291. “Ai meu Deus, que saudade do Aleixo...”
Jober Rocha*
‘Ai que saudade da Amélia’ é o título de uma canção (comumente chamada, apenas, de Amélia) composta por Mário Lago e Ataulfo Alves, que foi lançada a primeira vez em 1942. É considerada, por muitos, como uma verdadeira obra-prima. Dois dos versos de uma de suas estrofes diziam:
“Ai, meu Deus, que saudade da Amélia,
Aquilo sim é que era mulher”.
No blog de Manuela Salazar (hora-luz.blogspot.com) encontrei um texto que trata da análise de ‘Ai que saudades da Amélia’, baseado na obra ‘Mitologias’, de Roland Barthes.
O mito de Amélia, portanto, segundo o blog, “designa o mito da mulher ideal para um marido brasileiro e pobre. Uma mulher que não reclama, não sonha e não possui vaidade. O único propósito do mito Amélia é cuidar da casa e afagar seu marido com palavras dóceis quando ele se vê contrariado”.
Este prólogo objetiva permitir que os leitores percebam uma certa ilação entre a música mencionada (contendo as declarações de um marido saudoso dos tempos em que dispunha de uma companheira fiel, leal e trabalhadora chamada Amélia) e o texto que irão ler a seguir.
O título desta crônica, ao contrário do que alguns leitores certamente terão imaginado desde o início, não se refere ao lamento de algum cidadão homoafetivo em que destaca a saudade que sentia de um eventual parceiro distante chamado Aleixo; mas, sim, a saudade que o autor do texto sentiu ao pesquisar sobre a vida do Imperador Aleixo (saudade que alguns dos leitores, eventualmente, sentirão também após a leitura destas linhas que tratam de alguns aspectos da administração do império russo conduzida por um jovem Czar no século XVII).
Com toda a certeza os leitores brasileiros do bem, como eu, ao tomarem ciência do teor daquilo que irão ler, também, ficarão saudosos daqueles tempos de Aleixo, quando a violência no império russo foi drasticamente reduzida em razão dos criminosos passarem a ser punidos com extrema severidade.
Face a impunidade generalizada que nos acomete no Brasil, diariamente, quando o crime passa a compensar e os cidadãos não possuem seus direitos civis respeitados, nem as garantias constitucionais necessárias para levarem uma vida tranquila, com saúde, sem violência, sem o temor e a presença do desemprego, com muita esperança em um futuro melhor, estou certo de que todos (ou pelo menos a grande maioria dos meus leitores) concordarão com as medidas implantadas pelo Czar Aleixo Mikhailovich Romanov no seu reinado e, se fosse possível nos dias atuais, gostariam muito de vê-las aplicadas em nosso país pelo atual presidente Bolsonaro.
Vejam, pois, queridos leitores, a continuação, como eram tratados os criminosos no império russo de então.
No ano de 1645, na Rússia, Aleixo Mikhailovich Romanov (1629-1676), aos dezesseis anos, substituiu seu pai, o imperador Miguel I. Este príncipe, que reinou como Czar de 1629 a 1676, trouxe inúmeras melhorias para o império russo de então: atraiu estrangeiros, fundou escolas, conteve os arrogantes nobres da sua corte, convocou um concílio católico em Moscou (para dar um fim ao Cisma da Igreja Ortodoxa Russa) a que compareceram os patriarcas de Alexandria e de Antioquia e, principalmente, reviu o código de Ivan Vasilievich, combinando as leis existentes e pronunciando-se sobre questões deixadas, até então, sem solução e incertas na legislação do império russo.
Aleixo, desde príncipe (Czarevich), estava ciente da necessidade de modernização e de ocidentalização da Rússia, país que estava muito desfasado social e tecnicamente em relação às potências ocidentais. Assim, resolveu abrir uma janela para o Ocidente, já como czar, a fim de que ingressasse no país ideias europeias de progresso.
Sem querer tomar partido, eu noto uma certa semelhança entre aspectos psicossociais do nosso país na atualidade e da Rússia de então; bem como, entre algumas das ideias de Aleixo e as do atual presidente Bolsonaro. Vejam se não concordam comigo...
Uma breve descrição do império russo, naquela ocasião, indica que as estradas estavam infestadas de salteadores e as ruas da capital, Moscou, totalmente inseguras; a corrupção era generalizada. Em 1672 a Rússia entrou em guerra com a Porta (Império Otomano), seguindo-se às guerras contra a Polônia e a Suécia e a revolta cossaca de Stenka Razin.
Em vista de uma situação caótica existente, as penalidades que passaram a ser por Aleixo aplicadas, na ocasião, fariam a inveja e o delírio de muita gente honesta no Brasil de hoje. Alguns leitores, mais observadores e revoltados com a impunidade brasileira, comparando a situação atual do Brasil com a da Rússia de então, poderão chegar, até mesmo, a desejar que o presidente Bolsonaro se transformasse em um governante semelhante, em alguns aspectos, àquele que foi Aleixo.
Para que se tenha uma ideia das penalidades que ele implantou (no auge da turbulência pela qual passava o império), basta saber que a blasfêmia, a perturbação dos cultos religiosos e a alta traição passaram a ser punidas com a morte.
Aquele que se apresentasse armado na corte, ser ter ordem para tal, levaria bastonadas nas plantas dos pés e seria preso. Aquele que sacasse sua arma (punhal ou espada) na presença do imperador, mesmo não ferindo ninguém, perderia a mão e se ferisse alguém seria punido com a morte.
A falsidade em escrituras ou documentos públicos ou a subtração destes, a falsificação de ouro e da prata eram, também, punidos com a morte.
Aos falsificadores de moedas era despejado metal fervente derretido na boca. O roubo de um cavalo custaria a perda da mão do ladrão. O primeiro roubo, de qualquer pessoa, seria punido com o corte de uma mão ou de uma orelha, além de dois anos de trabalhos forçados. O segundo roubo, com a perda da outra orelha e com mais quatro anos de trabalhos forçados. O terceiro roubo seria punido com a morte (vejam que as extensas folhas corridas, com várias páginas, como aquelas frequentemente vistas em nosso país na atualidade, sequer chegavam a existir na ocasião).
O assaltante de estradas, que roubasse pessoas e cargas, era torturado e se lhe cortava a orelha direita, além de seus bens serem confiscados e ele pegar três anos de trabalhos forçados. Se fosse reincidente seria morto.
Todo homicídio premeditado daria lugar a pena de morte. O infanticídio (aborto voluntário) daria lugar a um ano de prisão e a confissão pública do delito. Se a criminosa não fosse casada seria condenada a pena de morte. A mulher que matava seu marido era enterrada até os quadris, com as mãos amarradas às costas.
O juiz prevaricador era condenado a pagar o triplo do dano causado, sendo degredado se fosse da nobreza e sujeito a perder uma mão ou uma orelha se não fosse.
Os caluniadores, isto é, denunciadores sem fundamento, deveriam sofrer a mesma pena prescrita para a imputação caluniosa que fizeram. As injurias em palavras eram pagas em dinheiro, na proporção da hierarquia do ofendido e do ofensor.
Era proibido legitimar filhos naturais, mesmo através de casamento subsequente. Os filhos não podiam acusar seus pais, nem os chamar a juízo. Ninguém poderia sair do país sem passaporte. Era proibido fumar e introduzir tabaco ou substâncias estupefacientes no país, sob pena de lhe cortarem o nariz e as orelhas.
Todo acusador, se não provasse as suas acusações, teria o nariz e as orelhas cortados. Estas são, apenas, algumas das penalidades que pude levantar.
Alguns leitores poderão argumentar tratarem-se de medidas típicas de povos bárbaros. Ocorre que em nosso próprio país, na atualidade, nas periferias urbanas e rurais, muitas facções criminosas já aplicam penalidades semelhantes entre os habitantes locais. Notem, ainda, que noticias recentes dão ciência de que em diversos Estados norte-americanos a pena capital está de volta, face ao substancial incremento no número de crimes violentos. Nos países islâmicos as penalidades de Aleixo já são, desde há muito, aplicadas corriqueiramente. Na China e na Rússia as penas de morte são comuns e, periodicamente, ouvimos falar de ministros e outras autoridades fuzilados ou enforcados por desvio de dinheiro público e atos de corrupção ou traição.
Em inúmeras áreas do território nacional (consideradas como libertadas), onde o poder governamental não está presente, a lei e a sua aplicação são reguladas pelos chefes de quadrilhas, de movimentos ou de milícias dominantes.
Neste contexto, punições comumente aplicadas nestas áreas incluem: o corte de membros; disparos de arma de fogo em mãos e pés; queima do corpo nos chamados fornos de micro-ondas; corte de cabeças e morte por estrangulamento, por arma branca ou por arma de fogo. Frente ao caos institucional em que vivemos, com o aparelhamento político das instituições e sem a segurança jurídica necessária para que todos os cidadãos possam viver e trabalhar em paz, as leis do país necessitariam ser revistas para a aplicação de penas mais duras aos criminosos.
Ocorre que muitos daqueles que legislam ou que julgam, infelizmente, por diversos motivos, não pensam desta forma.
As similaridades que eu pretendi destacar com este texto entre a ‘saudade da Amélia’ e a ‘saudade de Aleixo’, para nós brasileiros, seriam, pois, as seguintes:
1. Amélia não reclamava, era dócil, não possuía vaidade, não necessitava de luxo nem riqueza e era trabalhadora; em suma, uma autentica representante do povo de bem brasileiro. O suposto marido e admirador da Amélia, ao sentir saudades dela, louvava as suas boas qualidades, o seu caráter íntegro, o seu desapego das coisas mundanas, o seu sentimento de justiça e a vontade de agir corretamente.
2. Ao sentirmos saudade de Aleixo, nós, pessoas de bem, que vivemos uma situação política e psicossocial semelhante, em alguns aspectos, àquela do império russo de então, queremos deixar claro que sentimos, sim, saudade daqueles tempos de Aleixo (embora não os tendo vivido). Aqueles eram tempos em que os criminosos não dormiam tranquilos, como ocorre aqui e agora; onde os infratores das leis tinham, no máximo, três chances de delinquir, antes de serem executados oficialmente pelo Estado; onde os acusadores e denunciadores sofriam na própria carne seus falsos testemunhos e aleivosias. Em suma, aqueles eram tempos diferentes, tempos em que o crime não compensava e dos quais, todos nós, cidadãos de bem, ao tomarmos ciência deles, sentimos, verdadeiramente, saudade.
Algum compositor brasileiro até poderia fazer uma marchinha para o próximo carnaval com o refrão:
"Ai meu Deus, que saudade do Aleixo,
Aquilo, sim, é que era Czar..."
Algum compositor brasileiro até poderia fazer uma marchinha para o próximo carnaval com o refrão:
"Ai meu Deus, que saudade do Aleixo,
Aquilo, sim, é que era Czar..."
Finalmente, à guisa de conclusão, quero deixar claro que considero hipócritas os discursos daqueles que, mesmo reconhecendo a incapacidade do Estado em fazer frente ao crime (organizado ou não) em razão de deficiências estruturais e, até mesmo, por razões ideológicas (quando inúmeros políticos e membros do executivo e do judiciário passam a considerar os criminosos como simples vítimas de uma sociedade injusta e repressora), se mostram contrários e tentam impedir, de todas as formas e por todos os meios, que o próprio cidadão de bem exerça o inalienável direito de defender a sua própria vida, a vida de seus familiares, a sua propriedade e os seus bens, desarmando-os a revelia; posto que, o desarmamento foi peremptoriamente rechaçado em plebiscito popular e, independentemente disto, implementado pelos governos de esquerda, seguindo orientação do Foro de São Paulo para a futura implantação de um governo comunista no país.
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário