298. Vulnerabilidades
Jober Rocha*
Segundo constatação de diversos cientistas, a raça humana é extremamente vulnerável. É vulnerável às doenças, às condições climáticas adversas, à poluição e à degradação ambiental, à possibilidade de um conflito nuclear, à queda de corpos celestes de grande tamanho como meteoros, asteroides, etc.
Por outro lado, na era da informática quando tudo é, praticamente, comandado e regido de forma digital, a falha, a sabotagem ou a destruição acidental dos principais centros provedores das ferramentas diárias de comunicação, de diversão e de trabalho de milhões de seres humanos e de empresas, também constitui uma enorme e potencial vulnerabilidade.
Todos devem, ainda, se lembrar do famoso Bug do Milênio ou Bug Y2K, previsto para ocorrer com os sistemas informatizados na passagem do ano de 1999 para o ano 2000. Como as datas eram representadas por, somente, 2 dígitos, os programas assumiam o "19" na frente para formar o ano completo. Assim, quando o calendário mudasse de 1999 para 2000 o computador iria entender que estava no ano de "19" + "00", ou seja, 1900.
Os softwares mais modernos, que já utilizavam padrões mais atuais, não teriam problemas em lidar com isso e passariam corretamente para o ano 2000, mas constatou-se que uma infinidade de empresas e instituições de grande porte ainda mantinham em funcionamento programas antigos, em função da confiança adquirida por anos de uso e na sua estabilidade.
Felizmente, todo esse pânico foi injustificado, porque a maioria das empresas e dos consumidores domésticos havia adquirido computadores novos ou fizeram a atualização para sistemas operativos preparados para o problema.
As vulnerabilidades a que estamos sujeitos, no entanto, podem ocorrer de forma inesperada e em várias expressões do poder nacional, como a política, a econômica, a militar, a psicossocial e a tecnológica.
Um exemplo de vulnerabilidade política seria o fato de sermos, eventualmente, governados por uma plêiade de criminosos infiltrados nos três poderes da república e que transformassem o governo em uma verdadeira Cleptocracia.
Um exemplo de vulnerabilidade econômica seria o país, eventualmente, entrar em uma forte recessão por má gestão e, ao mesmo tempo, sofrer uma seca prolongada que prejudicasse fortemente as colheitas e fizesse com que o nível de água dos reservatórios das grandes cidades baixasse a pontos críticos; além de perdermos mercados externos para países mais competentes que o nosso no comércio exterior.
Um exemplo de vulnerabilidade militar seria a hipótese de, eventualmente, sermos ameaçados de invasão ou realmente invadidos por país ou países mais fortes militarmente e não democráticos, com grande parte das nossas autoridades militares e civis ideologicamente favoráveis ou já comprometidas com aqueles que nos invadem.
Um exemplo de vulnerabilidade tecnológica seria a hipótese de, eventualmente, em virtude de alguma nova descoberta científica revolucionária por parte de algum ou de alguns países, muitas de nossas empresas (notadamente empreiteiras), com as suas tecnologias já obsoletas, se tornassem, de repente, mais obsoletas ainda ou com custos de produção muito elevados e não competitivos, de modo a que, mesmo pagando vultosas propinas, não conseguissem mais exportar seus produtos ou serviços nem vende-los para o Estado brasileiro.
Deixei para falar em vulnerabilidade psicossocial por último, em virtude de acreditar que está, talvez, seja a mais grave de todas. Sei que muitos leitores não terão entendido as minhas razões para fazer tal afirmação, por isto, explicar-me-ei melhor:
As mídias, diariamente, mostram a existência, em diversos pontos das grandes cidades, das chamadas ‘cracolândias’, lugares onde se reúnem muitas pessoas para consumirem livremente seus cachimbos contendo as famosas e malditas pedras de crack. Para aqueles poucos que as consomem em locais públicos, milhares ou milhões as consomem em locais privados (suas casas, seus escritórios e seus gabinetes).
O mesmo ocorre com aqueles usuários de maconha, de cocaína, de heroína, de ópio, de haxixe, etc.
A todo momento, em milhares ou milhões de residências particulares; dentro de salas de aula em colégios e faculdades; sentados em macias poltronas nos gabinetes de autoridades; no interior de veículos, de navios, de aviões; nas salas de reuniões ou das diretorias de empresas privadas; milhares ou milhões de pessoas acendem seus cachimbos de crack ou cigarros de maconha, cheiram carreiras de cocaína (ou qualquer outra droga) ou as injetam nas veias.
Imaginem, agora, meus caros leitores, a magnitude do problema que teríamos se, de repente, todas as fontes fornecedoras destas drogas, por alguma razão superveniente, fossem dizimadas, destruídas ou impedidas de abastecer esse incomensurável mercado de dependentes químicos que temos no país.
Praticamente, pararia tudo em todos os setores e em todos os Estados da Federação do nosso país. Isto seria muito pior e mais grave do que um terremoto de nível acima de 7 na escala Richter (que mede a intensidade dos mesmos); mais danoso do que a queda de um grande asteroide, conjugada ao eventual tsunami que produziria; mais perigoso do que um acidente de grandes proporções em uma central nuclear como a de Angra I; pior do que uma epidemia de qualquer vírus letal, já inventado (ou ainda a inventar) por algum laboratório produtor e vendedor de vacinas contra vírus letais.
É devido ao receio de que algum dia venhamos a passar, realmente, por esta temida vulnerabilidade psicossocial, que as facções criminosas transitam impunemente; que seus principais líderes são tratados como comendadores e dão entrevistas coletivas à mídia, interna e externa; que muitas autoridades fazem ‘vistas grossas’ ao que se passa nas fronteiras do país; que as penalidades ligadas ao consumo destes produtos estupefacientes são cada dia mais brandas.
Chego até a imaginar que, da mesma forma como o Ministério da Agricultura providência estoques reguladores de produtos agrícolas (normalmente de grãos), para serem vendidos na entressafra quando a produção diminui, algum dia o governo irá, também, manter estoques reguladores destes produtos químicos estupefacientes, para serem vendidos ou distribuídos, no caso de uma calamidade qualquer (ou razão superveniente) que impeça o pleno abastecimento do imenso mercado nacional.
Afinal, não interessa a ninguém (e muito menos ao governo arrecadador de impostos) que o país pare, de uma hora para outra, por falta de combustível tóxico nas veias de milhares, senão milhões, de contribuintes, de eleitores, de fiéis, de consumidores, de telespectadores, de alunos, de professores, de empresários, de políticos; enfim, de profissionais e de autoridades diversas.
Reconheço que somos um país deficiente em planejamento estratégico; em estabelecimento de normas de engajamento que sejam aplicáveis e que funcionem na prática; em regulamentação de coisas úteis e proveitosas; mas, de qualquer forma, alguma coisa tem que ser feita, no sentido de diminuir ao máximo a possibilidade de ocorrência de uma vulnerabilidade psicossocial como esta mencionada, sob risco de uma violenta convulsão social motivada pela falta inesperada e não prevista dos produtos mencionados. Ao menos, que se crie um grupo de trabalho, em Brasília, para estudar a questão...
Com a palavra as autoridades.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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