293. A Ducha Fria
Jober Rocha*
Eu a conheci durante uma festa. Era uma mulher linda e estava em um canto isolado do salão, como se esperasse alguém ou como se estivesse meio deslocada naquele ambiente alegre e festivo.
De onde eu me encontrava fiquei observando o seu corpo, suas roupas e sua postura. Era perfeita em tudo. Possuía um tipo asiático, de olhos amendoados, cabelos negros, corpo esbelto, dentes perfeitos. Seu vestido caia-lhe perfeitamente e devia ser produto da alta costura francesa. Parecia um pouco tímida e tive a intuição de que deveria ser excessivamente carinhosa. Resumindo, era o meu tipo de mulher.
Esperei um pouco e, finalmente, não me contendo mais, resolvi me dirigir a ela com alguma pergunta tola, só para entabular conversação.
Ao me aproximar, ela, virando-se em minha direção, deu-me um sorriso maravilhoso que deixou as minhas pernas bambas.
Perguntei-lhe se esperava alguém e ela respondeu que não. Disse que havia sido convidada por um amigo e resolvera vir, embora não conhecesse ninguém naquele local.
Convidei-a para sentar e pedi uma bebida para nós. Não me cansava de fitar seus lindos olhos negros, seu sorriso juvenil e franco, o movimento de sua cabeça e o balançar daqueles longos cabelos negros tão bem tratados e perfumados. Suas mãos eram finas e suas unhas grandes esmaltadas em um tom suave. Em um dos dedos um fino anel com uma pequena esmeralda. No pescoço um lindo colar de brilhantes que fazia conjunto com seus brincos, também daquela mesma pedra preciosa.
A medida em que seguíamos conversando segredou-me, com uma agradável e excitante voz, que era pintora e que possuía um atelier na cidade. Premiada em várias exposições mundiais, seus quadros adornavam paredes de instituições públicas e privadas, além de mansões de milionários nos quatro continentes.
Eu estava, realmente embevecido. Tentando vasculhar o meu passado recente, buscava encontrar alguma boa ação que houvesse feito para merecer tamanha dádiva do Criador. Jamais imaginara estar frente a frente com uma mulher como aquela, que parecia, sejamos francos, simpatizar comigo desde o início.
Falei-lhe sobre a minha vida de piloto de caça da Força Aérea. Contei-lhe sobre os exaustivos treinamentos que fazia sobre o território nacional, quer durante o dia, quer durante a noite. Ela mostrou-se deslumbrada com esta minha faceta, admirando a minha coragem e patriotismo.
Eu, aproveitando a deixa, comentei que enquanto ela dormia sonhando com suas novas telas, eu, sem que ela ao menos imaginasse, velava pelo seu sono percorrendo os céus do país a velocidades supersônicas, pronto para destruir qualquer inimigo alado que ousasse perturbar o descanso dela.
Ela, sorrindo, agradeceu-me de maneira carinhosa, segurando-me a mão por sobre a mesa.
Confesso, para aqueles que não conhecem o meu lado conquistador e ‘galinha’, que, naquele exato momento, eu já estava convencido de ter encontrado a mulher da minha vida. A companheira ideal para viagens internacionais, para temporadas de inverno em chalés suíços, para caçadas no interior da África negra, passeios de barco pelas águas do Nilo e excursões às pirâmides do Egito.
Prometi a mim mesmo que não deixaria passar aquela inesperada e única oportunidade. Iria pedir seu telefone, e-mail, whatsapp, facebook, twitter, endereço e não pretendia mais deixa-la só, dali em diante, nem um único dia que fosse.
Por vezes, nossos joelhos se tocavam por debaixo da mesa, deixando-me em uma excitação constrangedora.
A certa altura, ao tocar uma música romântica, perguntei a ela se desejava dançar. Tendo concordado, seguimos juntos para a pista de dança. Seu andar era o de uma verdadeira modelo internacional, desfilando em uma passarela na Maison Dior. Notei que homens e mulheres a observavam enquanto caminhava, admirando sua maneira elegante de se deslocar, quando parecia flutuar ao invés de andar.
Na pista, enlacei-a pela cintura e ela apoiou-se no meu ombro. Demos as mãos e começamos a dançar. Inicialmente afastados, aos poucos, fomos nos aproximando um do outro. Seu perfume era inebriante, seu hálito rescindia a jasmim, sua pele era macia como pétalas de uma flor.
Ao apertá-la com mais força, trazendo-a de encontro a mim, senti a presença de algo que me deixou intrigado. Que volume seria aquele, colocado em um local onde não deveria existir nenhum volume?
Talvez uma pequena bolsa contendo um batom? Mas por que logo ali?
Afastei-me e ela percebeu que eu havia percebido. Disse que estava cansada e que queria voltar para a mesa.
Na mesa, já sentados, ela disse que queria confessar-me algo. Começou falando que havia simpatizado muito comigo e que, se eu relevasse algumas condicionantes do seu passado, estava convencida de que poderíamos ser felizes juntos.
Indaguei a que condicionantes ela se referia. Com os olhos baixos e duas lágrimas furtivas rolando pela face, ela disse: - Eu me chamo Juvenal e nasci homem!
Embora eu já estivesse preparado, aquela confissão pegou-me, realmente, de surpresa. Não podia imaginar por que razão o Criador (ou a Natureza, se preferem) havia me pregado aquela peça. Será que desejava testar-me para alguma missão mais ‘cabeluda’? Queria conhecer meus pontos fracos?
Fiquei alguns minutos em silêncio. Não sabia o que dizer. Não desejava magoar uma criatura tão sensível e tão bonita. Todavia, dentre todos os sonhos que sonhara alguns minutos antes, havia um em que eu conduzia duas crianças ao colégio, crianças estas que eu havia gerado com meus próprios espermatozoides.
Percebi, naquele momento, que o baile para mim já havia terminado. Apertei a mão de Juvenal, agradeci a sua companhia, desejei-lhe sucesso na carreira de pintor, levantei-me e me dirigi ao estacionamento, onde embarquei em meu carro e rumei direto para a base aérea onde servia.
La chegando, tirei o terno e a gravata, peguei uma toalha e me dirigi ao banheiro, onde tomei uma longa ducha fria, antes de cair na cama e sonhar com cenas de um combate aéreo no qual um ‘aviador’, com rosto de mulher, quase havia conseguido me iludir e derrubar com o seu pequeno míssil...
_*/ Economista e Doutor pela Universidade de Madrid, Espanha.
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