295. Ontem, hoje e amanhã
Jober Rocha*
Contemplando o atual cenário político nacional e acompanhando, diariamente, as grandes mídias e as redes sociais, percebo como certas coisas na vida política e social da maior parte das comunidades humanas foram, são e sempre serão as mesmas. Uma destas coisas é a imprensa, de um modo geral, e o seu principal representante, o jornalista, de modo particular.
O escritor francês Honoré de Balzac (1799 - 1850), já em sua época, desmistificava, de forma contundente, o jornalismo e os jornalistas em algumas de suas obras literárias, notadamente em “Ilusões Perdidas” e em “Os Jornalistas’.
Na primeira obra citada, alguém diz ao personagem principal Luciano de Rubempré: - “Você é ambicioso, cínico e inescrupuloso. Tem todos os atributos para se dar bem no jornalismo”.
Na segunda, Balzac descreve a imprensa e o jornalismo da sua época, muito semelhantes aos nossos na atualidade. Em dois textos que compõem a mencionada obra — “Monografia da imprensa parisiense” e “Os salões literários” — o autor questiona a onipotência, a vaidade e a influência prejudicial, exercida pelos jornalistas sobre as pessoas e, até mesmo, com relação aos governos e empresas.
Segundo o escritor francês, “os jornalistas, verdadeiros reizinhos adulados, fazem tremer os governos, fazem e desfazem as reputações, suscitam invejas e rancores. E, mais frequentemente do que se imagina, também transformam sua influência em vantagens materiais da forma mais abjeta”.
Em nosso próprio país o escritor Lima Barreto (1881 – 1922) em sua obra, publicada em 1909, “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (escrivão era sinônimo de jornalista, na ocasião) trata da imprensa e dos jornalistas brasileiros no início do século XX.
Em uma das páginas do capítulo XIII, Isaias Caminha, até então simples auxiliar administrativo de um jornal (e, posteriormente, promovido a escrivão ou jornalista) após presenciar determinado diálogo na redação, pensa consigo mesmo:
“No meio daquele fervilhar de ambições pequeninas, de intrigas, de hipocrisia, de ignorância e filáucia (virtude que consiste em amar a si mesmo e é mais conhecida como amor-próprio- N.A.), todas as coisas majestosas, todas as grandes coisas que eu amara, vinham ficando diminuídas e desmoralizadas. Além do mecanismo jornalístico, que tão de perto eu via funcionar, a política, as letras, as artes, o saber – tudo o que tinha suposto, até aí grande e elevado, ficava apoucado e achincalhado”
“À vista disso, à vista dessa incompetência geral para julgar, da ligeireza e dos extraordinários resultados que obtinham com tão fracos meios, impondo os seus protegidos, os seus favoritos, fiquei tendo um imenso desprezo, um grande nojo por tudo quanto tocava às letras, à política e à ciência, acreditando que todas as nossas admirações e respeitos não são mais que sugestões, embustes e ilusões, fabricados por meia dúzia de incompetentes que se apoiam e se impuseram à credulidade pública e a insondável burrice da natureza humana”.
“Mas, se o meu desprezo e o meu aborrecimento por tudo isso se não fizeram totais, foi porque por vezes senti neles, naqueles redatores e repórteres que tinham o cofre das graças, grandes dúvidas, grandes desesperos e fortes vacilações de consciência sobre o seu próprio valor”
Em virtude de as massas humanas necessitarem, inexoravelmente, da coleta de informações, já processadas ou a serem por elas digeridas, para alimentar e conduzir as suas existências pessoais e coletivas; acumulo de informações este, que é, normalmente, feito através da grande mídia (imprensa escrita, falada e televisada) e das pequenas mídias, representadas estas, principalmente, por pequenos jornais, pequenas rádios e pelas redes sociais, a influência do jornalismo e dos jornalistas na vida quotidiana das pessoas sempre se fará presente, independente das épocas e dos sistemas de governo.
É através desta presença (sempre bem remunerada quando se trata da grande mídia) que os seres humanos são conduzidos, como verdadeiros rebanhos, na direção desejada pelos donos do poder, sejam eles quem forem.
De uma maneira geral, a grande mídia está concentrada na mão de umas poucas pessoas. Esta grande mídia, por sua vez, é detentora de centenas ou até milhares de mídias menores. A linha editorial da grande mídia, estabelecendo o que será divulgado e o que será escondido ou omitido em todas ou em grande parte destas mídias menores, faz com que o cidadão, ao ver a mesma notícia sendo divulgada da mesma forma por centenas ou milhares de mídias menores, passe a acreditar ser verdadeira aquela notícia que recebe diariamente, desconhecendo que ela foi plantada, apenas, por uma única grande mídia, proprietária de muitas ou de todas as menores.
É assim que a coisa funciona, de forma a que uma notícia eventualmente falsa acabe passando por verdadeira. Quando o cidadão comum, inocente e crédulo, vê em todas ou quase todas as mídias a mesma notícia, não imagina que a sua origem possa ter sido uma só; isto é, que tenha partido do proprietário ou responsável, quase sempre oculto, de todas ou quase todas as mídias.
Essas mídias, em grande parte, por se tratarem de empresas comerciais, vendem seus produtos e serviços ideológicos e de manipulação de massas àqueles clientes que pagam mais e nos quais vislumbram a continuidade e a perpetuação do ‘status quo’ que as favorece.
Está é, pois, a razão principal pela qual o atual presidente Jair Bolsonaro e a sua equipe de governo estão sendo violentamente boicotados e atacados por parcela importante da grande mídia e por mídias menores. Ao não proceder da mesma forma que os anteriores governos de esquerda, inundando muitas mídias, grandes e pequenas, com verbas públicas, objetivando cooptá-las, o presidente Bolsonaro caiu em desgraça e é atacado por quase todas, que visam derrubá-lo como um inimigo terrível e mortal que, se não for rapidamente destituído do poder, poderá vir a eliminá-las pela falta dos recursos públicos que estavam acostumadas a receber, como transfusões periódicas de sangue vitais para a sobrevida de pacientes terminais.
Acresce, ainda, conforme disse o conhecido ator, escritor e humorista, Chico Anysio, durante uma entrevista ao programa Roda viva, na TV Cultura, em 1993, que "mais de noventa por cento dos jornalistas brasileiros eram de esquerda e ligados ao Partido dos Trabalhadores".
Por outro lado, recentemente, em sessão de 17 de junho de 2009, por oito votos a um, o STF decidiu que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão de jornalista. O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas considerou um "prejuízo imenso e histórico para a categoria, a decisão do Supremo, que rebaixava o exercício do jornalismo no Brasil". O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, por sua vez, criticou a decisão, que "expunha os jornalistas a riscos e fragilidades e que entrava em choque com o texto constitucional e a aspiração de implantação efetiva de um estado Democrático de Direito, como previsto na carta de 1988".
No entanto, nenhum povo pode prescindir da informação para nortear suas existências, da mesma forma como nenhum governante pode prescindir de uma mídia que divulgue as realizações do seu governo e que rebata as críticas da oposição, discordâncias estas que jamais deixarão de existir.
Quase tudo na existência humana está atrelado a algum tipo de ideologia, razão pela qual, quem está no governo de um país democrático e detém o poder, deve tentar difundir, ver aceita e propagada, aquela ideologia que influencia o programa do seu partido e que norteará o seu mandato. Se for feliz nesta missão e, também, bem sucedido econômica e socialmente, poderá eleger o seu sucessor e este, futuramente, eleger o sucessor dele. Se for infeliz na missão e, também, mal sucedido econômica e socialmente, a oposição, sem dúvida alguma, alcançará o poder, buscando, por sua vez, fazer o que a situação não soube fazer ou foi impedida de concretizar pela oposição.
Portanto, meus caros leitores, esta luta entre situação e oposição será eterna nos países democráticos, enquanto eles eventualmente existirem. Tal luta inexiste nos sistemas totalitários, de partido único, como são os países comunistas.
Em decorrência, segundo penso, nenhum governo democrático poderá prescindir do importante papel da comunicação, necessária entre governante e governados.
Jair Bolsonaro tem usado as redes sociais para se comunicar com seus eleitores e simpatizantes (Facebook, Twitter, etc.). Entretanto, somente isto não será suficiente; posto que, o universo alcançado através destas mídias é muito pequeno, face a necessidade de comunicação diária que ele necessita ter com seus eleitores e simpatizantes, de modo particular, e com a população brasileira de modo geral.
Jair Bolsonaro, infelizmente, necessitará de ter ao lado a grande mídia se quiser neutralizar ataques partidos desta própria grande mídia. De que forma ele poderia fazer isto, eu posso, apenas, especular: fortalecendo algumas grandes mídias atualmente existentes ou possibilitando que pequenas mídias, isoladamente ou unidas entre si, cresçam, com apoio governamental, de forma a tornarem-se grandes mídias. A alternativa de criar uma grande empresa estatal de comunicação, que substituísse as grandes mídias privadas na divulgação de atos governamentais e na neutralização de boatos e de notícias inverídicas, em um governo liberal e desestatizante como o atual, não encontraria eco, evidentemente.
Ocorre que existe, ademais, uma contradição importantíssima a ser levada em consideração. Bolsonaro assumiu a presidência com a missão de combater a corrupção e os métodos imorais e ilegais utilizados por governantes anteriores para comprar consciências e reputações.
Em sendo assim, Bolsonaro não deveria utilizar-se dos mesmos métodos que se propõe a combater. Por outro lado, sabemos que o jogo político-ideológico e os interesses econômicos e estratégicos, como enormes e pesados rolos compressores, passam por cima de tudo e de todos.
Como combater um inimigo superior em alianças e aliados, infiltrado na administração pública onde criou raízes, que não preza valores morais nem espirituais, fazendo uso, apenas, das armas da franqueza, da honestidade de propósitos e da verdade; armas estas que, embora poderosas, não são do conhecimento de grande parte da população em virtude da desinformação e da contrainformação patrocinada pela própria grande mídia?
Portanto, por mais paradoxal que possa parecer, ao invés de seguir somente na linha de comunicação através das redes sociais, como até então tem feito, creio que Jair Bolsonaro deveria partir para o ataque, tendo a seu lado uma grande mídia a ser selecionada cuidadosamente, com proprietários, editores e jornalistas afinados com a ideologia liberal de direita, que caracteriza o seu governo e que representa o desejo da maioria do povo brasileiro que o elegeu presidente.
Esta nova grande mídia proposta, seria porta-voz do governo e dos demais servidores públicos do bem, não envolvidos em atos ilícitos nem na propagação de ideologias espúrias, existentes majoritariamente nos três poderes da república, e teria como público alvo os cidadãos de bem deste país. Sua missão principal seria a de levar a todos eles, os projetos e as realizações do atual governo, apresentar os obstáculos encontrados que dificultam ou impedem a consecução de muitos destes projetos, além de desfazer boatos, intrigas, eventuais tentativas de estabelecer cizânias e notícias falsas.
Se ontem tivemos uma grande mídia poderosa, parcial, quase sempre comprada com dinheiro público e que escondia verdades e propalava inverdades; hoje as redes sociais contribuíram para diminuir em grande parte aquele antigo poder. Quem poderá dizer o que nos reservará o amanhã?
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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