segunda-feira, 16 de maio de 2016

8. O Efeito Cascata da Corrupção**


Jober Rocha*


         A corrupção, endêmica em nosso país, é criticada e combatida por muitos brasileiros em razão dos efeitos mais visíveis que produz.  Dentre estes, destaca-se a elevação dos custos, de uma maneira geral, já que o sobre preço de bens, serviços ou obras adquiridos pelo Estado ou por Empresas Públicas, mediante a realização de concorrências fraudulentas, incorpora-se ao custo final destes itens, fazendo com que ao pagar mais caro o poder de realização do Estado torne-se reduzido e, com isto, menores parcelas da população sejam beneficiadas pelos serviços prestados pelos governos em seus três níveis. Por outro lado, a corrupção dos agentes do Estado, em suas várias formas (inclusive as concorrências fraudadas), acaba por acarretar a desmotivação de empresas sérias e honestas, quanto à adoção de novas técnicas produtivas que aumentem a produção e a produtividade; bem como, o emprego de novos procedimentos de gestão que aumentem a eficiência, posto que, em uma conjuntura como esta, o único requisito importante para ser cliente ou fornecedor do Estado e de Empresas Públicas é o de concordar com o pagamento de propinas.
       Países do Primeiro Mundo combatem duramente a corrupção, principalmente, por esta última razão. A corrupção contraria o princípio da Livre Concorrência, em que a eficiência é uma das molas a impulsionar o progresso das economias. Quando a propina passa a ser o agente motivador das aquisições do Estado, a eficiência das empresas e a qualidade de seus produtos e serviços não são itens exigidos; já que, a única variável importante passa a ser o montante da propina paga aos agentes do Estado. Veja-se, por exemplo, a qualidade das habitações populares de alguns programas governamentais de construção de moradias: meses depois de entregues começam a se desfazer, conforme notícias divulgadas pela imprensa. Da mesma forma, algumas estradas construídas que, poucos meses depois, já estão completamente esburacadas. Ainda mais, no que diz respeito às grandes obras, estas, quase sempre, sofrem reajustes constantes, fazendo com que os seus valores iniciais sejam multiplicados por várias vezes.
        Muitos países do primeiro mundo possuem empresas eficientes, modernas, que fazem uso da mais avançada tecnologia, mas que já não participam de concorrências em países menos desenvolvidos, como o Brasil, por estarem impedidas, pelas leis de seus países, destas práticas de pagamento de propinas; bem como, da conseqüente necessidade da formação de um ‘caixa dois’ para arcar com tais despesas extras, que, por serem ilegais, não podem entrar na contabilidade das empresas. Como alternativa a formação de um ‘caixa dois’, algumas empresas tentam acobertar eventuais pagamentos de propina, mediante o eufemismo de ‘consultoria’, paga a escritórios de projetos. Com isto, incorporam os valores pagos à Contabilidade da firma e, conseqüentemente, aos seus custos de produção e ao preço final daquilo que as empresas produzem. Todavia, quando apanhadas pela Justiça, estas ficam sem poder comprovar a realização daqueles serviços inexistentes. 
Estes recursos escusos apropriados pelos agentes do estado em benefício próprio (pagos pelas empresas e, para estas, ressarcidos pelo erário público via aditivos contratuais), saem dos impostos arrecadados dos cidadãos que, cada vez mais, são tributados em maior escala e com maior sanha arrecadadora, pois o apetite dos governos por dinheiro é voraz é insaciável.
       Se os casos flagrantes de corrupção, descobertos, são incapazes de conduzir e manter seus protagonistas no cárcere (posto que estes, mesmo sendo condenados, pouco tempo depois, já esquecidos pela mídia, são discretamente libertados), o que dirá dos milhares de casos que não são descobertos, nem imaginados e que, portanto, jamais serão denunciados. É como se muitos agentes públicos possuíssem ‘Cartas de Corso’, que os autorizassem a saquear o Estado, desde que dessem parte do saque para alguns partidos políticos a que estivessem vinculados, que, por sua vez, os repassariam a alguns membros dos três poderes da república.
         Uma característica menos visível da corrupção, entretanto, que geralmente passa despercebida, é o seu Efeito Demonstração (ou Efeito Cascata, em razão dos seus desdobramentos); isto é, aquelas atividades isoladas que, pela potência da sua atuação, são capazes de generalizar todo o conceito. Assim, os efeitos da corrupção, em razão da divulgação dada pela mídia aos casos descobertos, se desdobram em todos os níveis da sociedade.
        Quantos agentes públicos em todos os níveis hierárquicos, ainda não contaminados pelo vírus da corrupção, tomando ciência das penas leves ou das absolvições daqueles apanhados em eventuais operações policiais, não se sentirão incentivados a seguir os mesmos caminhos? Quantos daqueles, fracos de caráter e com desvios de conduta, intimamente, pensarão: - “Se todos fazem e não acontece nada a ninguém, eu serei um otário se não fizer também”! Quantos, por não aceitarem participar dos esquemas de fraude, são marginalizados ou perseguidos em seus locais de trabalho?
        Assim, a tolerância da sociedade com aqueles que fazem da corrupção seu meio de vida, acaba por contaminar toda a estrutura do serviço público do país.
       O próprio crime comum, de furto, roubo, assalto, etc., certamente, através deste mesmo ‘Efeito Demonstração’, tenderá a apresentar um aumento em seus índices e explico a razão desta afirmação: vendo os grandes escândalos de corrupção e de desvio de verbas públicas se sucedendo, sem nenhuma penalidade aos seus principais personagens, os criminosos comuns sentir-se-ão menos culpados pelos atos que praticaram e praticam, pois a escala em que atuam é de ordem microeconômica, enquanto aquela escala dos agentes do Estado envolvidos é de ordem macroeconômica. Quem rouba cem reais do próximo, sentir-se-á totalmente inocente, perante alguém que rouba cem milhões e não vai preso. Creio que, até mesmo, poderá pensar que agiu em legítima defesa da fome.
      Qualquer empregado doméstico ao ver seus patrões, servidores públicos de nível elevado em algum dos três poderes da república, desfrutando de um nível de renda alto, poderá pensar que aquele nível é decorrente do envolvimento dos mesmos em algum tipo de corrupção (das muitas divulgadas pela mídia freqüentemente, relacionadas a servidores do Estado) e, pensando no velho ditado de que ‘ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão’, passar, a partir de então, a surrupiar bens e valores da casa dos patrões com a consciência absolutamente tranqüila. Muitos, observando a total impunidade com que se rouba em grande escala, podem perder o medo da lei e fazer do roubo em pequena escala a sua verdadeira profissão.
       O empresário que paga impostos, seja grande, médio, pequeno ou micro, ao ver a ‘farra do boi’ que é promovida com os escorchantes impostos que é obrigado a pagar tão somente para que agentes do Estado possam embutir sobre-preços aos contratos de bens, serviços e obras que firmam para a administração pública e receberem de volta, para seus próprios bolsos, estes valores, fica revoltado e começa a sonegar impostos ou a reduzir a qualidade (ou a quantidade) dos seus produtos, mantendo os mesmos preços que praticava, de modo a aumentar seu lucro.
      O povo, de um modo geral, ao ver o custo de vida tão elevado (já que quase cinqüenta por cento do preço dos produtos que adquire se refere a impostos que o Estado arrecada), reduz seu consumo, prejudicando os setores da indústria, do comércio e dos serviços.
      Por outro lado, a descrença nas leis e nas autoridades constituídas exerce um efeito danoso na Moral, na Ética e na vontade política da sociedade. Muitos, ao constatarem a sua impotência para reverter um determinado quadro social que percebem danoso para o Brasil e para o povo, pensam em mudar-se do país ou, até mesmo, caem em um estado de Niilismo em que perdem a vontade de viver e de progredir. Outros, como os agentes da lei e da ordem, muitas vezes, ao não conseguirem derrotar os inimigos que combatem, acabam, eventualmente, por unirem-se a eles. Outros, ainda, desacreditados dos valores humanos, alienam-se ou tornam-se fanáticos religiosos, achando que só contribuindo financeiramente para alguma seita (ou após a morte física), conseguirão melhorar de vida. Outros, por sua vez, não vendo solução imediata para os seus eternos problemas financeiros, partem para a senda do crime confiantes, acreditando que, espelhando-se em seus dignitários, um dia conseguirão, também, chegar aos altos postos da República.
      Vê-se, portanto, que os malefícios da corrupção (não só no nosso, mas em qualquer país) são muito maiores do que aqueles que, a primeira vista, podemos imaginar; razão pela qual, esta deve ser tenazmente combatida pelo cidadão de bem. Isto é o que vem sendo feito por alguns juízes de primeira instância, promotores públicos, delegados e agentes de polícia. Esperemos que estes exemplos frutifiquem e que seja formada uma corrente nacional de combate a corrupção estatal, para o bem das novas gerações e do futuro do nosso país.

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado em Leitura Recomendada de 26.08.2015. www.reservaer.com.br




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