301. A Reunião na Capital Federal
Jober Rocha*
Naquela segunda-feira ensolarada, na sala de reuniões de um certo gabinete na Capital Federal, inúmeras autoridades se encontravam presentes para deliberar sobre assunto da maior gravidade, com impactos nos três poderes da república e, até mesmo, repercussões de ordem internacional.
Após bebidos os sucos de frutas vermelhas, de praxe, degustados os chás ingleses em porcelana de Sèvres, saboreadas as 'galletas' espanholas, alguém disse com voz rouca, sobressaindo-se ao burburinho do ambiente:
- Bem, meus amigos, vamos dar início a esta nossa reunião!
Todos se acomodaram nas espaçosas e macias poltronas de couro, recebendo a brisa fresca do ar condicionado central, cada um tendo diante de si, sobre a grossa e espelhada mesa de mogno, um bloco de notas, uma caneta Mont Blanc e uma taça de cristal contendo a famosa e saborosa água mineral Fillico, japonesa, cuja garrafa custava US$ 100,00.
Aquele que comandava a reunião disse, afetando um tom sério e doutoral:
- Excelências, considerando a gravidade do momento, de ordem de Sua Excelência Máxima, estamos aqui reunidos para discutir e deliberar sobre determinado assunto sigiloso do qual todos já tomaram conhecimento antecipadamente e que requer uma medida urgente e drástica por parte das mais altas autoridades deste país; isto é, de nós mesmos!
- Assim, espero que cada um dos senhores, nesta oportunidade, dê a sua colaboração propondo alguma alternativa, no âmbito da sua atribuição constitucional, e que esteja realmente disposto a implantar a solução proposta em sua esfera de atividades e alçada decisória, de maneira firme e patriótica, doa a quem doer!
- Quem quiser se pronunciar primeiro, que levante a mão!
Um dos presentes antecipou-se aos demais e levantou rapidamente a sua mão, sendo, então, convidado a falar. Iniciou dizendo estas palavras:
- Excelências, data vênia, creio que assunto de tamanha gravidade requer medidas excepcionais, que não podem ser postergadas. Sou de opinião que, em se tratando de algo tão subjetivo e de consequências tão deletérias para o futuro da administração da coisa pública, a única solução cabível é a de recorrermos a algum método não tradicional de gestão e de aferição de resultados e de responsabilidades; posto que, aquele método até então utilizado tem se mostrado inadequado aos condicionantes atuais da problemática pela qual passamos!
- Assim, proponho que contratemos determinada firma de um amigo meu, especialista neste tipo de assunto, a qual, com muito mais propriedade do que nós, simples autoridades constituídas dos três poderes da república, poderá, usando de uma abordagem não tradicional, propor alguma solução viável e factível para o atual problema!
Outro dos presentes levantou a mão e foi autorizado a se pronunciar.
- Digníssimas excelências, sou levado a concordar com as sapientíssimas palavras de meu antecessor. O assunto é por demais sério. Não podemos olvidar que tanto o povo brasileiro quanto a comunidade internacional aguardam um pronunciamento oficial deste colendo grupo. Este ‘desideratum’ ou aspiração de uma solução, deverá, portanto, ser produto desta nossa reunião de hoje. Assim, quero deixar patente que concordo com o aspecto teórico da questão, levantada por aquele nobre colega que me antecedeu!
- Entretanto, discordo de maneira factual com relação a proposta que fez de contratação da empresa de um amigo dele. Digo isto, por que também tenho um amigo que possui empresa similar, operando no mesmo ramo de diagnósticos prospectivos e de cenários alternativos. Em virtude disto, creio que estaríamos melhor assessorados caso contratássemos a empresa do meu amigo, ao invés de contratarmos a empresa do amigo dele!
- Meu amigo é bastante sensível a questões financeiras e, com toda a certeza, sabedor de que o Orçamento da União ainda não foi aprovado, bem como a proposta da nova Previdência Social também não, com toda a certeza oferecerá um preço bem baixinho para as pesquisas de campo necessárias e para os trabalhos de modelagem sobre os possíveis cenários alternativos que se descortinam no horizonte político, econômico, militar e psicossocial da pátria!
Aquele que falava foi interrompido por um terceiro que, levantando a mão, pediu a palavra. Autorizado pelo dirigente da reunião, ele se pronunciou da seguinte forma, para os demais membros presentes:
- Excelências, concordo peremptoriamente com tudo aquilo que até aqui foi dito. No entanto, na qualidade de autoridade nacional, conhecedora de inúmeros segredos de Estado, faço saber aos meus ilustres pares que este assunto requer muito discernimento e muita análise retrospectiva e prospectiva; em suma, quero deixar bem claro que se trata de um caso inusitado a ser tratado com todo o rigor requerido em situações análogas, mas, também, com a cautela que merecem casos como este, cuja repercussão extrapola as nossas fronteiras. Em vista disso, proponho que contratemos uma empresa estrangeira, de amigo meu, altamente gabaritada para propor soluções em casos como este, no qual as idiossincrasias, particulares e individuais, mantém as partes interessadas irredutíveis. Este é justamente o caso com o qual nos defrontamos no presente momento!
- Assim, data vênia, creio que uma empresa estrangeira, com experiência internacional em eventos semelhantes, se desincumbiria muito melhor do que qualquer outra nacional. Pensem, ademais, na cobertura que está sendo dada pela imprensa mundial. Uma empresa estrangeira, com trânsito na mídia mundial, poderia nos prestar serviços inestimáveis, neste particular!
Um senhor sisudo, de barba bem feita, colarinho engomado, gravata francesa e trajando um belo terno italiano, levantou a mão pedindo vez para falar. Em seu pulso percebia-se um caro relógio de ouro e no dedo anular um grande anel com uma safira reluzente. Após ser autorizado a se expressar, disse aos presentes:
- Excelentíssimas autoridades presentes, reconheço que a nossa missão é excessivamente árdua e demanda muito sacrifício e total abnegação às coisas de Estado. Todavia, esta é a nossa função precípua como autoridades que somos. Como diria alguém do povo “Nós ganhamos muito é para isso mesmo”!
- Assim, meus caríssimos compatriotas, sugiro que deixemos as coisas como estão. Em breve todos se esquecerão do assunto, tanto internamente quanto no exterior. Quanto mais remexermos neste lixo, mais o mau cheiro subirá aos céus, podendo chegar a contaminar até mesmo este ar puro de que desfrutamos na capital federal!
- Desta forma, conforme já vi ocorrer em inúmeros casos semelhantes, a posição de avestruz, com a cabeça enterrada no buraco, é a mais aconselhável para ser adotada por nós, autoridades da república, neste momento crucial!
- Se não acreditam no que digo, contratem a empresa de um amigo meu, especialista em casos como este, que, estou certo, irá dar o mesmo veredicto que acabei de proferir!
Logo a seguir, outro dos presentes levantou sua mão e foi-lhe concedida a palavra. Porém, ao iniciar a sua fala, foi logo interrompido por vários garçons e copeiras que serviam aos presentes um pequeno desjejum, composto por Fritatta de lagosta, seguida de Cupcake ‘Golden Phoenix’.
Findo o desjejum, que consumiu uns quinze a vinte minutos, a autoridade que falava pode continuar com o seu pronunciamento.
- Nobres excelências, conforme minha modesta opinião de alguém que tem acompanhado este assunto desde longa data, sou de parecer que poderíamos adotar um meio termo, qual seja: fazer de conta que não sabemos de nada e que o assunto não tem a importância que lhe atribuem, mas, ao mesmo tempo e de forma sigilosa, contratarmos estudos que nos indiquem o melhor caminho a trilhar neste caso!
- Evidentemente, não proporei a contratação da empresa de um amigo, como vários aqui já fizeram. Isto por que amigos, por serem apenas amigos, muitas vezes, abusam descaradamente de nossa confiança, solapando os objetivos que pretendíamos alcançar de forma tão custosa. Farei, pois, muito melhor, pois sugiro contratarem a empresa de meu irmão. Este irmão, o qual estimo muito, jamais irá me trair conforme poderia vir a fazer algum amigo. Por ser meu irmão, já prometeu que cobraria apenas os gastos que tivesse com os trabalhos. Não iria ter nenhum lucro, segundo me assegurou. Faria isto por mim, seu irmão querido, e pela pátria!
Outro dos presentes, mais jovem e com ar vivaz e inteligente, levantou a mão sendo prontamente autorizado a falar. Iniciou dizendo:
- Minhas mais humildes vênias por me dirigir a autoridades tão sapientes, magnânimas e poderosas. Todos sabemos que não temos a menor condição, sozinhos, de realizar tarefa de tamanha magnitude, mormente tendo contra nós a opinião popular e parte da mídia independente; isto é, aquela que não conseguimos cooptar com as verbas de que dispomos para a propaganda e a publicidade sobre as nossas entidades e suas áreas de atuação. Assim, sugiro que chamemos as forças armadas para nos assessorar nesta difícil empreitada. Digo isto, por que sei que eles fariam todo o trabalho sem nada cobrar e em um curto prazo de tempo. Por outro lado, como estão acostumados à vida dura e em um meio inóspito, nada exigirão em troca; isto é, não pedirão dinheiro, não farão questão de boas instalações, não exigirão apoio logístico, nem desejarão manchetes nos jornais destacando o seu trabalho!
- Creio que seria a solução mais barata e mais eficiente. Ao final dos serviços, algumas poucas medalhas e um ou outro elogio coletivo em boletim seriam suficientes para eles. Pensem na economia que faríamos. Pensem nas nossas despesas quotidianas, que não são poucas. Poderíamos economizar muito e ver os trabalhos concluídos com eficiência e presteza. Afinal, isto é o que se espera de forças armadas patrióticas como as nossas. Vejam bem que eles sempre fazem questão de gritar, ao final de suas formaturas: O país, acima de tudo!
Logo após, como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra (ou se atrevesse), o dirigente da reunião colocou as propostas em votação, tendo vencido a última, do jovem vivaz e de aparência inteligente.
Imediatamente foi redigido um documento convocando os militares a se engajarem naquela meritória e patriótica missão, importante para a segurança e o desenvolvimento nacionais. O documento foi, em seguida, encaminhado para a autoridade militar competente com um carimbo de urgente e outro de secreto.
Durante a saída das autoridades do prédio, aquele cidadão que me narrou o presente fato que presenciou ‘in loco’ (e que era, justamente, o humilde rapaz da limpeza, não notado por nenhum dos presentes), estando lá embaixo com uma vassoura na mão, ainda ouviu duas autoridades conversando em voz baixa enquanto aguardavam os motoristas oficiais chegarem com seus veículos blindados. Uma dizia a outra:
- E agora, como vou fazer para comunicar ao meu amigo empresário que os militares é que irão fazer o serviço? O contrato de assessoria estava até redigido e ele já havia me adiantado algum numerário por conta, para as despesas com o aniversário da Betty na Disneylândia. Temos que arranjar um novo projeto para ele. Pensa aí em alguma coisa cara e depois você me fala pessoalmente. Nada de conversas pelo telefone; lembre-se daquele caso do juiz e do procurador. Quanto a tua parte, pode ficar tranquilo...
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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