu tempo em procurar comida e abrigo? 
        Assim, creio que iluminar-se é conhecer, cada vez mais, tudo sobre tudo. Reconheço que no mundo atual, de enormes desigualdades, apenas muito poucos poderão atingir a esta iluminação que menciono e, também, que ela pode ser buscada e alcançada, para produzir o bem e também para fabricar o mal.
         A iluminação para o bem, antes de ser obtida, dependerá do desejo do indivíduo em alcançá-la. Como no caso da libertação dos vícios, é necessário que o interessado esteja motivado a obtê-la.
Esta iluminação, por outro lado, ao tornar o indivíduo mais consciente, reduzirá, em muito, o seu sofrimento. Explico-me melhor: grande parte das vicissitudes que nos ocorrem, fazendo-nos sofrer e tornando-nos infelizes, ocorrem porque o permitimos, por ignorância nossa. Muito daquilo que padecemos enquanto consumidores, eleitores, fiéis, correntistas, passageiros, alunos, leitores, investidores, etc., ocorre por ignorância da nossa parte, ignorância esta que nos levou a fazer escolhas erradas. Caso nossas escolhas fossem diferentes – em razão de possuirmos maior conhecimento sobre as coisas; isto é, sermos iluminados – nosso padecimento e nossas vicissitudes poderiam ser menores ou, até mesmo, inexistentes. Se, como consumidores, por exemplo, compramos um produto com o prazo vencido ou mais caro,  foi por escolha nossa. Se investimos mal nossos recursos e perdemos dinheiro, foi por escolha nossa. Se votamos em um candidato que nada faz e apenas desvia recursos públicos para seus bolsos e para o seu partido político, a escolha errada foi nossa. Se acreditamos em coisas falsas e mentirosas que nos dizem, foi por escolha nossa. Se lemos livros e publicações que buscam fornecer contra-informação sobre qualquer tema, foi por nossa escolha; ou seja, pela nossa ignorância, sobre as coisas e os fatos, tomamos, frequentemente, decisões erradas. O conhecimento é a única maneira de evitarmos as decisões erradas e, com elas, os sofrimentos.
Embora seja difícil ao ser humano, individualmente, mudar o mundo, ele pode, contudo, mudar a si mesmo através da iluminação. O fato de não desejar mais encarnar - pedra de toque dos adeptos de muitas religiões  - a mim se afigura como algo medíocre e egoísta. Porque não mais fazê-lo, se esta possibilidade realmente existir?
         Caso o Criador houvesse, ele mesmo, excluído esta possibilidade aos espíritos e se pronunciado a todos os seres humanos em todas as épocas, de modo a que não houvesse dúvidas sobre este tema, eu entenderia isto como um motivo de força maior. Entretanto, o próprio espirito humano desejar esta possibilidade, e fazer disto sua meta, é que me parece o máximo do egoísmo. Por que o espírito não voltar de novo para outra existência, sofrendo aquilo que for possível, para ajudar nossos demais irmãos necessitados? Porque não trazer, novamente, uma palavra de carinho, incentivo e amor, aqueles que dela necessitam para trilhar seu caminho nesta nova existência? Só o egoísmo me parece justificar este desejo de que não haja encarnações sucessivas e, caso haja, em atingir logo o Nirvana para não necessitar mais encarnar.
        Espero que existam múltiplas encarnações para evoluirmos espiritualmente em cada uma delas, que possamos alcançar a iluminação em todas elas - para fazer escolhas acertadas - e que o nosso verdadeiro Nirvana seja a alegria de podermos ajudar sempre aos nossos semelhantes.

_*/ Economista, M.S. e doutor pela universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado no Jornal A Palavra nº 156. Rio de Janeiro, RJ

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