terça-feira, 31 de maio de 2016

25. A Consciência de ser um Servidor Público

Jober Rocha*


Em nosso país, tradicionalmente, aquelas famílias que podem (e mesmo aquelas que não podem), buscam encaminhar seus filhos e demais familiares para empregos públicos, ao contrário de outros países do Primeiro Mundo, notadamente aqueles de língua inglesa (como os USA e Canadá, por exemplo), onde as famílias que podem (e mesmo aquelas que não podem) buscam a iniciativa privada como forma de sustento e de ascensão social de seus integrantes.
Razões econômicas que poderiam justificar tais procedimentos tornam-se fracos argumentos justificativos, na medida em que somos a oitava ou a sétima economia mundial e, embora a produtividade da nossa mão de obra seja, ainda, baixa, possuímos uma importante economia no cenário mundial. O argumento de que o Estado seria o grande empregador de mão de obra, em uma economia pouco desenvolvida, portanto, cai por terra, perante o fato de que a nossa está entre as dez maiores economias do mundo.
     As razões sócio-culturais que poderiam explicar estas distintas preferências, entre os países mencionados, são diversas e podem ser atribuídas, grosso modo, às nossas colonizações diferentes; como também, ao fato de os povos que colonizaram aqueles dois países, serem distintos daquele que nos colonizou, não sendo o nosso propósito analisar em profundidade tais razões no presente texto.
     O fato de, inicialmente, a corte do rei de Portugal e, posteriormente, a corte do imperador do Brasil, ser a grande mantenedora das famílias dos nobres em nosso país (e, conseqüentemente, das famílias dos escravos), até o advento da república, pode ser, talvez, uma explicação para esta contínua busca pelo emprego público, da forma como aqui é exercida. Enquanto nós, após a nossa independência de Portugal (1822), continuamos com uma corte dependente do imperador durante todo o período em que durou o império (67 anos); nos Estados unidos e no Canadá, com a independência (USA/1783; Canadá/1867), veio imediatamente a república (USA/1787) e o papel da iniciativa privada logo se fez sentir em importância.
      Pode-se afirmar, sem medo de errar, que em nosso país o primeiro objetivo daqueles que buscam um emprego público, normalmente, é o de conseguir estabilidade laboral e uma fonte de renda certa e relativamente segura, mesmo que em nível inferior ao nível praticado na iniciativa privada. O segundo objetivo, quase sempre, é o de obter um emprego onde o volume de trabalho não seja muito grande e a legislação trabalhista seja respeitada com todos os seus direitos e vantagens (isto vale para os celetistas e para os estatutários, já que o Estado não contrata pessoal sem concurso ou, então, quando pela CLT, sem carteira assinada; o que costuma ocorrer em empresas privadas, notadamente as pequenas e micros, que são as grandes empregadoras em nosso país). 
      Embora no setor público os salários dos escalões inferiores sejam relativamente baixos e os dos escalões superiores relativamente altos, comparativamente aos da iniciativa privada, o volume de trabalho normalmente é inferior e as regalias costumam ser maiores (comparativamente, para funções equivalentes, em ambos os setores), principalmente no que se refere a flexibilização do horário de trabalho e ao abono de atrasos e de faltas. 
     A ausência de um patrão no setor público (dono do negócio, que sofre no bolso as faltas e os atrasos dos seus empregados e que jamais poderá ser substituído), cujo lugar é ocupado por um chefe (que não terá seus vencimentos reduzidos em razão de faltas ou atrasos dos servidores), induz, certamente, a diferença de regalias mencionada anteriormente.
     Por outro lado, uma característica psicológica que faz com que muitos busquem um emprego público é a reduzida ambição e a pouca vontade de crescer profissionalmente, com tudo aquilo que isto representa em termos de melhoria no padrão de vida. Muitas pessoas contentam-se com uma vida modesta, desde que contando com segurança do emprego e da renda.
     Aqueles verdadeiramente ambiciosos, que buscam ver atendidas as suas elevadas ambições através de empregos públicos, mas cedo ou mais tarde poderão entrar pelas veredas dos descaminhos, das concussões, das malversações; já que estas, quase sempre, são as únicas maneiras do empregado do setor público vencer as barreiras salariais, pois o mérito e a produtividade raramente são reconhecidos e agraciados com correspondentes aumentos salariais.
     Na empresa privada, no entanto, através do treinamento, da capacitação, do interesse pelo trabalho e do aumento da produtividade, os ambiciosos por níveis mais elevados de renda poderão ter suas pretensões atendidas pelos patrões (interessados no aumento dos lucros, gerado por aquele empregado ambicioso), sem que seja necessário ao trabalhador recorrer a alguma irregularidade ou violação das leis; posto que, como já dito, tais empresas, costumam valorizar o desempenho e a produtividade de seus empregados.
     O que diferencia o servidor público, em nosso país, daqueles servidores públicos dos dois países anteriormente mencionados, salvo raras e honrosas exceções, é que naqueles países o serviço público é buscado não pelas razões com que aqui tais serviços são procurados; posto que, neles existe a consciência do que é ser um servidor, isto é, os servidores públicos sabem que são pagos pelos contribuintes para servi-los. Aqui, qualquer simples empregado público julga-se uma autoridade a que os contribuintes devem se submeter e acatar (quem sabe em sua memória genética, exista, ainda, a noção de que pertence à corte imperial?), mesmo quando exorbitam de suas funções ou, até mesmo, quando deixam de executar suas atribuições.
      Aqueles que duvidam desta assertiva observem como em nosso país se relacionam com o público, em geral, aqueles servidores públicos que exercem algum tipo de fiscalização e aqueles que exercem algum tipo de atividade que lhes dá poder de decidir sobre qualquer coisa, seja lá o que for. 
    A impressão que se tem é justamente a contrária daquela que deveria ser; isto é, ao invés do servidor atender ao interlocutor de maneira afável e educada, tentando ajudá-lo a resolver o seu problema, o que se vê, muitas vezes, é que o servidor vê no interlocutor um inimigo, do qual precisa se descartar imediatamente. Alguns pensarão: - mas isto é devido à sobrecarga de trabalho e aos baixos salários! Ora, quando ele buscou o serviço público, como alternativa de emprego, já sabia dos baixos salários que receberia. 
    Relativamente à sobrecarga de trabalho, também não procede (a não ser quando se trata de servidores públicos da Saúde e da Educação, que trabalham em nossos hospitais superlotados e em nossas escolas sobrecarregadas de alunos), pois a maior parte das repartições, com pouco trabalho a fazer, está repleta de servidores ali colocados para atender aos interesses políticos, às sinecuras e ao nepotismo (as diretorias, as superintendências, as coordenadorias, as gerências, as chefias de departamentos, as subchefias, os adjuntos, etc. se multiplicam ao infinito, chegando ao cúmulo de um chefe chegar a ser chefe de si mesmo, como único funcionário daquela chefia). 
      O normal, quando se visita qualquer repartição pública, é observar excesso de pessoal totalmente ocioso. Compare-se o número de ministérios brasileiros (25 ministérios e 14 secretarias com status de ministério, totalizando 39) com os da Alemanha (15 ministérios), com o dos USA (15 ministérios), com o da China (24 ministérios) e com o da Argentina (15 ministérios).
      Os países desenvolvidos tratam seus cidadãos como clientes do serviço público, em um modelo de administração mais direto, participativo, concentrado e com menor interferência política. Nosso país trata os cidadãos como dependentes indesejáveis do serviço público; como pessoas que recorrem ao Estado para atrapalhar o descanso ou perturbar as atividades particulares dos seus servidores, em sua maioria ali colocados por apadrinhamento político, quando não concursados.
          Carecemos, portanto, de maior conscientização com respeito ao que é ser um servidor público.
      No Poder Legislativo (que costuma fugir, inúmeras vezes, à regra dos baixos salários de servidores públicos), os representantes dos eleitores, após serem instalados em seus gabinetes, ganham vida própria e tratam, quase que exclusivamente, de seus próprios interesses particulares ou dos interesses do partido a que pertencem, em suas coligações com o partido no governo. Eles deixam, assim, de se considerar servidores do público que os elegeu (eleitores) e passam a ser servidores de si mesmos e dos governantes do momento (quase sempre em troco de favores e de dinheiro, conforme os vários escândalos que freqüentemente ocorrem noticiados diariamente pela imprensa). 
     Muitos vereadores, deputados e senadores, jamais apresentaram um único projeto de sua autoria, durante todo o mandato.
     No Poder Judiciário (que, também, para os cargos mais elevados, quase sempre, foge as regras de baixos salários dos servidores), o que se vê é um excesso de direitos e vantagens, relativamente aos demais trabalhadores do setor público e privado. O excesso de prazo para que seja feita justiça nos processos e o acumulo destes nas varas públicas, denota, no mínimo, a baixa produtividade e eficiência da justiça. Alguém já disse que os três poderes da República, se fossem três empresas privadas, pelo muito que custam e pelo pouco que produzem, já teriam fechado as portas há muito tempo.
      Um levantamento realizado pela Escola de Direito da FGV de São Paulo, abrangendo o período de abril de 2013 a março de 2014, entrevistou 7.176 pessoas de diferentes Estados, entre eles: Amazonas, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. A população alvo da pesquisa foi composta por habitantes com 18 anos ou mais. Tratava-se de um levantamento estatístico trimestral, de natureza qualitativa, realizado nas regiões metropolitanas e no interior de sete Estados do país e do Distrito Federal, com base em amostra representativa da população. O objetivo era o de retratar, sistematicamente, a confiança da população no Poder Judiciário.
      Em um total de onze instituições pesquisadas, a confiança dos entrevistados no Poder Judiciário ficou em sétimo lugar. Os Partidos Políticos ficaram em último, o Poder Legislativo ficou em penúltimo e o Poder Executivo em anti-penúltimo.
     Vê-se, portanto, que das onze instituições pesquisadas, justamente aquelas de natureza pública foram as duas últimas (Legislativo e Executivo) nas quais a população confiava. A confiança popular na terceira instituição pública (Judiciário) também ficou próxima destas duas instituições anteriores, quase no final da lista. Alguma coisa está muito errada no Brasil (a oitava economia mundial), relativamente aos demais países. Falta muito mais para o nosso país romper as barreiras do subdesenvolvimento cultural e ético, do que simplesmente vencer as barreiras do subdesenvolvimento econômico.
     Creio que se não surgir, urgentemente, um movimento por mudanças psicossociais de vulto, partido das camadas mais esclarecidas da nossa população, notadamente aquelas que já não suportam mais conviver com a burocracia, com a corrupção e com a baixa produtividade dos três Poderes da República, nosso país continuará eternamente sendo o país do futuro e jamais dará o salto que historicamente esperamos para o tão almejado Primeiro Mundo. Falta-nos, infelizmente, a consciência do que é ser um servidor público, ademais de outros aspectos psicossociais encontrados, comumente, nos países do Primeiro Mundo e dos quais falaremos em outra ocasião.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

24. Se não há justiça, o que são os reinos senão um bando de ladrões? (Santo Agostinho) 

Jober Rocha*


       Tenho um amigo que durante vinte anos trabalhou como analista de crédito em uma entidade financeira, pródiga no descumprimento da legislação trabalhista. No seu caso particular, por inúmeras vezes, fora rebaixado de função e de salário ao não aceitar ordens, que considerava ilegais e imorais, partidas dos chefes imediatos.
        Assim, ao longo de quase vinte anos, em razão das injustiças que sofrera, foi coletando provas sobre as ilegalidades trabalhistas promovidas pela empresa, pensando em ingressar na Justiça do Trabalho com ação indenizatória sobre aquelas violações da lei, tão logo se aposentasse e estivesse livre de prováveis represálias da parte dos administradores da instituição financeira, que já demitira alguns empregados por haverem recorrido à Justiça enquanto ainda trabalhando.
       Aposentado, no ano de 1995, contratou um excelente advogado trabalhista, ao qual passou vários dias relatando seu caso e apresentando as provas de que dispunha para confirmar tudo aquilo que pretendia alegar perante a Justiça do Trabalho.
    Redigida a petição inicial, por várias vezes foi chamado à Vara Trabalhista para prestar esclarecimentos adicionais. Dois anos depois, saiu sentença de primeira instância sobre o seu caso. Dava-lhe ganho de causa em algumas pequenas demandas; porém, afirmava que sua demanda mais importante já se encontrava prescrita, ainda que a própria empresa não houvesse alegado prescrição. Seu competente advogado requereu ao Tribunal Regional do Trabalho - TRT em segunda instância e, anos depois, a causa foi acolhida em sua integra pela totalidade dos desembargadores que compunham a Turma encarregada de julgar o caso.
     A instituição financeira, por sua vez, recorreu desta decisão do TRT ao Tribunal Superior do Trabalho - TST, em Brasília, onde o caso ficou em analise até o final do ano de 2004, data em que saiu, finalmente, aprovada pelo plenário daquela corte por proposta do Ministro Relator, a sentença que deu ao autor provimento em todas as suas demandas. Os valores a receber deveriam ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros.
      Desconhecedor dos tramites da nossa justiça, ele já se imaginou recebendo tudo aquilo que lhe era devido. Pensava no que faria com todo aquele dinheiro que, de certa forma, constituía uma poupança compulsória a que havia sido submetido, por razões independentes da sua vontade.
     O processo, tendo transitado em julgado, finalmente, retornou à primeira instância no inicio do ano de 2005, para que fosse executada a cobrança dos valores devidos pelo réu.
     Em meados de 2015 (vinte anos depois da petição judicial inicial e dez anos depois da sentença haver transitado em julgado) os procedimentos de cobrança ainda não haviam sido concluídos e ele nada recebera.
    Desde o inicio da ação, em 1995, ate meados de 2014, foram computados 408 movimentos judiciais no processo. Estes movimentos incluem audiências marcadas e desmarcadas, remessas de expedientes diversos, retirada e devolução dos autos, expedição de ofícios pelos Correios, petições diversas, embargos rejeitados, embargos acolhidos, notificações por diário oficial, nomeação de peritos, remessa dos autos para contadoria, recebimento dos autos da contadoria, embargos de declaração, etc. etc. etc. Neste meio tempo, enquanto nosso herói aguardava o desfecho do seu caso, alguns acontecimentos de caráter mundial vieram transformar a vida no planeta, como, por exemplo, os seguintes:

Foi Lançado o Windows 95; foi leiloada a Vale do Rio Doce (1995);
Foi clonada a ovelha Dolly; morreu P. C. Farias (1996);
Foi realizada a Copa do Mundo de Futebol, na França; o presidente Bill Clinton tem um caso com a estagiária Monica Lewinsky (1998);
Foi criada a moeda Euro, que passaria a circular em 11 países (1999);
Ocorreu o ‘Bug do Milênio’ (2000);
Entrou em circulação na Europa a nova moeda Euro (2002);
O Iraque foi invadido pelos EUA (2003);
Foi criado o Orkut (2004);
Faleceu o papa João Paulo II (2005);
O conjunto Rolling Stones veio ao Brasil (2006);
O papa Bento XVI veio ao Brasil (2007);
Pequim sediou os Jogos Olímpicos (2008);
O Cantor Michael Jackson faleceu (2009);
O conjunto Guns N’ Roses veio ao Brasil (2010); Terremoto no Haiti de 7,7 Graus destruiu a capital;
Faleceu a atriz Elizabeth Taylor (2011);
O mundo tremeu ante as previsões catastróficas feitas pelos Maias (2012).

     Além dos acontecimentos anteriormente citados, a Terra girou em torno do Sol 18,75 vezes, enquanto a Lua girou 244,43 vezes ao redor do nosso planeta. Estas estatísticas são meramente informativas e objetivam fazer com que o leitor tenha uma pálida ideia da morosidade da justiça em nosso país. Enquanto um processo aguarda uma simples perícia, a Terra gira uma vez ao redor do Sol.        Não me atrevo a citar o número de nascimentos e de óbitos ocorridos mundialmente, neste lapso de tempo, para não aterrorizar aqueles que me leem.
       As razões pelas quais nossa justiça é uma das mais morosas do planeta são várias e já conhecidas de todos aqueles que militam na área do Direito. Caso algum dos leitores não esteja a par de quais sejam, nomearemos aqui as principais: falta de vontade política de contratar mais magistrados e serventuários; pouca utilização da informática nos processos; leis atrasadas e retrógradas, que dão margem a incontáveis subterfúgios jurídicos, embargos e recursos de toda natureza; acumulo de varas judiciais por juízes; ajuizamento de ações absurdas, que tomam o tempo dos magistrados; elevadas custas judiciais, com taxas e tributos que encarecem as ações; excesso de petições nos processos; greves constantes no judiciário, recessos; prazos excessivos para ciência de documentos pelas partes; incompetência advocatícia, etc. etc. etc. 
      Alguns advogados já questionaram, judicialmente, a morosidade da justiça; entretanto, talvez por corporativismo, os juízes não aceitam à responsabilidade civil do Estado, a não ser que se prove que o magistrado tenha sido negligente na apuração do processo, provocando retardamento injustificado. Assim, segundo o entendimento dos juízes, o reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos judiciais, está subordinado à ocorrência de dolo ou fraude do julgador. 
    Segundo alguns juristas, entretanto, a prova estaria na própria demonstração da presença da morosidade, cuja razão pode ser dolosa ou culposa. Existiria, assim, um prazo considerado razoável para o exame e decisão sobre qualquer processo; prazo este que, ultrapassado, evidenciaria a existência de dolo ou de culpa naquele caso. Como qualquer outra prova material de dolo ou fraude, a exceção da morosidade, é quase impossível de ser obtida, fica o dito pelo não dito e a parte interessada é que espere - caso disponha de pouca idade e goze de boa saúde, que lhe permitam suportar estes vinte e poucos anos de prazo, necessários, muitas vezes, para que a justiça seja feita - se é que algum dia a justiça será feita; pois, conforme rezam os velhos ditados: “Justiça tardia é ausência de Justiça” ou “Se não há justiça, o que são os reinos senão um bando de ladrões?".

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

domingo, 29 de maio de 2016


23. Considerações sobre a Metafísica da Vida e da Morte


Jober Rocha*


Ainda sob o impacto do falecimento recente de um velho amigo e companheiro de infância, pensava eu, há pouco, sobre os mistérios que envolvem a existência dos seres humanos.
          A fronteira entre a vida e a morte me parece tão bem guardada que, até o presente, nenhum ser humano vivo conseguiu transpô-la, obter integralmente as respostas desejadas (que também estão bem guardadas) e voltar vivo para contá-las aos demais. As raras informações que nos chegam, a este respeito, são, supostamente, oriundas dos espíritos de seres já desencarnados ou de Experiências de Quase Morte – EQM (relatadas estas diretamente por quem já as experimentou ou por médicos que as ouviram de seus pacientes). 
      Estas informações, todavia, são fragmentarias e não permitem, à rigor, uma visão de conjunto sobre toda a problemática envolvendo a criação do Universo e sobre a Metafísica acerca dos mistérios da vida e da morte. A se acreditar nestes relatos e nestas interpretações mencionadas, muita coisa haveria ficado de fora, de modo a que permanecêssemos, ainda, na obscuridade. Isto poderia significar que aqueles espíritos do outro lado da fronteira entre a vida e a morte saberiam tanto quanto aqueles do lado de cá; isto é, nada ou muito pouco, ou então que estariam talvez impedidos de nos comunicar tudo àquilo que sabiam, para não estragar a experiência divina sobre o comportamento dos espíritos quando encarnados em seres humanos.
           Por outro lado tem sido comum, quando no leito de morte, muitos indivíduos se arrependerem daquilo que fizeram em vida e, também, daquilo que não fizeram. As maiores queixas, formuladas por aqueles seres humanos pouco antes da morte e relatadas por familiares ou por médicos que os assistiram naqueles momentos finais, são as seguintes:

- Lamento nunca haver corrido atrás dos meus sonhos e aspirações e haver feito, apenas, o que esperavam de mim e não aquilo que eu gostaria, realmente, de fazer;
- Sinto que deveria haver expressado o meu amor pelas pessoas com mais freqüência;
- Percebo que deveria ter engolido o orgulho e resolvido meus conflitos internos e externos, o que nunca fiz;
- Sempre dei prioridade ao meu trabalho e nunca tive tempo para me dedicar à família, como deveria;
- Poderia ter tido filhos e deixado descendentes, o que, infelizmente, não fiz;
- Eu deveria ter cultivado mais a amizade e passado mais tempo com os meus amigos;
- Eu deveria ter falado sempre aquilo que pensava, ao invés de guardar meus sentimentos e ressentimentos;
- Eu deveria ter economizado mais, para a minha velhice;
- Infelizmente, nunca tive a coragem de ser quem realmente sou;
- Gostaria de ter percebido, antes, que a felicidade é uma escolha, pois sempre passei por vítima das circunstâncias, aceitando a mediocridade facilmente e fingindo estar satisfeito; já que, sempre tive medo de explorar coisas novas.

      Ainda sobre este assunto, um texto apócrifo (originalmente em espanhol), porém de grande beleza, erroneamente atribuído ao grande poeta e escritor Gabriel Garcia Marques que o desmentiu ainda em vida, fala também sobre o sentimento de arrependimento que aflige a beira da morte aqueles que sabem que vão morrer. O texto, conhecido como La Marioneta, em espanhol, é o seguinte:

La marioneta

Se, por um instante, Deus se esquecesse de que sou uma marionete de trapo e me presenteasse com um pedaço de vida, possivelmente não diria tudo o que penso, mas, certamente, pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, pois sei que a cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz. Andaria quando os demais parassem, acordaria quando os outros dormem. Escutaria quando os outros falassem e gozaria um bom sorvete de chocolate.
Se Deus me presenteasse com um pedaço de vida, vestiria simplesmente, me jogaria de bruços no solo, deixando a descoberto não apenas meu corpo, como também a minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração, escreveria meu ódio sobre o gelo e esperaria que o sol saísse. Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre estrelas um poema de Mario Benedetti e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à Lua. Regaria as rosas com minhas lágrimas para sentir a dor dos espinhos e o encarnado beijo de suas pétalas.
Deus meu, se eu tivesse um pedaço de vida. Não deixaria passar um só dia sem dizer às gentes: – Eu te amo, eu te amo. Convenceria cada mulher e cada homem que são os meus favoritos e viveria enamorado do amor.
Aos homens, lhes provaria como estão enganados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saber que envelhecem quando deixam de se apaixonar. A uma criança, lhe daria asas, mas deixaria que aprendesse a voar sozinha.
Aos velhos ensinaria que a morte não chega com a velhice, mas com o esquecimento. Tantas coisas eu aprendi com vocês, os homens...
Aprendi que todo mundo quer viver no cimo da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a escarpa.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão pela primeira vez o dedo de seu pai, o tem prisioneiro para sempre. Aprendi que um homem só tem o direito de olhar outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas, finalmente, não poderão servir muito porque quando me olharem dentro desse caixão, infelizmente eu estarei morto.

     Como já dito anteriormente, as fronteiras que separam os territórios da vida e da morte estiveram sempre muito bem guardadas quanto à passagem de eventuais informantes, conduzindo, sorrateiramente, a denominada ETC - Explicação Total Completa. Tanto é assim, que para aqueles que estão do lado de lá (já desencarnados) não é permitido passar para o lado de cá, conduzindo esta informação total e completa. Da mesma forma, àqueles que estão do lado de cá (ainda encarnados) não é autorizada a passagem para o de lá e o retorno, trazendo, ainda que sub-repticiamente, esta mesma ETC. Talvez isto ocorra porque, em ambos os lados daquela fronteira, esta explicação total e completa ainda não esteja (nem nunca estará?) disponível para nós. Talvez a explicação total e completa que buscamos só exista (ou apenas faça sentido), para o próprio Criador da vida e do Universo.
            É possível que jamais venhamos a conhecer a verdade total por detrás da Criação; verdade esta, talvez, só acessível aos espíritos que tenham atingido o último degrau da evolução (se é que esta hipótese sobre evolução espiritual faz parte desta verdade que desconhecemos); já que, tudo aquilo que se disse, até hoje, sobre este assunto constitui mera especulação.
          Neste contexto, como cobrar de nós mesmos, seres humanos, que sigamos os supostos desígnios do Criador? Na realidade não conhecemos pessoalmente o nosso Criador, nem podemos confirmar com plena certeza (embora o bom senso e a boa razão, quase sempre, digam que sim) a sua existência. Não conhecemos (caso este Criador realmente exista) qual o objetivo que ELE tem para aquelas criaturas que criou, isto é, quais os seus desígnios; muito embora, o bom senso e a sã razão nos indiquem que deva ser o da evolução espiritual.
        Pode ser que em um futuro distante, com o transcorrer da evolução humana, venhamos a vislumbrar algum significado maior para a vida dos seres humanos comuns, que, simplesmente, alternam o seu dia a dia entre o trabalho, o divertimento e o descanso. Pode ser que, através de um eventual contato com outras civilizações, porventura existentes no Universo e possivelmente mais adiantadas tecnologicamente e mais evoluídas espiritualmente, aprendamos com elas o significado da existência.
           A descrença total em um Criador e na vida espiritual, por sua vez, afigura-me como algo pouco imaginativo, muito simplista e totalmente carente de intuição (uma característica metafísica dos seres humanos). O argumento de que não podemos provar a existência de um Criador e que, portanto, este Criador não existe, a meu ver é falho; notadamente, quando se considera o fato de que se ainda não sabemos provar, isto não significa que seja impossível provar e que não venhamos a fazê-lo algum dia. 
           Muitos afirmam, com toda a razão, que a vida é uma preparação para a morte; pois morremos a cada momento, aos poucos, desde o início do nosso nascimento. Por este ser um fato óbvio e fazer parte da natureza intrínseca dos Reinos Animal e Vegetal, não deveríamos temer a morte, da mesma forma que não tememos outros fenômenos que ocorrem na Natureza. Em razão da Ciência já haver conseguido explicar a maioria destes outros fenômenos, externos aos seres humanos, e por entendê-los, não mais os tememos nem os atribuímos aos Deuses, como era costume entre os antigos. Entretanto, com relação unicamente aos seres humanos, uma variável fundamental deve ser considerada quando se pensa sobre este assunto, consistindo esta nos aspectos filosóficos envolvidos nos fenômenos da vida e da morte. Como não conseguimos, ainda, provar nenhuma das teorias que tentam explicá-los, quer no âmbito da Filosofia, da Ciência ou da Religião, não entendemos as suas razões últimas e, com isto, sentimos medo do desconhecido. A Explicação Total e Completa - ETC, no entanto, pode ser tão simples que a sua própria simplicidade, até agora, tem nos impedido de visualizá-la e de entendê-la. Pode ser também que no passado esta informação já tenha estado disponível para os seres humanos, em alguma época e em algum lugar, e que, por razões supervenientes, tenha sido esquecida ou apagada de nossas memórias, pessoal e coletiva. 
        O fato de que muitos indivíduos, no leito de morte, arrependam-se da vida que levaram e demonstrem uma nova visão sobre aspectos vários da psique comportamental humana, pode estar indicando que, tendo alcançado a fronteira entre a vida e a morte, seus espíritos hajam percebido, de alguma forma, características comportamentais que seriam consideradas importantes do outro lado e que, no entanto, não foram por eles consideradas enquanto deste outro lado. 
          Explico-me melhor: todos nós seres humanos trazemos conosco ao nascer, potencialmente, todos os sentimentos (vícios e virtudes) necessários para sobreviver em um meio ambiente hostil, inóspito e conflituoso. Quais os sentimentos de que faremos uso, em uma ou outra situação, dependerá de fatores vários; mas o fato é que, potencialmente, os possuímos todos. Tanto é assim, que qualquer ser humano é capaz de entender o que significa cada um dos vícios (estes considerados como o oposto das virtudes) e cada uma das virtudes, bem como deles, eventualmente, fazer uso em situações extraordinárias; o que seria impossível se tais sentimentos não fizessem parte da sua estrutura psíquica.
         Estes sentimentos, como dito, objetivariam, exclusivamente, possibilitar a sobrevivência daquele indivíduo em um meio que, muitas vezes, se mostra hostil e que evolui dialeticamente (através da superação de conflitos); já que, a Natureza (ou o Criador) não produz nada que não tenha uma finalidade específica. Ocorre que, por desconhecermos os verdadeiros desígnios do Criador, somos levados a seguir nossos próprios desígnios ou aqueles que nos são indicados pelas religiões (fazendo uso, neste caso, do sentimento denominado Fé); posto que, tanto a Ciência quanto a Filosofia e a própria Religião ainda não possuem respostas comprováveis para tais desígnios.
       Supondo, agora, que tudo isto se tratasse de um Jogo dos Deuses (ou de uma Experiência Divina), que visasse determinar como o espírito encarnado se sairia frente às várias situações conflitantes, em busca unicamente de sua evolução espiritual (e que disto tivéssemos conhecimento prévio), as respostas dos seres humanos seriam, evidentemente, diferentes daquelas que teriam ao desconhecer esta hipótese e também seriam distintas de indivíduo para indivíduo.
        Aqueles que desconhecem esta possibilidade (de a existência humana estar sendo submetida à realização de um Jogo dos Deuses ou de uma Experiência Divina) ou que nela não acreditassem, com toda a certeza seriam levados a proceder, neste caso, como se a vida tratasse, única e exclusivamente, da sua própria sobrevivência. Isto, meus caros leitores, é aquilo que ocorre na realidade com a maioria de nós, seres humanos. 
       Nesta conjuntura, vale tudo para que sobrevivamos como seres humanos e como espécie. Aqueles outros que, eventualmente, possuíssem a consciência de que se tratava de um Jogo dos Deuses (ou de uma Experiência Divina para colocar a prova nossos espíritos que necessitariam evoluir), evidentemente, tenderiam a proceder de outra maneira; isto é, valorizariam outros valores que não aqueles que tradicionalmente seriam valorizados pelos que desconhecessem a experiência sendo realizada. Talvez seja isto o que ocorra com muitos religiosos e, talvez, seja por este motivo que aqueles indivíduos a beira da morte se arrependam de coisas que fizeram nesta existência. Seus espíritos, ao tomarem ciência de que tudo não passava de um jogo (ou de uma experiência na qual eles estavam sendo testados pelos deuses), fariam aflorar seus verdadeiros e mais puros valores; valores estes, muitas vezes, contrários àqueles necessários para a sobrevivência individual e coletiva em um meio hostil, inóspito e conflituoso. 
        Vê-se, portanto, uma contradição entre os comportamentos que seriam adotados e seguidos pelos seres humanos quando, eventualmente, confrontados com estas duas hipóteses. 
          Considerando a dureza e o rigor da sobrevivência humana em um ambiente hostil e conflituoso, bem como as vicissitudes pelas quais passam a maioria dos indivíduos, os comportamentos que estes adotariam, desconhecendo a possibilidade de estarem vivendo uma Experiência Divina (mesmo que possuíssem alguma religião na qual acreditassem), seriam, evidentemente, aqueles que lhes possibilitariam a sobrevivência, face às situações conflituosas mencionadas com que se defrontariam em todos os momentos. 
           Acreditando eles que as suas sobrevivências individuais e a necessária concorrência entre eles e os demais eram para valer, muitos se dedicariam a elas com todas as suas forças e aplicariam neste trabalho todos os seus sentimentos interiores (vícios e virtudes). 
         Por outro lado, se todos os seres humanos tivessem a consciência de que tudo aquilo não passava de um teste para a sua evolução espiritual, sem nenhuma conotação religiosa, com certeza, as suas decisões seriam totalmente diferentes. Esta consciência, no entanto, para que o jogo (ou a experiência) pudesse ter a sua finalidade alcançada, faltaria à grande maioria das pessoas. Muitas só a adquiririam às vésperas da morte, quando os seus espíritos ainda encarnados, tomassem consciência da sua verdadeira imortalidade e da Experiência Divina a que estavam sendo submetidos. 
         Muitos indivíduos vêem estes fenômenos através de uma conotação religiosa, dada a natural característica mística dos seres humanos, que os distorce completamente. Em minha concepção, eles nada têm de religioso, tratando-se, simplesmente, de fenômenos de ordem física com características metafísicas que, por serem desconhecidos, adquirem esta conotação religiosa mencionada. A Física, como sabemos, constitui uma ciência empírica que trata da explicação de certos fenômenos básicos e ubíquos no mundo natural; ou seja, no domínio das coisas que existem no espaço e no tempo. 
         A Metafísica, por sua vez, também se ocupa, embora não exclusivamente, da natureza das coisas que existem no espaço e no tempo; da natureza do espaço e do tempo em si e da natureza da causalidade; embora não seja uma ciência empírica que apele para dados experimentais observáveis, visando sustentar suas afirmações.    
          Dizem os historiadores que Alexandre ‘o Grande’, ao pressentir a morte próxima (que ocorreu por envenenamento), determinou que o esquife, com o seu corpo, fosse conduzido pelas mãos de seus médicos ao jazigo onde, finalmente, repousaria; que seus generais espalhassem ouro e pedras preciosas pelo caminho e que seu corpo, desnudo, tivesse o braço colocado para fora do caixão. Com tais gestos buscava ele demonstrar que, embora os médicos soubessem muito, não conseguiram evitar a sua morte; que embora vitorioso em muitas batalhas toda a riqueza que amealhara em vida não fora suficiente para evitar a sua morte e, finalmente, que chegara a este mundo nu e que, da mesma forma, nu o deixaria. 
      Resumindo aquilo dito anteriormente, a proximidade da morte produz diversas mudanças comportamentais em todos os seres humanos. Tais mudanças podem ser atribuídas à penetração do espírito (quando prestes a deixar o corpo) no território entre a vida e a morte. Nesta terra de ninguém, os espíritos, ainda mantidos presos ao corpo físico, se aperceberiam da experiência a que estavam sendo submetidos, tomariam ciência de alguns dos valores requeridos na esfera espiritual, como também de outros aspectos da existência etérea. Por esta razão, muitos deles se arrependeriam, ainda em vida, de seus comportamentos passados, ao entenderem que estavam sendo submetidos a um teste ou a uma experiência evolucionária, naquela encarnação prestes a terminar. 
      Corroborando esta hipótese levantada, estudiosos da Universidade de Bonn, na Alemanha, liderados pelo pesquisador Silas Beane, afirmam que certos aspectos de nosso mundo físico são sustentados por elementos que indicam que a nossa realidade pode não ser nada mais do que uma simulação computadorizada. Segundo tais pesquisadores, nossa existência poderia ser uma simulação dentro de outra simulação e, assim, sucessivamente. Em conformidade com os pesquisadores, viveríamos em um universo artificial e seríamos incapazes de nos apercebermos disto. A base que explicaria este fenômeno denomina-se Teoria de Campo Reticulado, no campo da Física Quântica, e contestaria a noção de tempo e de espaço ‘continuum’ adotada pela Física Moderna. 
     Como dissemos anteriormente, a Ciência e a Filosofia ainda não possuem explicações convincentes para a Metafísica envolvida nos fenômenos da vida e da morte. A Religião possui esta explicação, mas a mesma é baseada em uma suposta revelação divina e não em fatos reais comprovados e comprováveis. Todavia, em razão de inúmeros fatos observados (no que respeita a este assunto) não possuírem explicações científicas ou filosóficas, somos forçados a aceitar as explicações religiosas ou, então, a ignorá-las, bem como ignorar também os respectivos fatos mencionados.
         O dia da nossa partida, da forma como eu o vejo, deve ser considerado como um grande dia, onde o medo do desconhecido seja substituído pela certeza da imortalidade do espírito e da comunhão universal. Além disto, ele estará, da parte do Criador, com toda a certeza (mesmo que muitos pensem o contrário, em razão da dor vivida por amigos e familiares), pleno do amor que presidiu aquela experiência divina a que acabamos de nos submeter e que se encerrará naquele dia.

_*/ Economista, MS UFV/MG, Doutor pela Universidade Autônoma de Madrid.

22. As Taxas de Natalidade e de Mortalidade e suas eventuais conotações espirituais

Jober Rocha*

As chamadas Taxas de Natalidade variam entre as diversas regiões e países, conforme as épocas, sendo, tradicionalmente, mais baixas nos países desenvolvidos e mais elevadas nos países menos desenvolvidos. São calculadas pelos Demógrafos e Estatísticos e utilizadas por profissionais de várias áreas; além de consultadas por políticos, administradores, executivos, etc. 
        Definida pela equação matemática i = (n/p)1000, onde i é a taxa, n é o número anual de nascidos vivos e p é a média populacional anual, ela é considerada como o número de nascidos vivos anuais, por 1000 habitantes, do país, da unidade da federação ou do município em questão. O nascido vivo, em oposição ao nascido morto, é entendido como o resultado da expulsão ou da extração completa do produto da fecundação, que respire ou manifeste quaisquer outros sinais vitais. O aumento ou a diminuição destas taxas, por países, não são atribuídos, apenas, a uma eventual maior ou menor fertilidade dos homens e das mulheres, mas, também, a fatores outros, tais como: características sociais (pobreza, riqueza), culturais (maior ou menor grau de escolaridade, tradições locais e familiares, etc.), fisiológicas (doenças, malformações físicas, genética, etc.), tecnológicas (maior ou menor disponibilidade de meios contraceptivos) e religiosas (preceitos, recomendados aos seguidores, que tenderiam a inibir ou a estigmatizar as relações sexuais, como já destacava Santo Agostinho em sua obra ‘Confissões’: - “...e bom é ao homem não tocar em mulher; o que está sem mulher pensa nas coisas de Deus, de como o há de agradar; mas o que está ligado pelo matrimônio, pensa nas coisas do mundo e em como há de agradar a mulher”). 
       A Taxa de Mortalidade ou coeficiente de mortalidade, por sua vez, é um índice demográfico que reflete o número de mortes registradas, em média, por mil habitantes, em uma determinada região e em um período de tempo, geralmente, de um ano.
    No presente texto, entretanto, examinaremos algumas outras características das Taxas de Natalidade e de Mortalidade, eventualmente relacionadas com aspectos de natureza espiritual; aspectos estes que, até hoje, têm sido negligenciados e desconsiderados por aqueles profissionais que se dedicam ao estudo do assunto.
     Conforme bem destaca a doutrina espiritualista, a passagem dos espíritos pela vida encarnada é necessária para que estes possam se desincumbir dos propósitos evolutivos espirituais, comuns a todos eles. A reencarnação, por sua vez, concederia ao espírito a oportunidade de corrigir erros cometidos em existências anteriores, em razão, basicamente, da ignorância. Ainda, segundo esta doutrina, quem decidiria o momento da reencarnação, e onde esta se daria, seria o próprio espírito, mediante seu livre-arbítrio ou de uma compulsória e imperiosa necessidade.
     Segue daí que o fato de alguns espíritos decidirem encarnar em corpos com deficiências, com limitações físicas e mentais, em famílias com condições sócio-econômicas desfavoráveis, em famílias com situações de conflito, em países ou regiões subdesenvolvidas, etc., poderia ser explicado, a luz da doutrina, como uma prova espiritual a que o espírito se submete para consertar o resultado de más ações vividas em existências anteriores. Assim, se o espírito se resignar a estas suas novas limitações, aceitar e superar a atual condição em que encarnou, tenderia a evoluir espiritualmente.
      Pelas razões expostas anteriormente é que se procura explicar o fato de a maioria dos espíritos, encarnados em nosso planeta, viver em condições precárias, de ordem financeira, de saúde, de educação, de segurança e de habitação: ou seja, eles escolheram estas condições para evoluir espiritualmente, de maneira mais rápida do que aqueles que escolheram nascer nos países mais desenvolvidos (onde tudo funciona, a renda é mais elevada e são maiores as possibilidades de levar uma vida tranquila e feliz). Segundo as crenças, a maior parte dos espíritos encarnados possuiria débitos ou carmas de vidas anteriores que necessitaria ser resgatado através de sofrimentos e das condições precárias de suas existências atuais.
       A maior parte das religiões existentes no mundo adota, mais ou menos, as mesmas interpretações da doutrina espiritualista para a metafísica da vida e da morte. Sem nenhuma intenção de fazer humor, de usar de mordacidade ou de vir a ser sarcástico com as coisas da Ciência e da Religião, creio que alguns dos questionamentos formulados a seguir, poderiam ser submetidos à criteriosa analise de pensadores, religiosos e filósofos, interessados na matéria, em busca de respostas que satisfizessem aos interessados neste assunto e, segundo presumo, àqueles meus mais perspicazes leitores:
Seria possível que as taxas de natalidade entre os vários países (e, nestes, entre as suas diversas unidades federativas) fossem previamente determinadas pelos próprios espíritos quando ainda desencarnados? Sendo estes que decidiriam quando e onde iriam encarnar, segundo as doutrinas religiosas, com estas suas decisões, evidentemente, influenciariam as taxas de natalidade das várias regiões do nosso globo terrestre;
Qual seria a verdadeira razão para que maior número de espíritos esteja encarnando nos países menos desenvolvidos; já que, as taxas de natalidade destes países são as mais elevadas? Poderia se inferir deste fato que, nestes países, as oportunidades para a evolução dos espíritos seriam, realmente, maiores do que as oportunidades que se ofereceriam para os mesmos espíritos nos países mais desenvolvidos? A alta taxa de natalidade em um país subdesenvolvido poderia indicar preferências dos espíritos (e do Criador, evidentemente) por aquele terrível campo de provas espirituais, representado pelo país em questão? Em sendo isto verdade, os países e as regiões subdesenvolvidas poderiam, cada vez mais, ter as suas condições gerais pioradas, de tempos em tempos e com a aquiescência do próprio Criador, de modo a se tornarem campos de prova sempre mais difíceis, para testar a evolução espiritual daqueles seres mais necessitados desta evolução? 
Por que a grande maioria dos espíritos que escolheram encarnar em países mais pobres e menos desenvolvidos, pouco tempo depois de encarnada, deseja se mudar (mediante a emigração) com seus corpos físicos para os países mais ricos e mais desenvolvidos, onde as oportunidades são maiores e as condições de vida melhores e mais fáceis, ao invés de permanecer naqueles mesmos países em que originalmente encarnou em busca, segundo as teorias religiosas afirmam, da expiação de carmas anteriores pelo sofrimento e como meio de obter um maior desenvolvimento espiritual?
Por que nos países menos desenvolvidos as taxas de mortalidade também são maiores do que as mesmas taxas nos países mais desenvolvidos (da mesma forma como a vida média e a longevidade nos países mais desenvolvidos, são também maiores do que aquelas dos países menos desenvolvidos)? Será que os espíritos que resolveram encarnar nos países menos desenvolvidos (para terem maiores oportunidades de evoluir) e nestes países permaneceram, sem emigrar para outros mais desenvolvidos, se arrependem no meio da jornada daquela decisão que tomaram antes da encarnação e resolvem desencarnar mais cedo? Será que alguns poucos anos de sofrimento vivendo em países subdesenvolvidos já são suficientes para a evolução espiritual requerida, podendo, assim, o espírito desencarnar mais cedo. Será que estes poucos anos nas regiões mais pobres do planeta, chegam a equivaler (em termos desta evolução espiritual) a muitos anos de vida confortável em países desenvolvidos; posto que, sendo nestes países, a vida média e a longevidade, maiores, isto poderia indicar que os espíritos que neles houvessem encarnado necessitariam de mais tempo para obter igual evolução? 
      Como vêm os meus caros leitores, as questões envolvendo o mundo espiritual e as Taxas de Natalidade e de Mortalidade são muito mais complexas do que imaginam os Demógrafos, os Estatísticos e os profissionais das várias áreas que analisam e se utilizam daquelas taxas em seus estudos, como os Atuários, os Economistas e os Cientistas Sociais. A componente espiritual, tendo, eventualmente, o poder de interferir na formação destas taxas, seja para elevá-las seja para reduzi-las, deveria ser mais bem estudada e ter o seu estudo inserido, até mesmo, nas grades curriculares de nossas Universidades, notadamente nos cursos de Demografia, de Estatística e de Economia. Por outro lado, questões filosóficas importantes, que passam despercebidas dos fiéis quando adotam determinadas religiões deveriam ser alvo de análises mais detalhadas por parte dos pensadores religiosos, evitando, com isso, contradições doutrinárias que poderiam induzir alguns fiéis a descrença, por serem eles mais fiéis à Lógica do que à Religião...

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

sábado, 28 de maio de 2016

20. A Minha Opinião  Sobre o Suicídio

Jober Rocha*


       O recente suicídio, assistido, da norte-americana Brittany Maynard, de 29 anos, que provocou um grande debate nos Estados Unidos acerca do direito ao suicídio, motivou a disposição que tive de escrever este texto. Brittany possuía um câncer cerebral incurável e, tendo fixado residência no Oregon, Estado americano que permite o suicídio assistido, pôs fim a sua existência no sábado, primeiro de novembro de 2014. O Vaticano declarou, em quatro de novembro: -“o suicídio assistido da jovem foi um absurdo e não representa uma morte digna”. Na mensagem deixada por Brittany ela afirmou: “Hoje é o dia que escolhi para morrer com dignidade, dada minha enfermidade em fase terminal, este terrível câncer no cérebro que me encarcerou”.
O suicídio, conforme estatísticas divulgadas pela Organização Mundial da Saúde é a décima causa de mortes no mundo, ceifando, anualmente, cerca de um milhão de vidas. A Ásia (China, Japão e Índia) é responsável por quarenta por cento dos suicídios ocorridos no mundo.
A verdadeira questão filosófica do mundo moderno, conforme salientou Albert Camus em O ‘Mito de Sísifo’, consiste, portanto, no suicídio. Em seu livro, Camus aborda a questão: Valeria a pena viver uma existência absurda e, sendo essa existência absurda, o suicídio não seria uma resposta coerente?
Na obra de Camus, Sísifo era um homem que, tendo, ainda em vida, desrespeitado a morte e os deuses, foi condenado a passar o resto da eternidade executando um trabalho sem finalidade: sua sina consistia em erguer uma enorme pedra e carregá-la morro acima, para depois deixá-la cair morro abaixo e, em seguida, repetir tudo aquilo de novo. Sísifo executa esta tarefa com diligência, ao invés de preferir a morte, buscando a remissão de seu sentimento de culpa por ter questionado os deuses.
Tendo o homem, na atualidade, em decorrência da acirrada competição (por espaço, água, empregos, riqueza, saúde, alimentos, etc.), perdido a lealdade e o afeto dos seus semelhantes e vivendo em um mundo globalizado, onde os seres humanos constituem, apenas, peças de uma grande engrenagem comandada pelas elites, edificada para produzir lucros à custa do consumo dos recursos naturais e do meio ambiente, como também da escravização consentida dos indivíduos, valeria a pena a aceitação pelo homem, da sujeição a este trabalho de Sísifo até o fim de seus dias?
A resposta a esta indagação comporta várias interpretações: a Filosófica, a psicológica, a religiosa e a sociológica. Iniciaremos pela religiosa.
As religiões, de um modo geral, condenam o suicídio. No cristianismo, a idéia de que a vida é um dom divino e que, portanto, não deve ser desprezada, faz com que o suicídio seja contra a ordem natural e interfira com a vontade de Deus. Para o judaísmo, o suicídio é a negação da bondade de Deus. No islamismo, o suicídio é visto como um sinal de descrença em Deus, a não ser quando o indivíduo se martiriza durante o combate em guerras santas; neste caso, não se trataria de suicídio. No hinduísmo o suicídio é desaprovado, sendo equiparado ao assassinato de outra pessoa qualquer. No budismo, o suicídio é visto como uma ação negativa, embora existam circunstâncias em que o suicídio possa ser aceitável. Na visão espírita o homem não tem o direito de dispor da sua vida só a deus assistindo este direito. O suicídio torna-se, assim, uma transgressão das leis divinas. Algumas seitas antigas, como a dos cátaros (que praticavam um cristianismo diferente daquele de Roma), aceitavam o suicídio, que era considerado pelos adeptos da seita como uma forma de libertação espiritual, sempre que a alma (o espírito quando encarnado) estivesse submetida ao jugo odioso da matéria.
Sociologicamente, muitas culturas aceitam e praticam o suicídio nos casos de expiação do fracasso, como forma de protesto, nos casos envolvendo honra ou naqueles de vingança de cunho passional. Também como objetivo militar ou político, o suicídio é aceito e praticado; normalmente, representado por um ato de violência que atinge inúmeras pessoas, inclusive o autor do atentado que se auto-imola. Pactos suicidas, por sua vez, são realizados por pressão social ou de grupos e, no caso de guerras, costumam ocorrer quando militares ou civis se encontram encurralados e prestes a serem mortos ou capturados pelo inimigo. Tais comportamentos estariam associados à impossibilidade dos indivíduos vislumbrarem alternativas viáveis para a resolução de seus problemas, fazendo com que imaginem a morte como a única saída, fácil e definitiva, para se livrarem da situação conflituosa em que se encontram.
         Psicologicamente muitas pessoas não aceitam, intimamente, o suicídio, independente de fatores religiosos, por inferirem que o suicida estaria interrompendo o ciclo da vida, quando pusesse fim a sua sem deixar descendentes. Diversos transtornos, como os de humor (depressão, bipolaridade, distimia), de ansiedade (estresse pós- traumático, ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo), de personalidade (boderline, anti-social, histriônica, esquiva) e mentais (demências, psicoses) podem conduzir ao suicídio. Estes últimos estão presentes em cerca de noventa por cento dos casos de suicídio. A dependência de drogas (dentre as quais o álcool), em razão de seus efeitos desinibidores, associados a quadros de sofrimento físico e emocional, está, também, entre as causas de suicídios.
        Filosoficamente, muitos pensadores consideram a questão do suicídio como um assunto legítimo de escolha pessoal e um direito humano, no caso de doenças incuráveis. Platão achava que o suicídio não era errado quando o indivíduo estava condenado à morte pelo Estado, quando compelido por algum infortúnio ou quando sofresse uma desgraça irreversível; devendo o ato, todavia, ser condenado quando se originasse de uma covardia viril e preguiçosa. O próprio Sócrates, condenado ao suicídio pelo Estado, poderia ter fugido ao seu destino, mas não o fez – certamente porque, como Platão, considerava aquilo um direito seu, após aquele infortúnio pelo qual passara. Na atualidade, em muitos países, um ato incompleto de suicídio é considerado crime, como também ajudar um suicida à consecução do seu objetivo. Da mesma forma, a instigação ao suicídio, a Eutanásia ativa e a não prestação de socorro a um suicida são consideradas ações passíveis de penalidades pelos códigos criminais.
        Embora os seres humanos não tenham o direito de dispor sobre a vida de outros seres humanos (tanto sob a ótica religiosa, quanto sob a filosófica e a da Ciência, notadamente a do Direito – este como um conjunto ordenado e sistemático de princípios e regras que definem o ordenamento jurídico imposto pelo Estado à Sociedade), creio que a liberdade sobre seus próprios corpos e também sobre suas mentes e sobre as expressões de seus pensamentos, da qual todos são (de um modo inalienável) detentores, dá-lhes o direito de poderem dispor de si mesmos como bem quiserem; isto é, de suas mentes e de seus corpos com as finalidades que desejarem, até mesmo para abreviar a vida que possuem. Aceitar o contrário é compactuar com a escravidão humana, com as tiranias e com a censura. As religiões são contra essa disposição, pelo individuo, de seu próprio corpo (para por um fim a ele quando desejarem), por julgarem-no (sem nenhuma prova concreta) propriedade divina, e daí concluírem que apenas Deus poderia retirá-la. Os países, com seus sistemas políticos e econômicos e com suas leis, a proíbem por considerarem os indivíduos propriedades do Estado, para o qual contribuem como pagadores de impostos, trabalhadores, consumidores e reprodutores da força de trabalho.
         Ao se considerar a hipótese religiosa como verdadeira; isto é, os seres humanos seriam criações divinas e, assim, seus corpos a Deus pertenceriam (como também o momento dos seus espíritos os abandonarem seria, nesta hipótese, uma atribuição do próprio Criador), creio que, da mesma forma que foi permitido aos espíritos, quando no plano etéreo, decidir, por si mesmos quando e onde encarnar (segundo afirma a teoria espírita), também lhes seria facultado decidir quando e onde desencarnar. Por outro lado, como a evolução espiritual, certamente, não tem um prazo para ser obtida, na hipótese da existência de múltiplas encarnações, segundo afirma a teoria espírita, quando, por alguma razão, o espírito desejasse desencarnar, certamente esta alternativa não traria grandes prejuízos a sua evolução, notadamente porque as encarnações poderiam se repetir indefinidamente, e um Criador amoroso com toda a certeza não se vingaria de qualquer uma de suas criaturas por uma atitude extremada destas.
      Ao se considerar a hipótese religiosa como falsa; isto é, os seres humanos seriam apenas um produto da Natureza e teriam surgido em decorrência de efeitos probabilísticos, com mais razão, ainda, o corpo humano seria propriedade daquele que o ocupasse e, assim, poderia ser destruído quando e como seu proprietário julgasse mais conveniente.
        Filosoficamente, entretanto, como desconhecemos a verdade sobre a natureza humana; isto é, se ela é fruto do acaso ou se foi criada por um Deus, manda o bom senso e a sã razão, que sejamos prudentes quando se trata de por fim a nossa própria existência. Uma existência prolongada, mesmo na prisão ou em um hospital, pode, ainda, ser objeto de muito aprendizado e de muita satisfação pessoal, desde que se saiba aproveitar as oportunidades e se tenha um espírito de filósofo (isto é, sejamos amantes da sabedoria e do conhecimento). O sofrimento só é ruim para os fracos, os covardes e os ignorantes. Sofrer (razão por que muitos indivíduos se suicidam) não é, necessariamente, um mal. Todo sofrimento é uma oportunidade de aprendizado e de evolução espiritual, que não deve ser desperdiçada. Muitos saem do cárcere ou do hospital para uma vida plena de conquistas e de realizações, por muitos anos ainda. Mesmo que a situação seja, aparentemente, insolúvel, o próprio tempo costuma fornecer a solução para todos os problemas, e aqueles que impulsivamente se adiantaram ao tempo, extinguindo suas vidas por si mesmo, deixarão de colher os frutos que o tempo estava amadurecendo para eles. Os doentes da mente e aqueles muito ignorantes (que constituem parcela significativa dos suicidas), todavia, não são capazes de perceber a possibilidade de aprendizado que lhes está sendo oferecida. Os demais, mesmo capazes de percebê-la, nela não estão interessados, pois seu ego já ferido ou o desespero de vê-lo em tal situação é o que realmente lhes importa e razão suficiente para abreviarem a vida que lhes resta.
        Em razão do exposto, torna-se claro que os suicídios continuarão ocorrendo no seio da raça humana; suicídios estes que, em minha opinião, seus autores possuem o direito inalienável de cometê-los, em que pese irem contra a vontade da família, dos amigos e do Estado. Os Estados democráticos deveriam facilitar a Eutanásia, principalmente naqueles casos de moléstias graves em fase terminal, e não considerá-la crime. Os Estados, a rigor, jamais estiveram realmente preocupados com a sorte dos suicidas, enquanto seres humanos. Tanto é assim, que jamais se preocuparam com abolir as guerras, que, ao longo da História, têm ceifado milhões de vidas humanas, demonstrando que quando os interesses de grupos e de famílias estão em jogo, o Estado tolera e incentiva a morte de seus cidadãos; nem com a abolição da fome e o controle das doenças que ceifaram e ceifam, anualmente, outros tantos milhões. Nem com a melhoria da assistência médica e hospitalar precária, responsável pela condenação de outros tantos milhões de seres humanos à morte e ao sofrimento. Menos ainda com a situação econômica e da distribuição de renda, que tem levado milhares de cidadãos, em todo o mundo, ao desespero e, por vezes, ao suicídio.
         A proibição, pelo Estado, da Eutanásia ou de um suicídio assistido por médico, a meu ver, não passa de uma hipocrisia das elites que, desta forma, tentam demonstrar que se preocupam com o destino daqueles que as servem, em uma perpétua, e quase sempre desumana, servidão consentida.  A mesma preocupação elas não demonstram com respeito aos animais, pois o tratamento a eles dispensado é justamente o oposto; ou seja, elas permitem que aqueles animais gravemente feridos ou doentes, sejam sacrificados em nome de uma suposta comiseração, comiseração esta que não demonstram com os seres humanos na mesma condição.   

_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
                                                                                                                                                                             

sexta-feira, 27 de maio de 2016

19. Balanços Patrimoniais: o que as Partidas Dobradas podem esconder em suas dobras?


Jober Rocha*



A Contabilidade, segundo a clássica definição, consiste em uma Ciência Social cujo objetivo de estudo é o patrimônio das entidades ou empresas, seus fenômenos e variações, registrando os fatos e os atos de natureza econômico-financeira que o afetam e estudando também as suas conseqüências na dinâmica financeira. A referida ciência teve início por intermédio do matemático Leonardo Fibonacci e, posteriormente, foi desenvolvida e aperfeiçoada pelo monge Luca Pacioli, que divulgou o Método das Partidas Dobradas para a escrituração e a confecção dos balanços das empresas ou entidades, no século XV.
A Contabilidade foi implantada no Brasil, oficialmente, em 1770, com a regulamentação da profissão contábil e, em 1880, com o alvará que obrigava a escrituração mercantil por Partidas Dobradas, método este que, segundo o referido alvará: “...era o mais claro, o que menos lugar dava a erros e subterfúgios, onde se esconderia a malícia e a fraude”. 
          Mais de um século depois, o referido método ainda é o único usado por todas as entidades ou empresas; porém, como a criatividade humana é inesgotável e as fraudes contábeis continuaram existindo e sendo aperfeiçoadas, foram surgindo empresas de auditoria dedicadas à análise das empresas de capital aberto ou constituídas sob a forma de sociedades anônimas, que eram obrigadas a sofrer auditorias independentes, de modo a comprovar a qualidade da gestão e a veracidade das informações publicadas em seus demonstrativos contábeis ou financeiros.
          As fraudes podem ocorrer em qualquer tipo de entidade ou empresa (pública, mista ou privada), de qualquer tamanho (pequena, média ou grande), de qualquer setor (comércio, indústria ou serviços) e, no caso brasileiro, costumam ser mascaradas notadamente em razão dos efeitos inflacionários, comuns desde longa data. Podem ser de diversas modalidades e se apresentarem encobertas temporariamente ou permanentemente. Podem, ainda, partir de funcionários ou empregados, de clientes, de fornecedores, de prestadores de serviços, da própria direção ou do dono da empresa.
         No nosso país, onde a Mídia noticia, diariamente, escândalos de desvio de recursos públicos mediante a realização de concorrências fraudulentas envolvendo políticos, executivos e administradores federais, estaduais e municipais, além de empresários privados; as prestações de contas, os balanços e os balancetes das diversas entidades envolvidas são constantemente maquiados, de modo a esconderem as apropriações indébitas de recursos ocorridas e que, quando descobertas, são eufemisticamente chamadas pelos eventuais réus, simplesmente, de malfeitos.
          Os controles internos e as auditorias externas independentes funcionam bem quando se tratam de descobrir desvios realizados por empregados ou funcionários; porém, quando se trata de desvios promovidos pelos diretores e pelo próprio presidente ou dono do empreendimento a coisa muda. Naquilo que diz respeito às auditorias e aos controles internos, aqueles que neles trabalham são indicados e prestam conta, normalmente, aos conselhos de administração, aos diretores ou ao presidente da empresa e, neste caso, não possuem a isenção necessária para a apuração e denúncia, quando a fraude parte daqueles a quem prestam conta. Nas empresas públicas e nas estatais brasileiras, sabe-se que os cargos de chefia e de direção são, normalmente, loteados entre o partido no poder e a base partidária que lhe dá sustentação, fazendo com que todos os servidores nestes casos estejam no mesmo barco e, assim, os eventuais desvios de recursos sejam camuflados por quem deveria denunciá-los. No caso das auditorias independentes externas, estas, embora tenham um nome a zelar, entendem bastante bem a linguagem do dinheiro, vindo de quem as paga regiamente pelos serviços que executam.
          Há alguns anos uma grande empresa de auditoria norte-americana fechou as portas, após denuncias de que estava envolvida no acobertamento de fraude contábil de grande empresa do setor energético nos USA. Esta empresa desviava os seus prejuízos para outra entidade, apresentando, assim, lucros em seus balanços; que eram auditados, pela auditoria externa independente, sem nenhuma ressalva.
          No nosso país, recentemente, empresa de auditoria independente e externa, que analisava as demonstrações contábeis de uma grande empresa nacional do setor de petróleo, emitiu uma negativa de opinião (quando não sente confiabilidade nos controles internos da empresa contratante), em uma demonstração trimestral de 2014. Esta empresa nacional, entretanto, teve as suas demonstrações contábeis aprovadas, até então, por outras empresas de auditoria externa, em que pese um de seus diretores em delação premiada perante a justiça haver dito que as fraudes e os esquemas de corrupção vinham de longa data. 
          Relativamente às empresas privadas prestadoras de serviços, fornecedoras de equipamentos e materiais, e aquelas de execução de obras civis para os governos (Federal, Estadual e Municipal), elas argumentam que costumam superfaturar seus preços em razão dos contratos demorarem a ser pagos. Inquéritos recentes, todavia, mostram que a verdadeira razão não é bem esta; pois este superfaturamento vai, normalmente, para os bolsos das autoridades que intervém no processo de contratação dos serviços e na liberação dos recursos.
          Constata-se, portanto, que as fraudes e desvios de recursos costumam passar despercebidos pelas auditorias internas e externas, criadas justamente para detectar tais acontecimentos. Em algumas ocasiões, chegamos a pensar que seria necessário contratar uma auditoria externa para auditar o parecer da auditoria externa anteriormente contratada. Quando os interesses alcançam a cifra dos bilhões ou dos trilhões, tudo é possível.
          Vê-se, portanto, que muita sujeira tem se escondido nas dobras das Partidas Dobradas, quando das análises dos balanços das empresas ou entidades. Algumas sujeiras passam despercebidas e, talvez, jamais sejam descobertas e cheguem a ter os seus responsáveis alcançados pelos braços da lei e punidos exemplarmente. Em outras, os seus promotores e beneficiários poderão afiançar que o crime compensa, pois passarão ao largo de qualquer punição e seus crimes jamais serão descobertos. Muitos poderão dizer: - ‘A culpa não é do Método das Partidas Dobradas, adotado nos balanços e balancetes das empresas; mas, sim, dos seres humanos e de suas ambições, que não hesitam em se apoderar daquilo que não lhes pertence e de tentar encobrir suas ações’. 
        Concordo, com aqueles que assim pensam, mas creio que é chegada à hora de considerar, também, como crime hediondo a fraude nos balanços das empresas e punir com rigor todos os que contribuíram para a referida fraude; haja vista que esta ação é que tem sustentado toda uma cadeia de malversação e de desvio de recursos públicos que, ao aumentarem os custos dos bens e dos serviços produzem inflação de preços e de custos e, fazendo falta nos setores sociais básicos, tanto prejudicam as populações das nossas cidades e dos nossos campos.


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.



18. Trabalha a Medicina a favor ou contra os desígnios do Criador?

Jober Rocha*


        Em razão da ignorância sobre as origens dos fenômenos naturais que cercavam os seres humanos, estes teriam atribuído, desde o início dos tempos, uma característica sobrenatural a tais acontecimentos. A partir daí, com certeza, passaram a acreditar na existência dos Deuses, responsáveis pela vigência e manifestação dos fenômenos e por aplacá-los, caso pudessem ser diretamente contatados. Ademais, vendo o nascimento e a morte dos seres vivos e não compreendendo as razões para tal, o homem passou a crer na hipótese de outra existência, de onde os seres humanos viriam e para onde voltariam após a morte; existência esta que também seria o local da morada dos Deuses. 
             A Ciência, surgida com o progresso da civilização e que busca descobrir as causas de todos os fenômenos, de uma maneira geral, pressupõe que a Natureza seja ordenada e regida por leis. Tal pressuposição, segundo alguns autores, teve sua origem na idéia de que um (ou até mais de um) Deus foi o criador do Universo; já que, sendo este Deus racional e legislador, as suas criações também possuiriam estas características (conforme crença comungada por inúmeros pensadores ao longo da História, dentre estes, destacando-se Descartes, Newton, Einstein, Heisenberg, etc.). 
        De todas as Leis da natureza (quer se acredite ou não nas suas existências), uma delas pertenceria ao rol das coisas que não poderiam ser violadas, e esta seria a Lei da Lógica. Como já disse alguém: “As cadeias com que a Lógica acorrenta a Natureza, são apenas formais, não chegando a oprimi-la; porém, em razão disto, são totalmente inquebrantáveis”. Assim, ao considerarmos as Leis da Natureza como ordens que teriam partido de um Criador, estaríamos bem próximos de atribuirmos às Leis da Natureza a necessidade de pertencerem às Leis da Lógica.
             A Medicina com todas as demais Ciências - dizem os filósofos – fazem parte do ‘Pacote da Criação’; isto é, ao criar tudo o que existe no Universo conhecido, o ‘Criador de Todas as Coisas’, também, teria criado as leis que regeriam o comportamento e o funcionamento da Sua criação. Tais leis, a pouco e pouco, iriam sendo descobertas pelo homem (figura importante, consciente e, talvez mesmo, central de todo este fenômeno), dando lugar ao surgimento, pela descoberta humana conforme dito, das diversas Ciências.
A Medicina consiste como todos sabem, em uma área do conhecimento ligada a manutenção e a restauração da saúde, trabalhando, em um contexto médico, para a prevenção e a cura das doenças dos seres humanos e dos animais. Segundo alguns autores, a Ciência da Medicina teria surgido, no Ocidente, com Hipócrates (460 a 377 a.C.) e, segundo outros, no Império Aquemênida (no Sudeste da Ásia, entre 550 e 330 a.C.), no Oriente. Ao longo da História, após Hipócrates, diversos ‘médicos’ contribuíram para o desenvolvimento desta ciência incipiente, notadamente: Asclepiades de Bitinia, Claudio Galeno, Ibn Sina (Avicena), Ibn Rushd (Averrois), Ibn al-Nafis, Ibn al-Baytar, Al-Farabi, Al-Zarzi, Louis Pasteur, Alexander Fleming, etc.
Na atualidade, fruto de pesquisas teóricas e aplicadas, a Medicina tem progredido sensivelmente, tendo descoberto as causas e as curas de uma infinidade de moléstias que acometem os seres humanos e os animais. Ao fazer isto, entretanto, segundo pensam alguns religiosos e fiéis, tem interferido nos desígnios do Criador para com as Suas criaturas.
Diversas crenças religiosas associam a vida humana (ou a encarnação de um espírito em um corpo material) à necessidade do aprendizado espiritual, aprendizado este que passaria pelas vias dos sofrimentos, das dores e das vicissitudes, necessárias estas para que o aperfeiçoamento ocorresse. Lembremo-nos que a evolução ocorre dialeticamente e que o embate entre a tese e a antítese é o que provoca a síntese; isto é, a evolução daquelas duas em direção a esta. Algumas crenças falam em, apenas, uma vida e outras em múltiplas existências; todas, entretanto, reafirmam a necessidade deste aprendizado encarnado, para que o espírito possa evoluir. As crenças Orientais, panteístas em sua maioria, advogam a existência de um Determinismo com relação ao destino dos indivíduos, enquanto as principais crenças Ocidentais, quase todas monoteístas, propugnam a existência de um Livre Arbítrio.
            Com base no que dizem a Religião e a Filosofia, podemos estabelecer algumas hipóteses: 1. A existência humana seria determinística e Deus estaria em toda a Natureza (Budismo, Hinduismo, Sufísmo, Confucionismo, Taoísmo e Xintoísmo); 2. A existência humana seria determinística e Deus estaria fora da Natureza (Islamismo, Espiritismo); 3. A existência humana possuiria total livre-arbítrio e Deus estaria em toda a Natureza (nenhuma religião comunga com esta hipótese, pois, aparentemente, se trataria de uma contradição religiosa); e 4. A existência humana possuiria total livre-arbítrio e Deus estaria fora da Natureza (Catolicismo, Protestantismo).
          Cada uma destas hipóteses implicaria em uma maneira diferente, para seus seguidores, de encarar a vida e os demais fenômenos Metafísicos. 
           A primeira hipótese seria a que mais nos aproximaria fisicamente do Criador (que estaria na própria Natureza) e, portanto, implicaria em uma menor necessidade da intermediação por parte de organizações religiosas entre Deus e os homens, além de induzir a uma maior pratica das chamadas virtudes, por parte dos cidadãos, em razão da visão determinística da existência. 
          A última delas seria a que mais nos distanciaria fisicamente do Criador, criando, assim, uma necessidade maior da presença de instituições religiosas para servir de ponte entre o Criador e as criaturas e induziria a uma maior pratica dos chamados vícios (pecados), por parte dos cidadãos, em razão da visão religiosa de livre arbítrio e do constante apelo do Sistema Capitalista para a satisfação dos desejos do ego, prontamente atendidos em razão do livre-arbítrio. Tanto é assim, que a noção de pecado e do inferno (onde ficariam os pecadores) é muito forte no Cristianismo.
Como visto, todas as religiões (quer monoteístas, quer panteístas) admitem a existência de um Criador e de leis que regeriam a criação. Assim, em condições normais, a Natureza operaria segundo os critérios estabelecidos pelo Criador e da forma como necessitaria operar; isto é, nada seria feito de maneira supérflua ou sem finalidade. Neste contexto, como compatibilizar a Medicina (que objetiva salvar e prolongar a vida dos seres humanos) com as Leis da Natureza? A interferência da Medicina teria, assim, a propriedade de interromper o livre curso da Natureza, modificando-o a revelia do Criador, já que nada ocorreria por acaso (assim, o indivíduo que estivesse enfermo, possuísse deformidades ou estivesse à beira da morte, teria, necessariamente, de passar por tudo aquilo, para atingir a evolução prevista para o seu espírito naquela atual existência).
Determinada crença religiosa é conhecida por seus seguidores recusarem transfusões de sangue. Estes fazem isto, baseando-se em suas interpretações de: Genesis 9:4; Levítico 17:10; Deuteronômio 12:23; Atos 15:28, 29 e Levítico 17:14. 
         Em todos os lugares do nosso planeta onde a vida surgiu (quando na ausência de qualquer interferência humana), ela tem seguido o seu curso normal; isto é, a Lei Natural que faz com que tudo aquilo que necessite morrer, morra. Com a interferência dos seres humanos e da Ciência da Medicina, esta Lei pode ser anulada e constantemente o tem sido, para felicidade nossa. Filosoficamente, entretanto, a questão que se coloca é a de que os praticantes da Ciência Médica, ao obstarem a ação da Natureza, mediante as suas intervenções, e impedirem, assim, a ação da Lei Natural, interferem na programação divina de aprendizado dos espíritos encarnados. Lembremo-nos que a constituição física de cada indivíduo, seu DNA, seus cromossomas, sua resistência ou propensão às doenças e as enfermidades, etc., são exogenamente determinados; isto é, já vieram com ele quando do seu nascimento (ou encarnação). Ao se acreditar na existência de um Criador, nas Leis da Natureza, na necessidade da evolução espiritual e no conseqüente caminho do sofrimento para atingir esta evolução, a interferência do médico com a sua ciência; embora vista com alegria, carinho e respeito pelos pacientes, pode ter conotações espirituais desconhecidas por nós, ao permitir prorrogar a vida de alguém que teria, inexoravelmente, sucumbido pela ação da Lei Natural.
           Reconheço ser este um assunto complexo e, filosoficamente, ainda não solucionado a contento, até o presente. Quem sabe se, futuramente, a Ciência, a Religião e a Filosofia não convergirão para um ponto comum, de modo a chegarem as três a possuir a mesma concepção Metafísica sobre o fenômeno da vida e da morte, para que possamos ter uma resposta definitiva para a pergunta que dá título a este ensaio?


_*/ Economista, M.S. Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.





17. Psicologia: Ciência Divina ou Diabólica?**

Jober Rocha*


Como todos sabem, a Psicologia consiste na Ciência que estuda o comportamento dos indivíduos e as suas funções mentais. Seu objetivo final seria o benefício geral da Sociedade Humana.
          Inicialmente vinculada à Filosofia e à Religião, sendo estudada por pensadores do Ocidente e do Oriente, ela apenas se firmou como uma ciência no século XIX e, como tal, buscou direcionar a sua atenção para os aspectos clínicos da matéria; isto é, para as razões que levavam os seres humanos à depressão, às fobias, às neuroses e às psicoses, preocupando-se mais com a doença mental do que com a própria saúde mental (talvez porque esta lhe fugisse ao controle, ao depender de fatores alheios ou supervenientes). Dividiu-se a Psicologia, em seu início, em três correntes: Funcionalismo (William James, 1842-1910), Estruturalismo (Edward Titchener, 1867-1927) e Associacionismo (Edward Thorndike, 1874-1949).
          Na atualidade, devido à complexidade do ser humano, a Psicologia é estudada sobre diversas perspectivas: biológica, médica, psicodinâmica, analítica, comportamentalista, humanista, cognitiva, evolucionista, sociocultural, biopsicossocial e multidisciplinar. Possui diversas especializações como: Psicologia Escolar e Educacional, Organizacional e do Trabalho, de Trânsito, Jurídica, Psicomotricidade, do Esporte, Clínica, Hospitalar, Psicopedagógica, Social e Neuropsicologia.
         A Psicoterapia, no meu modo de ver, pode ser entendida como sendo o lado divino da Psicologia (no sentido de que visaria apenas o bem, com respeito à saúde física e mental dos indivíduos), possuindo algumas linhas teóricas em que se destacam, como principais: Psicanálise, Psicologia Analítica de Jung ou Análise Junguiana, Behaviorismo Comportamental, Humanismo, Psicoterapia Corporal – Reich, Terapia Cognitivo – Comportamental, Transpessoal e Mindfulness Psychology (Atenção Plena). Outras linhas existentes seriam as seguintes: Fenomenológica, Gestalt-Terapia e a Psicologia Positiva. Nem todos os tipos citados funcionam, sempre, para todos os casos em que são utilizados, em virtude de alguma inadequação entre o método e o paciente; mas, o objetivo de todos eles é o mesmo, isto é, entender, diagnosticar e tratar a patologia apresentada por aqueles que procuram o auxílio do profissional habilitado.
         O lado que poderia ser considerado como diabólico (no sentido de que visaria o mal, com relação à saúde física e mental dos indivíduos, bem como ao seu patrimônio e à sua situação financeira), seria aquele em que alguns profissionais, desta e de outras áreas da Ciência, fariam uso dos conhecimentos disponíveis da Psicologia, a respeito do comportamento das pessoas, bem como se utilizariam do resultado de novas pesquisas sobre o assunto, visando ao aproveitamento de tais conhecimentos para a obtenção de benefícios financeiros ou de qualquer outra ordem, de poder, de dominação, de persuasão e de influencia sobre os seres humanos, sem que estes se apercebessem da manipulação a que estavam sendo submetidos ou, mesmo, sendo forçados, compulsoriamente, a participarem de experiências cuja finalidade e extensão desconheceriam. 
           Dentre as técnicas que se utilizariam de conhecimentos sobre o comportamento psicológico dos indivíduos, para extrair-lhes informações ou para direcionar suas ações para determinado fim que se deseje, destacam-se nas áreas policial e militar: A técnica de interrogatório reverso; a lavagem cerebral maciça; os experimentos de privação sensorial; o Gaslighting; o interrogatório através da indução de culpa; as falsas memórias implantadas por hipnose e o excesso de estimulação sensorial.
Não entraremos no mérito de cada uma destas técnicas, já que aqueles interessados em conhecer mais sobre o assunto poderão obter outras informações através da WEB. Com respeito à técnica de interrogatório reverso, segundo aqueles que a aplicam, diremos apenas que funcionaria bem com qualquer pessoa cujo comportamento se caracterizasse por possuir um Ego muito sensível; ou seja, alguém rebelde, como crianças principalmente. Essencialmente, esta técnica seria utilizada para conseguir que o oponente fizesse aquilo que se deseja ao mandá-lo fazer, justamente, o oposto daquilo que se quer ver realizado.
            Nos campos da Propaganda e do Marketing, muitas vezes, existe a intenção deliberada de usar conhecimentos psicológicos sobre o comportamento dos consumidores e dos eleitores, para divulgar informações falsas, que objetivam influenciar decisões individuais e de grupos, como fazem, com freqüência, alguns institutos de pesquisas e os chamados ‘marqueteiros’, cujo nome vem de suas empresas de marketing, que são contratados para assessorar partidos políticos e candidatos em vésperas de eleição.
        Estes institutos e estas empresas de marketing, usualmente, buscam os profissionais mais experientes em várias áreas do conhecimento, notadamente no campo da Psicologia, para, utilizando-se do conhecimento científico mais atual disponível, tentar influenciar a massa de eleitores a oferecer seu voto para aqueles clientes que os contrataram durante as campanhas eleitorais (partidos políticos e candidatos) ou, fora destas, para empresas públicas ou privadas, interessadas em uma boa imagem perante o público ou na venda de produtos e serviços.
        A prática das virtudes passa muito longe dos procedimentos quase sempre utilizados nas campanhas publicitárias; onde vale tudo, desde a mentira, pura e simples, ao falseamento de dados, às falácias, aos subterfúgios sutis e às técnicas psicológicas subliminares, já que o compromisso destas empresas é, exclusivamente, com aqueles que as pagam e não com a verdade daquilo que divulgam e apregoam. Isto vale para a propaganda política e para qualquer tipo de propaganda e marketing, objetivando influenciar a escolha dos indivíduos e das massas populacionais.
No Campo Militar, desde o tempo do filósofo e general chinês Sun Tzu, cuja obra A Arte da Guerra (escrita entre 400 e 320 a.C) trata dos assuntos básicos para a preparação e a condução das guerras, os conhecimentos de natureza psicológica dos militares são analisados, de modo a fornecer subsídios para a ação dos soberanos, visando a que estes vencessem sempre as suas guerras, não importando a ele que fossem justas ou não. O mesmo ocorreu mais tarde na Europa, com a obra O Príncipe, de Niccolò Machiavelli (1469 - 1527 d.C.), na qual o autor se utilizou de conhecimentos psicológicos acerca dos indivíduos (súditos), para apresentar regras de comportamento que deveriam ser seguidas pelos soberanos, mesmo que estes se tratassem de tiranos, para poderem reinar e expandir seus reinos.
            Mais recentemente, o Projeto Mkultra (iniciado no princípio da década de 1950), nome código para um programa de experiências de caráter psicológico com seres humanos (objetivando o controle de suas mentes durante interrogatórios e sessões de tortura, para extrair informações importantes ou, até mesmo, vitais para determinados governos – não importa qual a forma ou a ideologia que seguisse), originou um manual chamado Kubark. O psiquiatra Harvey Weinstein estabeleceu o relacionamento direto das pesquisas em controle da mente, feitas na Inglaterra pelo psiquiatra britânico William Sargant (envolvido nas pesquisas do Mkultra), com a aplicação de drogas alucinógenas e privações do sono em prisioneiros. As drogas utilizadas visavam alterar as funções do cérebro e manipular o estado mental dos seres humanos. 
          Por sua vez, a Programação Neuro Lingüística – PNL, criada na década de 1970 por Richard Bander e John Grinder, nos USA, conseguiu demonstrar que para tudo aquilo que fazemos, possuímos um Programa (em uma analogia entre o cérebro humano e um computador), e que estes programas podem ser ensinados e aprendidos por qualquer pessoa. A PNL pode ser utilizada para a cura de fobias (medos intensos e desproporcionais às suas causas); porém, por outro lado, pode ser utilizada para que pessoas medíocres, com propostas medíocres, se mostrem como pessoas superiores, com propostas superiores, através de processos verbais e extra-verbais responsáveis por desencadear reações psicológicas nos indivíduos que os contemplam e ouvem. Tratar-se-ia, no caso, da conhecida “venda de gato por lebre”, conforme se costuma dizer. Tais processos são muito utilizados por políticos e religiosos, que necessitam convencer aqueles que os vêem e ouvem, já que, segundo a PNL: “A eficiência da sua comunicação depende mais de como ela será recebida, através do mapa mental do ouvinte e interpretada, do que daquilo que, na realidade, você está dizendo”.
         Como já exposto até aqui (em que pese, ainda, a importância não mencionada da nanotecnologia, no que se refere aos implantes de ‘chips’ cerebrais; implantes estes que, eventualmente, poderiam vir a nortear o comportamento psicológico dos seres humanos no futuro próximo), a Ciência da Psicologia têm oscilado entre uma aplicação que poderíamos chamar de divina e uma aplicação considerada demoníaca. Qual delas irá prevalecer no futuro da espécie humana eu não saberia responder; mas, posso imaginar, conhecendo as formas de dominação e de poder historicamente estabelecidas e a matéria prima da qual somos todos feitos...


_*/ Economista, M.S. e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.

_**/ Publicado no Jornal A Palavra nº 175, de 07. 06. 2016. Rio de Janeiro, RJ.